A Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu,
na última sessão, que é inconstitucional a cobrança pela Receita Federal de
multa de 50% sobre pedidos de ressarcimento ou compensação de créditos
tributários negados pelo fisco.
A discussão acerca da constitucionalidade dos parágrafos 15 e 17 do artigo 74
da Lei 9.430/96 foi proposta pela 2ª Turma da corte ao julgar mandado de
segurança ajuizado pela Tyson do Brasil Alimentos. Na ação, o advogado da
empresa alegou que a existência de multa prévia em caso de negativa do crédito
viola o direito fundamental de petição.
Dessa forma, os parágrafos referidos acima entram em conflito com o disposto
no artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal, que assegura o direito de
petição aos Poderes Públicos independentemente de pagamento de taxas.
Segundo a relatora do processo, desembargadora federal Luciane Amaral Corrêa
Münch, “a aplicação de multa com base apenas no indeferimento do pedido ou na
não homologação da declaração de compensação afronta o princípio da
proporcionalidade”.
Duas decisões judiciais distintas, uma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e outra do da 3ª Região, acolheram a inconstitucionalidade dos parágrafos 15 e 17 do artigo 74 da Lei 9.430/1996. Os dispositivos preveem multa de 50% sobre valor de crédito fiscal requerido pelo contribuinte como ressarcimento, quando o processo administrativo pedindo a devolução é rejeitado pela Receita Federal.
A regra foi acrescentada em 2010 pela Lei 2.249, e serve para evitar que o contribuinte abuse das solicitações de ressarcimento. Segundo tributaristas, no entanto, o problema é que tanto a empresa que age de má-fé quanto a que acredita fazer um pedido legítimo são tratadas da mesma forma, sendo, eventualmente, punidas.
“O problema é que nem a própria Receita ou o Conselho de Contribuintes tem pacificado a posição quanto ao que dá direito ao crédito e o que não dá”, afirma a advogada Priscila Dalcomuni, do escritório Martinelli Advocacia Empresarial, que defendeu uma grande empresa de alimentos no TRF-4. “Isso acaba criando uma situação de insegurança completa.”
De acordo com Priscila, a profusão de leis tributárias é outro agravante importante. “Fizemos uma pesquisa e concluímos que, atualmente, temos mais de 290 normas relativas só ao PIS e à Confins. É impossível imaginar que o contribuinte, ao pedir o crédito, tenha o conhecimento de todas elas.”
Em primeira instância, o Mandado de segurança impetrado foi negado. No TRF-4, porém, a desembargadora Luciane Amaral Corrêa Münch o acolheu. “A determinação da multa, ainda que não obste totalmente a realização do pedido de compensação, cria obstáculos, com certeza, ao direito de petição do contribuinte”, afirmou ao deferir medida cautelar. “Diante da possibilidade de lhe ser aplicada a pena pecuniária, produz justo receio, a ponto de desestimulá-lo a efetivar o pedido da compensação a que teria direito.”
Para a desembargadora, os parágrafos questionados contrariam não só o artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal — que garante o direito do cidadão de fazer petição ao poder público — como também o princípio da proporcionalidade, essencial para inibir os abusos do Estado. Nesse ponto, citou decisão do desembargador Otávio Roberto Pamplona, também do TRF-4, que trata da mesma lei. “As multas impostas se constituem em excesso indevido, impedindo o livre exercício do direito fundamental de petição.”
Liminar parcialA desembargadora Marli Ferreira, do TRF-3, utilizou argumento semelhante em sua decisão, referente a Mandado de Segurança coletivo impetrado pela Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse). “Afigura-nos que a aplicação literal dos dispositivos combatidos ofenderia frontalmente os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”, disse em despacho. “A uma, porque não há que se falar em qualquer prejuízo ao Fisco quando do indeferimento do pedido administrativo de restituição ou compensação (...). A duas, porque a aplicação da multa de 50% revela uma inadmissível sanção política em detrimento do cidadão que, de boa-fé, procurou legitimamente defender interesses e direitos que supunha ter.”
Marli, entretanto, deferiu parcialmente a liminar pedida, pois entendeu que as normas continuam valendo para casos de má-fé, ressaltou, nos quais “deve ser assegurado o exercício do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa” ao contribuinte.
Segundo o advogado Percival Maricato, diretor Jurídico da Cebrasse, sem a ação, “a ameaça criada pela lei persistiria, fazendo com que o Fisco não fosse obrigado a analisar e satisfazer pretensões legítimas”. Isso, segundo ele, “reduziria a carga de trabalho e majoraria indevidamente a arrecadação tributária.”
Jurisprudência em formaçãoComo destaca a advogada Priscila Dalcomuni, a decisão obtida por ela no TRF-4 deve guiar processos semelhantes na 4ª Região — o reconhecimento da inconstitucionalidade dos parágrafos 15 e 17 do artigo 74. Mas só o Supremo Tribunal Federal tem competência para anular os efeitos das normas em todo território nacional. Nos casos dos dois tribunais regionais ainda cabe recurso da Receita Federal.
Já há decisões no STF na mesma linha dos dois TRFs. A desembargadora Marli Ferreira, do TRF-3, lembrou, em seu voto, decisão do ministro Joaquim Barbosa na
ADI 173, que declarou os artigos 1º e 2º da Lei 7.711/1998 inconstitucionais, em que reconheceu “violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário” e “caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte (...) ao recolhimento do crédito tributário” — alegações semelhantes às adotadas nas decisões em relação à Lei 9430/1996.
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