Nova regulamentação do BC favorece o bom pagador
Marcelo H. Wolak *
Em artigo, especialista explica norma sobre risco de crédito
Existe uma máxima no treinamento militar que prega a seguinte filosofia: quando um erra todos pagam. Trata-se de uma excelente atitude para fortalecer o espírito de equipe, mas fora desse contexto a iniciativa não pode ser encarada como positiva. É o caso da gestão de risco de crédito para pessoas físicas e jurídicas. Atualmente, a norma 2.692/99, do Banco Central, regula a concessão e estabelece a mensuração do risco de crédito de forma simples e passiva, não contemplando as variáveis essenciais. As taxas de juros são calculadas considerando o risco que o tomador de crédito oferece e as garantias de que dispõe. No percentual da taxa está embutido risco de não pagamento da base total de clientes e não o perfil do tomador.
Com a resolução 3721/09, o Banco Central muda o cenário. A instituição financeira passará a monitorar o histórico individual de cada cliente de forma ativa, seja pessoa física ou jurídica, de modo que ele seja uma das bases do processo de risco de crédito. Com a resolução, o sistema financeiro terá novos processos e ferramentas, as quais permitirão às instituições calcular os riscos e ajustar a taxa de juros a esses riscos, considerando o perfil, renda classe social e os antecedentes do consumidor. Ou seja, para o bom pagador a nova norma é uma ótima notícia.
As áreas comerciais dessas instituições podem começar a diferenciar as taxas cobradas para pessoas físicas com alto poder de pagamento de outras com menor poder. Atualmente, para uma mesma modalidade de crédito de varejo, por exemplo, os bancos cobram o mesmo spread, independente da condição de pagamento do indivíduo o que produz a tendência a prejudicar os bons pagadores já que o ajuste da taxa é feito pela média dos piores pagadores.
E não somente os tomadores de crédito ganham com a nova lei. A longo prazo, a estimativa é de que as instituições financeiras também poderão ofertar mais crédito, uma vez que elas oferecem os recursos em função do limite de crédito e da reserva de capital de que dispõem. Ao calcular o risco com mais exatidão – em função do gerenciamento ativo - elas podem constituir reservas menores, disponibilizando mais crédito ao mercado.
O cenário inovador, no entanto, vai exigir mudanças importantes por parte das instituições. O conjunto de mudanças inclui criação de políticas de gerenciamento de risco de crédito, de uma unidade responsável por esse gerenciamento e procedimentos e sistemas dedicados a prover transparência nas questões relativas ao crédito. São justamente tais mudanças que permitirão que as instituições consolidem o gerenciamento integrado do risco de crédito e de mercado. Tais ações também permitem que o risco passe a ser mensurado mesmo depois da liberação do crédito, com supervisão diária como ocorre nas demais operações.
A iniciativa nada mais é do que um passo no processo de acompanhar a evolução das normas de Basiléia II. E mais do que isso, ela será uma ferramenta importante na concessão de crédito ao consumidor. O Banco Central estima que a modalidade deverá crescer até 20% em 2010, impulsionando a economia interna. Em 2008, antes da crise, o crédito crescia a taxas acima de 30%. A evolução das normas é sinalizador de quanto o mercado de crédito no Brasil ainda pode aumentar. Para se ter uma idéia do potencial, basta observar que em setembro de 2009, as operações de crédito correspondiam a 45,7% do PIB brasileiro. Nos Estados Unidos, o índice de operações de crédito sobre PIB é de aproximadamente 187%.
A 3.721/09 consolida as novas normas para a gestão de risco de crédito, cujo prazo de entrada em vigor é outubro de 2010. A data final não significa que o processo comece no último trimestre ao ano. É importante alertar que as instituições financeiras devem estar atentas ao cronograma apresentado pelo Banco Central. A entrega de toda Política de Risco de Crédito, por exemplo, está prevista para o abril de 2010.
O principal desafio para o mercado financeiro será operacionalizar a concessão de crédito baseado no histórico individualizado da pessoa física ou jurídica. As instituições devem adotar ferramentas de gerenciamento de risco de crédito, as quais precisam incorporar funcionalidades que avisem, por exemplo, sobre o desenquadramento da política de investimentos e do cálculo do retorno ajustado ao risco (RAROC), entre outros recursos.
Os cenários de estresse igualmente devem ser acompanhados de forma automática por essas ferramentas, da mesma forma que detalhes como o controle de risco de mercado, crédito e liquidez intradiários para instituições financeiras. São alguns dos recursos que precisam efetivamente ser monitorados com a nova resolução. Trata-se de um conjunto de funcionalidades que precisam interagir adequadamente, caso contrário as instituições não avançarão para atender a nova legislação. E o risco passa a ser delas.
*Marcelo H. Wolak é gerente de pesquisa e modelagem financeira da LUZ Engenharia
Financialweb
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