"Multa para crédito indevido é inconstitucional"
A norma da Receita Federal que trata de multas aplicadas a compensações de
créditos tributários errados é “absolutamente inconstitucional”. Na opinião do
advogado e professor de Direito Tributário, Heleno Taveira
Torres, a regra “joga bons contribuintes, que agem de absoluta boa-fé,
na mesma vala comum que sonegadores de todo tipo”.
Ele se refere à Instrução Normativa 900/2008 da Receita Federal. O dispositivo
estabelece que o contribuinte que se restituir de crédito tributário indevido
deve pagar multa de 50% sobre o valor do crédito considerado indevido pelo
Fisco. No caso de “ressarcimento obtido com falsidade no pedido”, a multa sobe
para 100% sobre o valor.
Conforme a explicação de Heleno Torres, por meio dessa regra,
a Receita pune o contribuinte que, de boa-fé, comete um erro, muitas vezes
causado pelas complicadas definições tributárias e contábeis brasileiras.
Durante palestra na 6ª Jornada de Debates sobre questões polêmicas do Direito
Tributário, organizada pela FiscoSoft, ele disse que o contribuinte tem a
obrigação de declarar, e por isso o faz de acordo com sua interpretação do
Direito.
O tributarista afirma que a multa ofende o que diz o artigo
150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional. O texto da lei diz que, no
caso de pagamento de tributos por homologação — caso de PIS, Cofins, ICMS ou
IPI, por exemplo –, o contribuinte é quem deve tomar a iniciativa de declarar.
No caso de restituição indevida, diz o parágrafo 4º, antes de se aplicar uma
sanção, deve se comprovar “dolo, fraude ou simulação”. “A norma é um confisco
indevido. É uma tentativa de a Receita se locupletar”, ataca.
Equiparações confusasA IN 900/08 trata
de multas a restituição de créditos indevidos. Nos casos específicos de PIS e de
Cofins, não existe segurança sobre o que pode ou não ser creditado. Isso porque,
de acordo com Juliana Ono, diretora de conteúdo da FiscoSoft e
especialista nos tributos, a Lei 10.833/2003, que cria o PIS e a Cofins, afirma, no artigo
3º, que bens e serviços utilizados como insumos à atividade empresarial podem
ser creditados dos impostos.
Mas, continua Juliana, a lei não define o que são insumos,
deixando margem a diferentes interpretações. A Receita, então, se viu obrigada a
regulamentar o conceito por meio de instrução normativa. O fez por meio da IN
404/2004 e equiparou os critérios aos que são utilizados no Imposto sobre
Produtos Industrializados, o IPI.
O problema é que, de acordo com a norma que discrimina a não
cumulatividade de PIS e Cofins, os impostos não se relacionam, e suas regras,
portanto, não são as mesmas. A saída da Receita para resolver a questão foi
adotar interpretações restritiva do que são insumos. Em três soluções de
divergência, disse que só são considerados insumos “os bens e os serviços
aplicados diretamente no respectivo serviço prestado”.
Já o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf,
considerou insumos quaisquer custos ou despesas necessários à atividade da
empresa — critério do cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). A
Câmara Superior de Recursos Fiscais, por sua vez, afastou a interpretação de que
se deve usar os critérios do IPI, mas ficou com as hipóteses restritivas.
Judiciário abrangenteJuliana Ono também
cita uma decisão judicial que deu caráter mais amplo à definição. Em apelação
cível, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul decidiu que “insumos, então, são
os gastos que, ligados inseparavelmente aos elementos produtivos, proporcionam a
existência do produto ou serviço, ou seu funcionamento, a sua manutenção ou o
seu aprimoramento”.
Considera, conforme a explicação da especialista, além das
etapas anteriores à prestação do serviço ou fabricação do produto, também as
etapas posteriores, como manutenção e funcionamento.
Mas isso não quer dizer que o contribuinte deva obedecer
apenas o que diz o Judiciário. Juliana Ono aconselha as empresas a “entender que
quem vai analisar a sua declaração é um fiscal que tem o dever funcional de
levar em conta as instruções normativas e soluções de divergência da
Receita”.
Caminho inversoPor conta desse quadro,
Heleno Torres afirma que a IN 900, que estabelece a multa para crédito indevido
de tributos, não pode estabelecer sanções tão severas antes da etapa da
comprovação do dolo. Dessa forma, diz, “o fisco interfere nas atividades do
mercado”, pois “empresas que se creditam de insumos são tratadas de uma forma e
as que não creditam, de outro”.
A constitucionalidade da regra não foi questionada no Supremo
Tribunal Federal, mas o advogado tributarista Antonio Airton
Ferreira conta já ter conseguido “inúmeros” mandados de segurança
contra sua aplicação. “Ou seja: o contribuinte deve fazer o contrário. Deve
receber a multa, procurar o Judiciário para aí dizer que não deve pagar aquele
valor.”
Pedro Canário é repórter da
revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de
2012
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