Dia do Contribuinte é o mesmo que o Dia do Saci Pererê
Pela Lei 12.325, de 15 de setembro de 2010, foi instituído
o Dia Nacional de Respeito ao
Contribuinte. Pretende-se com isso promover uma "conscientização cívica a
ser celebrada, anualmente, no dia 25 de maio, com o objetivo de mobilizar a
sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a
importância do respeito ao contribuinte".
Prevê
a lei, ainda, que "os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e pela
arrecadação de tributos e contribuições promoverão, em todas as cidades onde
possuírem sede, campanhas de conscientização e esclarecimento sobre os direitos
e os deveres dos contribuintes".
Pois
no mesmo dia em que o Congresso mandava respeitar o contribuinte, discutia-se a
criação de 300 novos municípios, ou seja, 300 novas unidades de despesa que vão
onerar as mesmas pessoas que deveriam ser respeitadas.
Ao
retornar de viagem de trabalho nesse dia, aliás um sábado, certo jornalista
encontrou em sua casa comunicado do estado de que está inscrito no Cadin, porque
deixara de pagar o IPVA de um veículo que vendeu há mais de 20 anos. Claro que
se o IPVA de 20 anos atrás não foi pago, está extinto ante a prescrição
legal.
Na
mesma semana, o proprietário de um terreno no Butantã, que foi alugado a uma
borracharia, foi citado numa execução fiscal onde o município cobra mais de R$
300 mil a título de multa porque seu antigo inquilino não obedeceu à famigerada
lei da “cidade limpa”, que proibia placas publicitárias. Detalhes: a lei já foi
considerada inconstitucional por uma sentença e o valor da multa é maior que o
do imóvel. Isto é: pela aplicação de lei inconstitucional a Prefeitura quer
confiscar a propriedade e a vítima do confisco ainda vai ficar devendo mais da
metade do seu valor!
E
na véspera da data, uma empresa de transportes viu-se impedida de renovar parte
de sua frota e continuar operando, porque a União insiste em manter bloqueados
veículos que foram objeto de constrição judicial, embora esteja em dia o
parcelamento do débito.
Todas
essas situações demonstram que, na prática, o respeito ao contribuinte, apesar
da lei, simplesmente não existe neste país. A cada novo dia criam-se novas
armadilhas para nos transformar a todos em escravos de uma tributação injusta,
vítimas de multas confiscatórias, alvos de uma burocracia dispendiosa e, assim,
colocados na condição de presas fáceis da arrogância de autoridades que se
julgam inatingíveis e cujos chefes maiores pensam apenas na próxima eleição.
Algo
precisa ser feito para mudar esse quadro.
As
recentes medidas econômicas relacionadas a isenções ou “desonerações” estão
favorecendo o consumo, sem dúvida, mas não podem ser feitas sem os adequados
mecanismos de compensação.
Não
é possível, legalmente, abrir mão de recursos orçamentários oriundos da receita
tributária, sem as cautelas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC
101/2000), cujo artigo 1º, em seu parágrafo 1º, assinala que:
§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal
pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem
desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o
cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a
limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com
pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária,
operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de
garantia e inscrição em Restos a Pagar.
Além
das despesas de custeio já previstas no orçamento — e isso ocorre em todos os
entes da Federação — estão previstos muitos concursos públicos destinados a
preencher vagas nas repartições. O serviço publico federal é onde, como regra,
se localizam os melhores salários. Realizados tais concursos neste ano e
nomeados os aprovados no próximo, podemos prever um aumento expressivo das
despesas a curto prazo.
Nós,
advogados, não sabemos fazer contas. Mas conhecemos pelo menos alguma coisa de
economia doméstica. Quando as despesas de casa aumentam, minha mulher me ensina
que só há duas soluções: aumentar as receitas ou reduzir os gastos.
E
é assim no governo também. Mas há uma diferença: o aumento de despesas é rápido
e o das receitas não. Como já assinalamos em nossa coluna de 7 de novembro de
2011 — clique aqui para ler — a regulamentação do imposto sobre grandes
fortunas não pode ser mais adiada. Trata-se de uma questão de reduzir um pouco a
desigualdade social do pais e arrecadar algo para compensar as desonerações
concedidas.
A
tributação indireta no Brasil (IPI, ICMS, Cofins etc) precisa ser revista. Não
por acaso a primeira coluna aqui publicada tratava de uma simplificação do
sistema, onde era proposta a eliminação do IPI, dando-se mais ênfase ao
ICMS.
Enquanto
no Brasil a renda e os lucros são tributados em menos de 20% e as mercadorias,
bens e serviços em cerca de 45%, nos países mais desenvolvidos tais percentagens
são diferentes, com 38% sobres lucros e rendas e o máximo de 33% nas
mercadorias.
A
tributação indireta acaba atingindo os mais pobres, aquelas pessoas cuja renda
destina-se basicamente ao consumo. Isso nos leva também à conclusão de que todo
o sistema tributário deve ser revisto.
Não
tem sentido, por exemplo, deixar à margem do IPVA os aviões e os barcos,
tributando apenas os terrestres. Aliás, esse imposto talvez devesse ser extinto,
uma vez que sua estrutura jurídica o torna confuso, além de representar um
transtorno para o contribuinte e sem grande repercussão na arrecadação. A
respeito disso, já escrevemos neste espaço em 21 de novembro de 2011 — cliqueaqui para ler — sustentando a tese de que o IPVA
representa uma bitributação em relação ao ICMS que se paga quando da aquisição e
não é de fato um imposto sobre propriedade, mas sobre o consumo.
Um
novo sistema tributário é indispensável para que possamos enfrentar o desafio
que nos oferece a oportunidade de crescimento deste século.
Com
uma carga tributária que se aproxima dos 40% do PIB, resta à sociedade
brasileira muito pouco para investir. Não há a maior dúvida de que o
investimento mais sadio é aquele que resulta da poupança das pessoas ou do lucro
não distribuído das pessoas jurídicas. E são estas, sem dúvida, as que possuem
maior possibilidade de alavancar o crescimento econômico do país.
Assim
sendo, não basta criar uma data comemorativa e dizer que naquele dia o
contribuinte será respeitado. Tem-se a impressão que se houver respeito será
somente num único dia, sendo os 364 restantes dias de tortura, de perseguição,
de humilhações ao contribuinte.
O
que vemos hoje nas repartições fazendárias, como regra, não é exatamente um
ambiente de respeito. Boa parte dos funcionários não nos atendem adequadamente,
ao que parece por se sentirem desmotivados ou acomodados. Há, ainda, repartições
onde se colocam cartazes advertindo que constitui crime desacatar funcionários.
Além do mais, mesmo com o advento da informática, há inúmeros casos de exagerada
demora no atendimento e até negligência explícita de servidores.
Quando
se fala em respeito ao contribuinte, isso implica também em respeito ao advogado
que o representa. Há inúmeros casos em que o advogado não é bem recebido e nem
vê seus direitos reconhecidos.
Um
exemplo disso é a negativa de vista de autos de processo administrativo fora da
repartição, assegurado pela Lei 8906 e que algumas autoridades insistem em
ignorar, obrigando o advogado a recorrer ao judiciário.
O
Estatuto da Advocacia (lei 8906/04 em seu artigo 7º, inciso XV diz:
“Art.
7º - São direitos do advogado:...
XV
– ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na
repartição competente, ou retirá-los
pelos prazos legais;”
O
Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 77.507 (RTJ 71, págs.
522/523) decidiu:
CONTENCIOSO
ADMINISTRATIVO - PROCESSO ADMINISTRATIVO - VISTA DOS AUTOS - Ressalvadas as
exceções previstas em lei, tem o advogado direito à vista de processos
disciplinares fora das repartições ou secretarias.
Ora,
se a Lei 8.906 — que é uma lei especial e vigora nesse sentido — garante que a
retirada dos autos é direito (prerrogativa) do advogado, não existe razão para
que a autoridade o ignore. Assim agindo, não respeita o direito do contribuinte,
de quem o advogado é representante.
Por
todas essas e muitas outras razões, o tal Dia Nacional de Respeito ao
Contribuinte não
significa muita coisa ou mesmo nada. Trata-se apenas de uma lei sem sentido, tão
importante quanto a que criou o Dia do Saci Pererê, que se comemora em 31 de
outubro.
Revista Consultor Jurídico, 10 de
junho de 2013
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