LEGISLAÇÃO

sexta-feira, 28 de junho de 2013

TRANSPARÊNCIA FISCAL



Fisco federal nega acesso público a consultas tributárias

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
O Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) fez pedido de acesso à informação de todas as “consultas tributárias dos contribuintes formuladas à Secretaria da Receita Federal do Brasil e suas respectivas respostas”. O acesso à informação foi negado com base na seguinte alegação: “Informação sigilosa de acordo com legislação específica”.
As consultas fiscais são instrumentos que o contribuinte utiliza para obter do Fisco sua interpretação oficial acerca da incidência de tributos sobre determinadas situações que podem constituir fatos geradores. Para os contribuintes, as consultas geram a segurança jurídica necessária para que realizem as suas operações sabendo exatamente qual será a tributação exigida pelo Fisco na situação concreta e que condutas devem realizar ou não perante o direito posto.
Infelizmente, por prática reiterada do Fisco federal, as consultas fiscais e suas respostas não são publicadas. Dessa forma, os demais contribuintes e os cidadãos em geral não tem acesso ao seu conteúdo, que podem ter relação com as suas atividades. A publicidade das consultas permite também aos cidadãos acompanhar o entendimento do Fisco sobre as normas tributárias de uma forma geral. Com o sigilo que hoje impera, não temos garantia da uniformidade da resposta das consultas — portanto, de que as respostas dadas para casos semelhantes serão consistentes e no mesmo sentido.
O fundamento do sigilo, segundo a resposta dada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil à consulta do NEF, é o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, que fala em inviolabilidade da intimidade e vida privada das pessoas, claramente não aplicável às pessoas jurídicas. O único possível fundamento jurídico para aplicação do sigilo às pessoas jurídicas é o sempre citado artigo 198 do Código Tributário Nacional. Ocorre que o artigo 198 não menciona sigilo fiscal, mas proteção de informação obtida pelo Fisco sobre a situação econômica ou financeira e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades do contribuinte.
A aplicação do artigo 198 precisa ser combinada com a nova Lei de Acesso à Informação, que dispõe:
Art. 7º, § 2º Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo.
Ou seja, a partir do advento da Lei de Acesso à Informação, o Fisco é obrigado a fornecer todas as informações fiscais, e quando houver informações sobre a situação econômica ou financeira e sobre o estado dos negócios ou atividades, essas partes podem muito bem ser suprimidas, a fim de respeitar os segredos negociais das empresas.
Dessa forma, não existe razão para obstar completamente o acesso às consultas fiscais, tendo em vista que, quando houver informações sigilosas — e não é plausível que todas as consultas tenham informações sigilosas —, a Receita pode suprimir apenas as informações específicas, mas dando acesso ao conteúdo de suas consultas e não apenas às ementas, como se dá nos dias de hoje.
Embora a Receita Federal afirme em sua resposta e em sua página na internet que o sigilo é exceção e a regra é a transparência, aplica às consultas a regra do sigilo, sem exceções para a transparência.
Além disso, até os documentos que foram anexados às respostas dos pedidos de acesso à informação são também protegidos. Eles não podem ser impressos e possuem restrições ao seu manuseio — é o sigilo do sigilo. São, portanto, procedimentos contrários à noção geral de transparência, que exige amplo acesso a dados abertos e procedimentos que facilitem o acesso pelo cidadão às informações detidas pelo poder público.
A mentalidade vigente, portanto, é de que qualquer resposta dada ao contribuinte só a ele interessa, e não à sociedade como um todo.[1] A instituição esquece que o contribuinte de boa fé, que quer cumprir suas obrigações fiscais, muitas vezes não o faz por desconhecer as regras do jogo ou por não ter certeza de qual interpretação prevalecerá sobre a nossa legislação complexa. Isto é, nem produzimos uma lei clara, nem damos ferramentas que indiquem caminhos seguros e consistentes para os contribuintes.
Temos ainda um paradoxo interessante. Outros entes da federação[2] publicam as suas consultas tributárias sem prejuízo do sigilo fiscal.[3] Seriam esses entes criminosos, por divulgarem conteúdo do contribuinte? Certamente esse não é o caso. Algumas administrações fiscais, poucas ainda, é verdade, já perceberam que divulgar ou não as consultas e outros documentos relacionados ao Fisco não mais se coloca em dúvida, sendo a questão até onde podemos ir, ou como devemos divulgar tais documentos sem causar prejuízos à intimidade e vida privada das pessoas, e aos segredos negociais no caso das empresas.
É preciso entender que não há mais espaço para o sigilo absoluto nos atos de governo. Ao menos não o espaço que é dado hoje e que na área fiscal é mais amplo e mais forte do que o da transparência.

[1] Nesse mesmo sentido: ROCHA, Valdir de Oliveira. A Consulta Fiscal. São Paulo: Dialética, 1996; e FALEIRO, Kelly Magalhães. Procedimento de Consulta Fiscal. São Paulo: Noeses, 2005.
[2] Por exemplo, o Município de São Paulo. Ver: http://goo.gl/iZWEZ. Acesso em 3.6.2013.
[3] Nos Estados Unidos da América também há a publicação das chamadas Opinions, inclusive com o nome dos interessados e com diversos sistemas de busca. Ver: http://goo.gl/XKfDw. Acesso em 3.6.2013.
Basile Christopoulos é pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito de S. Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV).
Revista Consultor Jurídico, 27 de junho de 2013

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