Fisco federal nega acesso público a consultas tributárias
Artigo
produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões
emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus
autores.
O
Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) fez pedido de acesso à informação de todas as
“consultas tributárias dos contribuintes formuladas à Secretaria da Receita
Federal do Brasil e suas respectivas respostas”. O acesso à informação foi
negado com base na seguinte alegação: “Informação sigilosa de acordo com
legislação específica”.
As
consultas fiscais são instrumentos que o contribuinte utiliza para obter do
Fisco sua interpretação oficial acerca da incidência de tributos sobre
determinadas situações que podem constituir fatos geradores. Para os
contribuintes, as consultas geram a segurança jurídica necessária para que
realizem as suas operações sabendo exatamente qual será a tributação exigida
pelo Fisco na situação concreta e que condutas devem realizar ou não perante o
direito posto.
Infelizmente,
por prática reiterada do Fisco federal, as consultas fiscais e suas respostas
não são publicadas. Dessa forma, os demais contribuintes e os cidadãos em geral
não tem acesso ao seu conteúdo, que podem ter relação com as suas atividades. A
publicidade das consultas permite também aos cidadãos acompanhar o entendimento
do Fisco sobre as normas tributárias de uma forma geral. Com o sigilo que hoje
impera, não temos garantia da uniformidade da resposta das consultas — portanto,
de que as respostas dadas para casos semelhantes serão consistentes e no mesmo
sentido.
O
fundamento do sigilo, segundo a resposta dada pela Secretaria da Receita Federal
do Brasil à consulta do NEF, é o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal,
que fala em inviolabilidade da intimidade e vida privada das pessoas, claramente
não aplicável às pessoas jurídicas. O único possível fundamento jurídico para
aplicação do sigilo às pessoas jurídicas é o sempre citado artigo 198 do Código
Tributário Nacional. Ocorre que o artigo 198 não menciona sigilo fiscal, mas
proteção de informação obtida pelo Fisco sobre a situação econômica ou
financeira e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades do
contribuinte.
A
aplicação do artigo 198 precisa ser combinada com a nova Lei de Acesso à
Informação, que dispõe:
Art.
7º, § 2º Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela
parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de
certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo.
Ou
seja, a partir do advento da Lei de Acesso à Informação, o Fisco é obrigado a
fornecer todas as informações fiscais, e quando houver informações sobre a
situação econômica ou financeira e sobre o estado dos negócios ou atividades,
essas partes podem muito bem ser suprimidas, a fim de respeitar os segredos
negociais das empresas.
Dessa
forma, não existe razão para obstar completamente o acesso às consultas fiscais,
tendo em vista que, quando houver informações sigilosas — e não é plausível que
todas as consultas tenham informações sigilosas —, a Receita pode suprimir
apenas as informações específicas, mas dando acesso ao conteúdo de suas
consultas e não apenas às ementas, como se dá nos dias de hoje.
Embora
a Receita Federal afirme em sua resposta e em sua página na internet que o
sigilo é exceção e a regra é a transparência, aplica às consultas a regra do
sigilo, sem exceções para a transparência.
Além
disso, até os documentos que foram anexados às respostas dos pedidos de acesso à
informação são também protegidos. Eles não podem ser impressos e possuem
restrições ao seu manuseio — é o sigilo do sigilo. São, portanto, procedimentos
contrários à noção geral de transparência, que exige amplo acesso a dados
abertos e procedimentos que facilitem o acesso pelo cidadão às informações
detidas pelo poder público.
A
mentalidade vigente, portanto, é de que qualquer resposta dada ao contribuinte
só a ele interessa, e não à sociedade como um todo.[1] A
instituição esquece que o contribuinte de boa fé, que quer cumprir suas
obrigações fiscais, muitas vezes não o faz por desconhecer as regras do jogo ou
por não ter certeza de qual interpretação prevalecerá sobre a nossa legislação
complexa. Isto é, nem produzimos uma lei clara, nem damos ferramentas que
indiquem caminhos seguros e consistentes para os contribuintes.
Temos
ainda um paradoxo interessante. Outros entes da federação[2] publicam as
suas consultas tributárias sem prejuízo do sigilo fiscal.[3] Seriam esses
entes criminosos, por divulgarem conteúdo do contribuinte? Certamente esse não é
o caso. Algumas administrações fiscais, poucas ainda, é verdade, já perceberam
que divulgar ou não as consultas e outros documentos relacionados ao Fisco não
mais se coloca em dúvida, sendo a questão até onde podemos ir, ou como devemos
divulgar tais documentos sem causar prejuízos à intimidade e vida privada das
pessoas, e aos segredos negociais no caso das empresas.
É
preciso entender que não há mais espaço para o sigilo absoluto nos atos de
governo. Ao menos não o espaço que é dado hoje e que na área fiscal é mais amplo
e mais forte do que o da transparência.
[1] Nesse mesmo
sentido: ROCHA, Valdir de Oliveira. A Consulta Fiscal. São Paulo: Dialética, 1996; e FALEIRO, Kelly
Magalhães. Procedimento de
Consulta Fiscal. São Paulo: Noeses, 2005.
[2] Por exemplo, o
Município de São Paulo. Ver: http://goo.gl/iZWEZ. Acesso em 3.6.2013.
[3] Nos Estados
Unidos da América também há a publicação das chamadas Opinions, inclusive com o nome dos
interessados e com diversos sistemas de busca. Ver: http://goo.gl/XKfDw. Acesso
em 3.6.2013.
Basile Christopoulos é pesquisador do
Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito de S. Paulo da Fundação
Getúlio Vargas (Direito GV).
Revista Consultor Jurídico, 27 de
junho de 2013
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