Conceito de insumo deve corresponder na cobrança
Por gerarem receitas ao erário sem a
necessidade de repartição com os demais entes federados, assim como ocorre aos
impostos, a União Federal sempre se utilizou do PIS e da Cofins como forma de
aumentar a sua arrecadação, mediante sucessivas alterações legislativas, que
por muitas vezes, esbarraram em inconstitucionalidades e ilegalidades.
A contribuição para o PIS foi
instituída pela Lei Complementar no 07 de 1970, recepcionada
pelo artigo 239 da Constituição Federal de 1988, e era cobrada de acordo com a natureza
das atividades.
As pessoas jurídicas que realizavam
vendas mercantis contribuíam com duas parcelas, uma formada a partir da dedução
do imposto de renda (ou como se devido fosse, no caso de empresas isentas –
“PIS dedução”), e a outra calculada sobre o faturamento (PIS faturamento).
Para as empresas ditas não mercantis,
como as instituições financeiras, seguradoras, e prestadoras de serviços
contribuíam também com duas parcelas: a primeira deduzida do IRPJ, tal qual as
empresas mercantis, e a segunda, formada por recursos próprios, de valor
idêntico a primeira, chamada por isso de “PIS repique”.
Por sua vez, a legislação do
Finsocial (Cofins), instituído sob a égide da Constituição de 1967, pelo
Decreto-lei no 1.940/82, também apurava os valores conforme o
tipo de atividade exercido pelas empresas. As empresas que fossem, ao mesmo
tempo, vendedoras de mercadorias e prestadoras de serviços, contribuíam com
base na receita bruta dessas operações. As instituições financeiras e entidades
a elas equiparadas contribuíam com base na receita operacional. As empresas
unicamente prestadoras de serviços o faziam com base no IRPJ devido ou como se
devido fosse.
O DL 1.940/82 da Cofins foi
recepcionado pelo artigo 56 do ADCT, na Constituição de 1988, até que nova lei
dispusesse sobre a matéria.
Nos julgamentos dos recursos
extraordinários 150.755-1/PE e 150.764-1/PE, o STF entendeu que sua recepção se
daria como contribuição à seguridade social, apesar de ter sido criado como
verdadeiro imposto residual de competência da União.
Editada a Lei 7.738 de 1989, ficou
determinado que as empresas exclusivamente prestadoras de serviços apurassem a
Cofins sobre a receita bruta.
Em razão disso, a constitucionalidade
da eleição da receita bruta como base de cálculo do Finsocial foi questionada
no STF, uma vez que havia extrapolado os limites constitucionais estabelecidos
no inciso I, do artigo 195 da Constituição Federal, o qual autorizava a
instituição de contribuição social sobre o faturamento, e não sobre a receita
bruta.
O Supremo no julgamento do RE
150.755/PE deu interpretação conforme a constituição, entendendo que as
prestadoras de serviços deveriam contribuir para o Finsocial com base na
receita bruta, assim entendida como o faturamento, sendo esta o produto das
operações de venda mercantil e da prestação de serviços à vista ou a prazo.
Sobreveio, então, a Lei Complementar
70/91 que, finalmente, dispôs sobre a contribuição social do artigo 195, I, da
CF/88, incidentes sobre faturamento. Essa lei equiparou formalmente o conceito
de faturamento à “receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e
serviços e de serviços de qualquer natureza.” (artigo 2º).
Com isso, surgiram duas contribuições
sociais incidentes sobre a mesma base de cálculo (faturamento), onde o STF foi
instado a reconhecer a constitucionalidade da coexistência dessas duas
contribuições sociais, por entender que a CF/88, ao recepcionar o PIS (LC
07/70), não exauriu a possibilidade de criação de outra contribuição social
sobre o faturamento (ADC no.01/DF).
Posteriormente, sobreveio a Lei
9.718/98, disciplinando em conjunto o PIS e a Cofins, elegendo a base de
cálculo o faturamento, mas novamente o equiparou a receita bruta, dizendo ainda
ser “irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação
contábil adotada para as receitas.” (artigo 3º, §1º).
Quanto a isso, o STF no RE 364.084/PR
entendeu que o conceito de faturamento contido no texto da CF/88 (artigo 195,
inciso I) não comportava a amplitude pretendida pelo artigo 3º, da Lei
9.718/98, que indo além da equiparação inicialmente estabelecida pelo
Decreto-lei 1.940/82, não se limitou a dizer que aquele termo equiparava-se a
receita bruta advinda das operações de venda de mercadorias e prestação de
serviços.
Diante desse contexto de discussões e
inconstitucionalidades, a questão foi finalmente resolvida ao ser editada a
Emenda Constitucional no 20/98, a qual autorizou a tributação
das contribuições sociais tanto pela receita, quanto pelo faturamento,
alterando a redação dada ao inciso I, do artigo 195 da CF/88.
Mais recentemente, as Leis 10.637/02
e 10.833/03 mantiveram o faturamento como base de cálculo do PIS e da Cofins,
mas ao invés de equiparar o faturamento à receita bruta e esta à totalidade das
receitas, preferiram dizer que o faturamento equivaleria à receita total da
empresa e que essa receita total compreenderia não só a receita bruta, mas
também todas as demais receitas da empresa.
Não-cumulatividade sob a ótica
constitucional
Diz-se cumulativo o tributo que incide em duas ou mais etapas de produção, sem que na etapa posterior possa ser abatido o montante pago na etapa anterior, agregando todos os custos operacionais da produção ou circulação de mercadorias. Já o tributo não-cumulativo é aquele cujo o montante do tributo pago numa etapa anterior de produção pode ser abatido do montante devido na etapa seguinte, formando-se um crédito a se compensado.
Diz-se cumulativo o tributo que incide em duas ou mais etapas de produção, sem que na etapa posterior possa ser abatido o montante pago na etapa anterior, agregando todos os custos operacionais da produção ou circulação de mercadorias. Já o tributo não-cumulativo é aquele cujo o montante do tributo pago numa etapa anterior de produção pode ser abatido do montante devido na etapa seguinte, formando-se um crédito a se compensado.
No início, o sistema legal de
recolhimento e compensação de créditos do PIS e da Cofins operava-se pelo
regime cumulativo, onde os tributos e demais custos de produção incidentes nas
operações mercantis e de prestação de serviços não garantiam ao contribuinte
qualquer direito a crédito.
Dessa forma, os abatimentos de
eventuais tributos e encargos atrelados direta e indiretamente na base de
cálculo das contribuições não poderiam ser destacados nas operações
posteriores.
Com a entrada em vigor da Emenda
Constitucional 42/03, a redação dada ao artigo 195 da Carta Constitucional foi
alterada, consolidando para o PIS e à Cofins o princípio-regra da
não-cumulatividade, conforme disposto abaixo:
“§12. A lei definirá os setores de
atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos
incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.”
No entanto, o regime não-cumulativo
do PIS já havia sido regulamentado pela Lei no 10.637/02, e
depois à Cofins pela Lei 10.833/03, sob uma pretensa “não-cumulatividade”,
tendo em vista que seria aplicado tão somente para algumas despesas suportadas
pelos contribuintes no desenvolvimento de suas atividades e ainda para alguns
tipos de contribuintes (artigo 3º).
Desse modo, o fato gerador do PIS e
da Cofins não-cumulativos seria o “faturamento mensal, assim entendido o total
das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua
denominação ou classificação contábil” (art. 1º, das Leis 10.637/02 e
10.833/03). E o §1º do artigo 1º de ambas as leis esclarece que: “o total das
receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações
em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa
jurídica”.
Se, antes, apenas as receitas
provenientes das operações de venda de mercadorias e serviços (o faturamento)
poderiam servir como base de cálculo do PIS e da Cofins, agora, prestam-se a
todos os ingressos definitivamente incorporados ao patrimônio das pessoas
jurídicas em virtude de operações de venda de mercadorias, de prestação de
serviços, de remuneração de investimentos e de cessão onerosa e temporária de
bens e direitos a terceiros envolvidos na atividade empresarial – ou seja, a
receita total.
Na realidade, no contexto da
denominada receita total, o PIS alcança dois tipos de receitas: o faturamento,
que representa o maior valor tributado; e as demais receitas, que
basicamente são compostas pelas receitas financeiras, representando um retorno
aos fatídicos Decretos-leis 2.445/88 e 2.449/88, declarados inconstitucionais
pelo STF.
Da aplicação e alcance da regra Conforme tratado,
no campo do creditamento do PIS e da Cofins, ao invés de ter havido um
alargamento das hipóteses de abatimento dos custos operacionais a fim de
acompanhar a ampliação do conceito de faturamento, houve um verdadeiro
estreitamento, passível de questionamentos.
Isso porque, o legislador ordinário
ao editar as Leis 10.637/02 e 10.833/03, preferiu listar as hipóteses que
conferem créditos e também as que não conferem créditos, o que fez surgir
várias lacunas, por manifesta deficiência dessa técnica legislativa.
Além disso, na estruturação da regra
sobre os créditos, foram utilizados termos que não guardam nenhuma relação com
o PIS e à COFINS, como por exemplo o termo "insumo”.
Atualmente, a busca pelo conceito de
insumo e seu real alcance para fins de creditamento na sistemática da
não-cumulatividade do PIS/COFINS tem ficado a cargo do Poder Judiciário, que
muitas vezes vem aplicando o conceito de insumo dado ao IPI, mesmo possuindo
critério material de incidência (produção - industrialização)
completamente distinto daqueles.
Verifica-se, assim, que apesar do
sistema de não-cumulatividade das contribuições sociais ser distinto do
aplicado ao IPI, em relação aos insumos houve o mesmo tratamento.
Portanto, fica evidente que o alcance
do termo "insumo" para o IPI, não é adequado para tratar de regras vinculadas
ao PIS/Cofins, já que tal elemento não guarda nenhuma relação com a identidade
constitucional dessas contribuições.
Isso, por si só, representa nítida
violação a sistemática da não-cumulatividade do PIS/Cofins pela inadequação à
regra material de incidência, a qual para estas é o faturamento-receita, e não
a industrialização de produtos.
Posição do CARF e da CSRF
Em acórdão publicado recentemente, a Câmara Superior de Recursos Fiscais, instância final de julgamento no âmbito do Ministério da Fazenda, trouxe entendimento inédito a respeito do conceito de insumos para desconto de créditos de PIS e da Cofins.
Em acórdão publicado recentemente, a Câmara Superior de Recursos Fiscais, instância final de julgamento no âmbito do Ministério da Fazenda, trouxe entendimento inédito a respeito do conceito de insumos para desconto de créditos de PIS e da Cofins.
Em que pese o julgamento do referido
recurso ter sido realizado há algum tempo (09/11/2011), só agora houve a
publicação do acórdão, permitindo, além do conhecimento quanto aos argumentos
utilizados pelos Conselheiros, a sua utilização como paradigma para eventual
Recurso Especial dos contribuintes.
A controvérsia residia no embate
entre as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que não delimitaram a abrangência do
termo insumos para fins de aproveitamento de créditos de PIS e COFINS, em
detrimento da Instrução Normativa 247/02, que, com base nas normas de
incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, estabeleceu que o
aproveitamento de créditos só seria possível quando o insumo sofresse desgaste,
dano ou perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamenteexercida
sobre o produto em fabricação.
No referido acórdão, a CSRF afastou
tanto a regência das regras de IRPJ, quanto a aplicação restritiva das regras
do IPI, fixando o entendimento pelo qual o conceito de insumos para fins de PIS
e Cofins deve obedecer regras próprias, analisando-se caso a caso.
Com isso, atualmente, no CARF o
entendimento é pela necessidade de apuração de crédito de PIS e COFINS
analisando caso a caso, considerando a essencialidade do bem na produção e na
geração de receita da empresa, afastando o conceito de insumo dado ao IPI pela
Instrução Normativa nº 247/02.
Posição dos tribunais a favor do contribuinte
Apesar do STF já ter manifestado entendimento segundo o qual a apuração de crédito do PIS e da Cofins deve observar às hipóteses expressamente previstas nas Leis nº. 10.637/02 e 10.833/03, e Instrução Normativa no 404/04, alguns tribunais vem entendendo pela possibilidade de considerar outras despesas para efeito de creditamento.
Apesar do STF já ter manifestado entendimento segundo o qual a apuração de crédito do PIS e da Cofins deve observar às hipóteses expressamente previstas nas Leis nº. 10.637/02 e 10.833/03, e Instrução Normativa no 404/04, alguns tribunais vem entendendo pela possibilidade de considerar outras despesas para efeito de creditamento.
Essa posição vem ganhando força nos
Tribunais brasileiros, consolidando o entendimento pelo qual o rol de despesas
que enseja o crédito, nos termos do art. 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03,
possui carátermeramente exemplificativo (TRF4, Apelação Cível no 0000007-25.2010.404.7200)
Ou ainda, que diante da análise do
caso concreto haveria a possibilidade de aplicação de interpretação extensiva,
a qual resulta na simples inclusão de situação fática em hipótese legalmente
prevista, sem que venha a ofender a legalidade estrita, ou o próprio artigo
110, do CTN (STJ, REsp 1125253/SC)
Portanto, se de um lado, o STF
reconheceu que a ampliação do conceito de faturamento dado pelas referidas leis
previdenciárias não violou os limites contidos no inciso I, do artigo 195, da
Constituição Federal, e do artigo 110, do CTN; do outro, em relação ao conceito
de insumo o mesmo tribunal deveria manter a mesma coerência.
Conclusão
Por essas razões, do ponto de vista constitucional, após a Emenda Constitucional nº 42/03, os contribuintes do PIS e da Cofins carregam consigo o direito de apropriar créditos das contribuições sobre a totalidade de suas despesas, independentemente da relação de despesas passíveis de créditos lançada no artigo 3º das Leis nº. 10.637/02 e 10.833/03, bem como de serem eles (os contribuintes) industriais, comerciantes ou prestadores de serviços.
Por essas razões, do ponto de vista constitucional, após a Emenda Constitucional nº 42/03, os contribuintes do PIS e da Cofins carregam consigo o direito de apropriar créditos das contribuições sobre a totalidade de suas despesas, independentemente da relação de despesas passíveis de créditos lançada no artigo 3º das Leis nº. 10.637/02 e 10.833/03, bem como de serem eles (os contribuintes) industriais, comerciantes ou prestadores de serviços.
Dessa forma, nos termos dos artigos
1º, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, o direito a compensação do PIS/Cofins
deveria ser apurado considerando o débito vinculado à receita total de
faturamento contra o crédito total nascido do custo total (externo) que
permitiu gerar tal faturamento; e o débito vinculado às demais receitas tributadas
contra os créditos das correspondentes dessas despesas, observando-se apenas as
limitações contidas nos §2º, dos artigos 3º, de referidas leis.
Assim, diante das características
imanentes à cobrança do PIS e da Cofins (critério material – faturamento e
receita), e da própria legislação específica, mostra-se razoável que o conceito
de insumo deva corresponder, também, à totalidade das despesas empregadas para
a obtenção das receitas da empresa, e que não foram expressamente excluídos
pela legislação.
Esse modo de apuração guarda
pertinência entre os elementos que compõem o campo da materialidade de
incidência do PIS e da COFINS (faturamento/receita) com os elementos que
integram o quadro dos créditos conferidos ao contribuinte.
Neste cenário, a interpretação
sistemática torna-se ainda mais imperativa, com forte amparo ao desígnio
constitucional da não-cumulatividade conferido ao PIS e à COFINS, visando a
adequação entre a regra-padrão de incidência dessas contribuições e a
correspondente regra geradora do crédito conferido ao contribuinte pelas leis
em comento.
Portanto, a solução, ora aventada, não depende de mudança legislativa,
pois a questão atinge apenas o campo da interpretação sobre normas já postas,
basta apenas afastar a aplicação de instruções normativas para acabar com a
insegurança na definição e alcance da regra em foco.
André Rodrigues da Silva é advogado
tributarista, membro do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo
Revista Consultor Jurídico,
16 de outubro de 2013
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