Ações de busca e apreensão do Cade preocupam advogados
A autorização
judicial é passo necessário e deve sempre nortear a atividade do Conselho
Administrativo de Direito Econômico, órgão responsável por regular a
concorrência dos mercados e evitar a formação de cartéis no Brasil. A frase é
do procurador-chefe do Cade, Gilvandro Araújo, e retrata a difícil
missão do órgão, de provar ações fraudulentas e impedir a concentração de
mercado, mas depende do Judiciário para promover ações de busca e apreensão.
Tais ações são fundamentais, segundo ele, para provar crimes que, normalmente,
“não estão claramente evidentes”.
Gilvandro
participou, na manhã desta terça-feira (22/10), de um debate sobre a limitação
para as ações de busca e apreensão promovidas pelo Cade. O evento foi promovido
pela Escola de Magistrados Federais da 3ª Região, com o apoio do Centro de
Estudos de Direito Econômico e Social e da Associação dos Juízes Federais do
Brasil. Além do procurador do Cade, compuseram a mesa o advogado Tércio
Sampaio Ferraz Jr., o desembargador federal José Marcos Lunardelli,
que comandou os trabalhos, e o advogado Paolo Mazzucato.
Gilvandro Araújo
baseou a atuação do Cade em três princípios: a celeridade, para permitir a
aplicação do Direito Antitruste em prazo curto; a integridade, com a aplicação
do devido processo legal; e a efetividade. O terceiro princípio, segundo ele, é
traduzido pela efetiva punição às empresas após a constatação da
irregularidade. O procurador-chefe citou como importante o aumento da quantidade de acordos de leniência, forma de
denúncia que inclui a admissão de culpa da empresa, com a apresentação de documentos que
apontem a responsabilidade dos demais envolvidos no caso. No entanto, o acordo
é apenas o primeiro passo da investigação, continuou.
De acordo com o
procurador, após a verificação da fidedignidade das informações, o Cade abre
processo administrativo que passa pela inspeção das informações, caso a empresa
opte por tal caminho, ou pela ação de busca e apreensão. Classificada pelo
próprio Gilvandro como intrusiva, a prática é necessária porque a empresa responsável
pelo crime não apresentará de livre e espontânea vontade os documentos ao órgão
regulador, continua ele.
Ao citar as
dificuldades que o Cade enfrenta em suas operações, ele diz que a diferença
entre os diversos mercados, com diferenças de competitividade, agentes e
dinâmicas, exige estudo e criatividade por parte do órgão. Gilvandro aponta que
análises indicam tendência a formação de cartéis em mercados oligopolizados,
com poucos agentes econômicos. O mesmo vale, afirma, para produtos homogêneos,
enquanto os heterogêneos podem ser substituídos de forma distinta.
Exatamente por ser
intrusiva, a ação depende da autorização do Judiciário, mediante a apresentação
de indícios que justifiquem a busca e apreensão de documentos, afirma ele.
Entre os indícios, estão o próprio acordo de leniência, depoimentos de
testemunhas ou terceiros e características dos mercados. Sobre a atuação de
policiais em tais processos, ele diz que a busca é um procedimento civil,
relacionado à instauração de processo administrativo. Para o procurador do
Cade, a atuação conjunta com a Polícia Civil ou Polícia Federal é possível, mas
não é o modelo previsto na Lei 12.529/2011, que regulamenta o Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência.
Para evitar
constrangimento à empresa, servidores do Cade são os responsáveis por
selecionar o material que deve ser apreendido, e a devolução dos itens ocorre
da forma mais célere possível, aponta Gilvandro. Até por isso, são recolhidos
todos os livros ou computadores da companhia, afirma. Para evitar destinação
diferente da prevista inicialmente, o servidor é o depositário do material, e a
petição que autoriza a ação deve, sempre que possível, conter a data em que
eles serão devolvidos, concluiu Gilvandro Araújo.
Exame invasivo
Professor titular da Universidade de São Paulo, o advogado Tércio
Sampaio Ferraz Jr. comparou a ação de busca e apreensão a um exame médico,
afirmando que como no segundo caso, uma ação invasiva pode gerar tumor. Isso
ocorre porque é envolvida em tal procedimento uma questão fundamental da
sociedade, a invasão e ameaça à integridade, informa ele. Para Tércio, a ação
está pautada pelos artigos 173 e 174 da Constituição Federal, que regem o poder
normativo e regulador do Estado em questões econômicas.
É preciso tomar
cuidado, alerta ele, porque o papel concedido ao Estado é o de fiscalizador, e
não de controlador. Assim, a intrusão deve ser analisada com cuidado e, quando
necessária, proibida para impedir ação de controle, continua. Tércio Sampaio
Ferraz Jr. levanta uma questão importante: é necessária, para a liberação da
busca e apreensão em casos concorrenciais, a presença do fumus boni
juris? Não há qualquer especificação na legislação, que fala apenas em
necessidade de justificação, de acordo com o advogado.
Respondendo à
questão, ele diz que, em sua opinião, o fumus boni juris pode
ser superado nos casos concretos envolvendo a questão concorrencial, sendo
suficiente a justificação. Isso depende, segundo Tércio, de indícios, ou algo
que aponte para a prática de crime ou abuso. O especialista afirma que a
situação é diferente quando se trata de uma denúncia ou manifestação sem
clareza de limites. Em tais situações, é fundamental que sejam apresentados
aspectos justificando o interesse da prática para o processo.
Tércio Sampaio
Ferraz Jr. diz que já foi registrada a condenação de cartéis sem a ação de
busca e apreensão, com base apenas em indícios, e cita a polêmica envolvendo a
preservação de sigilos. Para ele, a comunicação não pode ser atingida, até
porque nenhuma pessoa é obrigada a informar tudo que sabe. A necessidade de
autorização judicial para quebra de sigilo telefônico serviu como fio condutor
para outro questionamento: é possível ou necessário pedir autorização para a
quebra de outros sigilos, como o de dados telemáticos?
Por fim, o advogado
diz que outra discussão importante envolve a definição de comunicação. Ele
aponta que a tendência é não considerar carta aberta, ou mesmo e-mail aberto,
como comunicação. Depois da abertura, a comunicação já ocorreu e trata-se de
seu armazenamento, o que permite a concessão de ordem judicial para busca e
apreensão, informou Tércio ao encerrar sua exposição.
O desembargador
José Marcos Lunardelli afirma que outro ponto deve ser analisado: segundo ele,
é muito difícil evitar que as provas obtidas após a ação de busca e apreensão
sejam vazadas para a imprensa, expondo ainda mais a empresa. Isso é mais
frequente em casos de cartel ou apuração da atuação de organizações criminosas.
De acordo com o desembargador, a discussão também atinge o tema da liberdade de
expressão e a quebra de sigilo.
Como ele informa, o
sigilo não envolve terceiros, apenas as autoridades e, em muitas ocasiões, o
vazamento de dados ou documentos causa muito prejuízo aos investigados, mesmo
que acabem absolvidos. De acordo com José Marcos Lunardelli, debates como o
promovido nesta terça-feira são importantes porque aumentam o grau de reflexão
sobre o assunto, auxiliando o Judiciário em um tema sobre o qual não há
jurisprudência. Já Paolo Mazzucato, que concorda com a analogia entre a ação de
busca e apreensão e o exame médico invasivo, afirma que é necessário discutir a
participação de advogados nas ações de busca e apreensão, já que os
profissionais são os legítimos representantes do cidadão.
Revista Consultor
Jurídico, 23 de outubro de 2013
Professor titular da Universidade de São Paulo, o advogado Tércio Sampaio Ferraz Jr. comparou a ação de busca e apreensão a um exame médico, afirmando que como no segundo caso, uma ação invasiva pode gerar tumor. Isso ocorre porque é envolvida em tal procedimento uma questão fundamental da sociedade, a invasão e ameaça à integridade, informa ele. Para Tércio, a ação está pautada pelos artigos 173 e 174 da Constituição Federal, que regem o poder normativo e regulador do Estado em questões econômicas.
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