STJ impede Fisco de usar dados de cartões
Por
Adriana Aguiar Uma decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não
admitiu a exclusão de uma microempresa do Simples Paulista com base apenas em
dados obtidos na Operação Cartão Vermelho, deflagrada em 2007 pela Fazenda do
Estado de São Paulo. Não cabe mais recurso. Na operação, o Fisco cruzou
informações obtidas por meio das administradoras de cartões de crédito e débito
com as declaradas pelos contribuintes. Nos casos em que foram constatadas
divergências, autuou as empresas por sonegação de ICMS. A decisão é um
importante precedente para os contribuintes autuados. Na época, 93,6 mil
empresas foram notificadas, de acordo com a Fazenda paulista. Em 2006, essas
companhias teriam declarado ao Fisco operações de aproximadamente R$ 11,2
bilhões e as administradoras de cartão informaram que, no mesmo período,
repassaram R$ 24,2 bilhões para esses estabelecimentos. Isso gerou
aproximadamente 1,3 mil notificações, nos casos que se entendeu haver indícios
de sonegação fiscal. Contribuintes, porém, questionaram a legalidade dessa
operação. Para eles, só pode haver a quebra de sigilo fiscal com autorização
judicial e após a instauração de processo administrativo. Como esses processos
de investigação foram iniciados apenas com os dados da Operação Cartão Vermelho,
não seriam válidos. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de São Paulo, por sua
vez, argumenta que a operação está respaldada na Lei paulista nº 12.186, de
2006. A norma exige que o contribuinte autorize as administradoras de cartão de
crédito a fornecer à Fazenda paulista os valores referentes às suas operações
como requisito para enquadramento no Simples. O ministro Herman Benjamin, do
STJ, entendeu, no entanto, que a Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP)
não poderia se basear na Lei Estadual nº 12.186, de 2006, para autuar, multar ou
desenquadrar empresa do Simples. Segundo o ministro, a Operação Cartão Vermelho
inverteu a lógica do levantamento do sigilo das operações financeiras. Isso
porque o Fisco buscou os indícios de irregularidades antes mesmo de abrir os
processos administrativos. “É patente a ilegalidade do processo administrativo e
da consequente exclusão do Simples Paulista. Isso porque não se pode transformar
a exceção em regra, com evidente inversão do ônus da prova: o contribuinte é
tratado constantemente como investigado, ou culpado, e não como inocente”, diz
na decisão. Para reforçar seu entendimento, Benjamin ainda ressalta que o
Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente sobre a impossibilidade de o Fisco
quebrar sigilo fiscal sem autorização judicial. O caso foi analisado em 2010,
pelo Pleno, que declarou inconstitucional o artigo 5º Lei Complementar nº 105,
que autorizava a administração tributária a solicitar informações bancárias.
Para o advogado Périsson Andrade, sócio da Périsson Andrade Advogados, que
defendeu a empresa no STJ, a decisão, juntamente com o julgado do STF, reforça a
irregularidade da Operação Cartão Vermelho. “O Fisco, como principal
interessado, não pode quebrar o sigilo do contribuinte sem decisão de um juiz”,
afirma. A Fazenda não recorreu para a 2ª Turma do STJ e o processo foi
encerrado. Segundo Andrade, os argumentos a favor dos contribuintes são fortes.
” É bem provável que as empresas ganhem essa discussão.” Para ele, a quebra de
sigilo é ilegal e nem todas as companhias autuadas sonegaram impostos. Ele
explica que há empresas de um mesmo grupo, por exemplo, que usam o mesmo CNPJ
nas operações com cartões de crédito. Em setembro de 2012, a Câmara Superior do
Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo decidiu, por maioria, que são
válidos os autos de infração lavrados durante a Operação Cartão Vermelho. Já no
Judiciário, os contribuintes têm vencido na maioria dos casos no Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJ-SP). Para os advogados José Eduardo Toledo, do
Gaudêncio, McNaughton e Toledo Advogados, e Horacio Villen Neto, do Magalhães,
Villen & Ferreira Santos Sociedade de Advogados, a decisão do STJ, ainda que
seja de apenas um ministro, traz um forte precedente para as empresas. Como as
companhias não têm ganhado na esfera administrativa, todos esses processos devem
desaguar no Judiciário. Porém, segundo Toledo, “se houve diferença no cruzamento
dessas informações é porque há algo estranho e traz uma prova forte de
sonegação”. De qualquer forma, acrescenta, como essas provas foram obtidas com
quebra de sigilo sem autorização judicial, essas autuações podem ser anuladas.
Por nota, a assessoria de imprensa da PGE de São Paulo informou que há diversos
julgados favoráveis ao Fisco no TJ-SP. Porém, admitiu que esse é o primeiro caso
analisado pelo STJ. Segundo a nota, “o Estado de São Paulo confia que a
administração tributária nada mais fez do que atuar dentro dos limites traçados
pela Constituição Federal (artigo 145 parágrafo 1º), ou seja, exerceu a
atividade fiscalizadora que decorre de seu poder de polícia”. Ainda acrescentou
que “a vida financeira dos contribuintes de ICMS interessa ao Estado, não
havendo que se falar em direito constitucional absoluto ao sigilo dessas
operações”. A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo também informou por
nota que “em todos os procedimentos fiscais são observados os princípios
constitucionais e as garantias do contribuinte, não representando ofensa ao
sigilo financeiro”. A Sefaz-SP ainda afirmou confiar “que o Poder Judiciário
firmará jurisprudência pela legalidade da atuação fiscal decorrente da Operação
Cartão Vermelho, conforme os precedentes [do TIT e do TJ-SP] já
registrados”.
Fonte: Valor
EconômicoAssociação Paulista de Estudos Tributários
Nenhum comentário:
Postar um comentário