Imposto de fronteira gera embate entre setores
Lojistas protestam, mas governo e indústria rejeitam fim da cobrança diferenciada do ICMS para optantes do Simples
Patrícia Comunello
MARCELO G. RIBEIRO/JC
Será guerra. A declaração foi feita ontem por lideranças do protesto de cerca de 500 lojistas em frente ao Palácio Piratini, em Porto Alegre. A categoria que representa os optantes do Simples clama para que o governo estadual extinga a cobrança do chamado imposto de fronteira, de 5% para bens feitos em outros estados e de 13% para importados, para micro e pequenas empresas (MPEs). A Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) não admite recuar, alegando se tratar de defesa comercial, para proteger fabricantes locais. A Federação das Indústrias (Fiergs) só admite a retirada do tributo para itens que não são produzidos no Estado.
Manifestantes protestaram com palavras de ordem e cartazes diante do Palácio Piratini
O fim da cobrança para MPEs do Simples foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa. A decisão que suspende os efeitos do Decreto 46.485, de 2009, foi tomada na terça-feira passada e comunicada ao governador Tarso Genro. O governo teria 10 dias para se pronunciar, prazo que não se esgotou ainda. Se for mantida a tendência, aconselhada pela Sefaz, os parlamentares levarão o impasse à votação no plenário. A vice-presidente da Federasul Simone Leite, uma das lideranças do protesto, cobrou promessa que teria sido feita por Tarso Genro na campanha ao governo em 2010 de acabar com o imposto de fronteira. “Se o governador não cumprir o que prometeu, a pressão vai ser nos deputados”, adiantou Simone.
A meta, neste caso, será tentar convencer os parlamentares em seus redutos eleitorais, um ano antes da próxima eleição. “Vamos explicar o efeito da cobrança que está gerando desemprego e pode levar ao fechamento de empresas”, preveniu a dirigente da Federasul. Na manifestação, cujo slogan é Chega de mordida, lojistas de cidades de diversas regiões enfrentaram as baixas temperaturas para bradar palavras de ordem em frente à sede do governo. “Sai governador e vem falar com a gente”, provocou o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas da Capital (CDL-POA), Gustavo Schifino. As MPEs do regime do Simples alegam ainda que a incidência do imposto prejudica o setor na disputa com grandes redes do varejo. Simone aponta que as empresas maiores se beneficiam de créditos fiscais.
Danielle Figueiredo, dona da única sex-shop de Alegrete, que vende também lingeries e bijuterias, diz que foi mais fácil derrubar o preconceito com seu negócio do que convencer o governo a acabar com o imposto. A comerciante, que há dois anos abriu a sex-shop, compra mais de 60% dos artigos fora do Estado e alega que não há oferta de itens e mesmo variedade entre fabricantes locais. “O que mais vendo é gel lubrificante, que custa entre R$ 12,00 e R$ 17,00. Pago 17% de tributos”, contabiliza a lojista. “Preciso contratar mais funcionários para atender à demanda e não posso por causa da despesa com o imposto”, lamenta Danielle. O casal Rosângela e Antônio Augusto Slinka, com loja em Quaraí, a 600 quilômetros da Capital, cita que traz de outros estados até calçados, pois a indústria do setor migrou nas duas últimas décadas. “Isso não é culpa nossa”, defendeu-se Slinka.
O secretário da Fazenda, Odir Tonollier, utiliza como capital político na queda de braço a adesão do ramo industrial à tese de desproteção. “Não podemos criar facilidades que gerem prejuízos à indústria”, justificou o secretário. Tonollier não só descarta qualquer chance de mexer no decreto de 2009 que instituiu o imposto de fronteira como avisa que a ação do governo manterá o foco em desonerações ou facilidades que amenizem a carga tributária. A mais recente foi o adiamento no recolhimento de ICMS para 18 setores, o chamado diferimento fiscal, que vigorará em agosto. “Mexer neste decreto sem ouvir a indústria vai na contramão de todas as medidas que temos acionado”, avisou o titular da pasta da Fazenda.
Entidades admitem dificuldades para contornar impacto
O presidente da Fiergs, Heitor José Müller, confirma que a entidade apresentou nota técnica, atualizando posição favorável à cobrança. A Fiergs sugeriu ao governo que elimine a cobrança apenas para mercadorias que não são produzidas pelas fábricas gaúchas. “Estamos aqui para defender a indústria”, sustenta o presidente da federação industrial. Müller aponta que há desproporção na regra fiscal em relação ao estado vizinho que prejudica a indústria, como alíquota interna no Estado de 12%, enquanto fabricantes de Santa Catarina pagam 4%. “O que fazemos com os oito pontos percentuais de diferença”, questiona o dirigente das indústrias. O executivo da Fiergs disse que a compra de calçados fora do Estado é exagero e que há oferta de produtos locais.O presidente da Fecomércio, Zildo de Marchi, cuja entidade apoia a reivindicação dos manifestantes, avalia que uma lista de exceção é solução provisória. “Um produto que não é fabricado hoje pode ser amanhã”, lembra o dirigente da área de comércio e serviços. Para Marchi, a única saída para o impasse é mudar a regra do Simples por meio de propostas que já tramitam no Senado. “Não é problema só de um estado”, observa o presidente da Fecomércio-RS, que indica o sistema de substituição tributária como o vilão para pequenos negócios. “O sistema gera maior arrecadação, mas penaliza as MPEs. Isso tem de mudar”, defende Marchi. “Esta situação atual coloca em confronto indústria e comércio”, lamenta.
O presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL-RS), Vitor Koch, assiste à distância a mobilização e diz que a entidade não prega o enfrentamento. O dirigente da FCDL-RS, que também preside o Sebrae-RS, concorda com o peso da conta do tributo para as MPEs e afirma que negocia uma saída que “atenda aos dois lados”. Segundo Koch, a expectativa é por uma resposta do governo em breve, e sugere que a receita fiscal com o setor é pequena. Nas últimas semanas, o presidente da FCDL-RS esteve presente nos anúncios do Palácio Piratini para desonerar ou alterar a cobrança de ICMS da produção.
“A negociação está bastante evoluída para achar um termo que atenda aos dois lados”, adianta Koch, que ainda condiciona a aval do Conselho de Política Fazendária (Confaz) um eventual acerto. A supressão de alíquotas tem sido implementada por governos estaduais à revelia de acordo no conselho, que reúne secretários da Fazenda.
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=130168
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