Siscoserv aumenta a burocracia fiscal
Se há um consenso sobre a
tributação no Brasil é de que temos um sistema complexo e que os contribuintes
estão cada vez mais sobrecarregados por deveres formais, as ditas obrigações
acessórias, que geram um custo enorme para as empresas de todos os tamanhos.
No final de 2011, foi
editada a Lei 12.546/2011. Esta lei criou “a obrigação de prestar informações
para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (MDIC) relativas às transações entre residentes ou domiciliados
no país e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços,
intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas
físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados”.
Provavelmente motivada pelo
grande crescimento das transações envolvendo serviços e intangíveis, esta nova
obrigação de prestação de informações buscou disponibilizar ao MDIC dados
necessários para o controle de tais operações. A própria Lei 12.546/2011
estabelece que tais informações “serão utilizadas pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior na sistemática de coleta,
tratamento e divulgação de estatísticas, no auxílio à gestão e ao
acompanhamento dos mecanismos de apoio ao comércio exterior de serviços, intangíveis
e às demais operações, instituídos no âmbito da administração pública, bem como
no exercício das demais atribuições legais de sua competência” (artigo 26).
A regra prevista neste
dispositivo é importantíssima, uma vez que deixa claro que a finalidade das
informações a serem prestadas pelas empresas é a sua utilização pelo MDIC no
preparo de dados estatísticos a respeito das transações envolvendo serviços e
intangíveis. Ou seja, o fim desta nova obrigação não é fiscal. Em outras
palavras, não visaria viabilizar o exercício da atividade de fiscalização das
autoridades tributárias.
A Lei 12.546/2011 não
previa nenhuma penalidade para o caso de não serem prestadas as informações
requeridas, razão pela qual sua edição, em dezembro de 2011, praticamente não
foi notada pelas empresas.
A situação mudou bastante
com a edição da Instrução Normativa 1.277, de 28 de junho de 2012, a qual
“institui a obrigação de prestar informações relativas às transações entre
residentes ou domiciliados no Brasil e residentes ou domiciliados no exterior
que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações
no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes
despersonalizados”.
De acordo com a aludida
instrução normativa, as informações em questão serão prestadas “por meio de
sistema eletrônico a ser disponibilizado no Centro Virtual de Atendimento ao
Contribuinte (e-CAC) da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB)”, o
chamado Siscoserv. Foram previstos pela Receita Federal também os prazos dentro
dos quais as informações devem ser prestadas.
O que mais chama a atenção,
contudo, são as multas estabelecidas para o caso de não serem fornecidas as
informações. Segundo a Instrução Normativa 1.277/2012 “aplica-se multa: I — de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por mês ou fração de atraso, relativamente às
pessoas jurídicas, no caso de prestação de informação fora dos prazos
estabelecidos no art. 3º; II - de 5% (cinco por cento), não inferior a R$
100,00 (cem reais), do valor das transações com residentes ou domiciliados no
exterior, próprios da pessoa jurídica ou de terceiros em relação aos quais seja
responsável tributário, no caso de informação omitida, inexata ou incompleta”.
Essas multas estão
previstas no artigo 57 da MP 2.158-35/2001, que as estabelece como sanção ao
“descumprimento das obrigações acessórias exigidas nos termos do art. 16 da Lei
nº 9.779, de 1999”. A seu turno, este último dispositivo dispõe que “compete à
Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas
aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive,
forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável”.
Ora, aqui vale retomar aos
comentários anteriores sobre a Lei 12.546/2011. Como dissemos, a sua finalidade
foi fornecer ao MDIC dados estatísticos a respeito das transações envolvendo
serviços e intangíveis. Percebe-se, então, que tal obrigação não tem relação
direta com a administração de impostos e contribuições pela Secretaria da
Receita Federal do Brasil. Portanto, parece-nos no mínimo questionável a
aplicação, de uma penalidade prevista na legislação para fins fiscais, ao
descumprimento de uma obrigação formal que não tem natureza imediatamente
tributária. O máximo que a aludida lei fez foi estabelecer, no parágrafo 6º do
seu artigo 26, que “as informações de que trata o caput deste artigo poderão
subsidiar outros sistemas eletrônicos da administração pública”. Fica a
pergunta: seria esta disposição suficiente para legitimar a aplicação das penalidades
em questão?
É compreensível que o poder
público tenha interesse em ter maiores informações sobre o “comércio”
envolvendo serviços e intangíveis. Contudo, questiona-se se o melhor caminho
seria a criação de mais uma obrigação acessória para os contribuintes. É
importante que as empresas se organizem para cumprir as obrigações relacionadas
ao Siscoserv, contudo, é importante que avaliem também se há argumentos para
questionar esta nova obrigação acessória e, principalmente, as multas que lhes
podem ser aplicadas pela Receita Federal.
Sergio André Rocha é
advogado, sócio de consultoria tributária da EY e professor adjunto de Direito
Financeiro e Tributário da Uerj.
Revista Consultor Jurídico,
10 de setembro de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário