Atuação do Fisco contra planejamento tributário é coação
*Texto publicado originalmente no
jornal Folha de S.Paulo do dia 19 de setembro de 2013.
A atuação da Receita Federal em
relação a empresas apontadas como responsáveis por um suposto
"planejamento tributário abusivo" é uma inaceitável coação estatal.
Este jornal [Folha de S.Paulo]
noticiou em julho que o "fisco vê má-fé em planejamento tributário" e
criou, por isso, uma equipe para "autuar companhias que conseguiram
descontos supostamente indevidos".
O trabalho dessa equipe resultou em
R$ 50 bilhões em multas contra 102 grandes empresas entre 2010 e 2012. A
Receita, mesmo com decisões favoráveis a contribuintes, pedirá ao Ministério
Público Federal que processe criminalmente as empresas e os escritórios de
advocacia que participaram das operações.
A acusação de prática de crime será
dirigida às pessoas físicas responsáveis pelas empresas, ou seja, seus
administradores. Não é razoável, para dizer o menos, que um empresário que
contrata escritórios de advocacia especializados — compostos por advogados
também especializados, todos credenciados pela Ordem dos Advogados do Brasil —
para elaborar um planejamento tributário e que segue à risca as orientações
fornecidas nos planejamentos, seja processado criminalmente, ao argumento de
que sua conduta caracteriza crime contra a ordem tributária, ou coisa que o
valha.
Afinal, se contratou profissionais,
muitas vezes a preço de ouro, certamente o fez por ser leigo no assunto. Como
leigo, tendo se limitado a seguir a orientação de profissionais devidamente
credenciados para tanto, em princípio não existe razão para dizer que esse
empresário praticou qualquer conduta indevida.
Com relação a esses profissionais,
isto é, aos escritórios de advocacia que realizaram os planejamentos
tributários tidos como "ilegais", basta dizer que, por razões óbvias,
se existe um, apenas um precedente, seja ele jurisprudencial ou de boa
doutrina, dando embasamento à orientação dada ao seu cliente, essa orientação
não pode ser taxada de abusiva, muito menos de ser proveniente de má-fé, sob
pena de — sem exageros — inviabilizar a prática da profissão.
A rigor, o que se extrai do
comportamento do fisco noticiado é que, para a Fazenda, somente serão dotados
de boa-fé aqueles planejamentos tidos como favoráveis aos cofres do leão,
transformando em letra morta o entendimento de que o contribuinte tem o direito
de pagar a menor carga tributária, desde que o faça observando o ordenamento
jurídico vigente.
Aliás, outra notícia publicada por
este jornal fundamenta essa argumentação. A compra de um apartamento em Miami
pelo ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa,
mostra-se acima de qualquer suspeita. Pelo que se sabe, o ministro buscou
profissionais que o orientaram a proceder de determinada forma, conseguindo,
com isso, adquirir um imóvel com vantagens tributárias.
Insistir na criminalização das
condutas dos advogados e de seus clientes, nos moldes e pelos motivos relatados
na matéria em comento, deixa a sensação de se estar diante um verdadeiro
gangsterismo estatal.
Até porque, de acordo com a
reportagem, os servidores da Receita que julgaram a favor dos contribuintes em
operações consideradas ilegítimas pelo mesmo órgão não tiveram a permanência
renovada no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Três deles
foram rebaixados e um, exonerado.
Simone
Haidamus é advogada criminalista.
Helios Nogués Moyano é advogado
criminalista e sócio-fundador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
(IBCCrim).
Revista Consultor Jurídico,
19 de setembro de 2013
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