Lista de serviços não pode extrapolar seus limites
Tem início nesta quarta-feira (25/9), em Belo Horizonte, o XVII
Congresso Internacional de Direito Tributário da Associação Brasileira de
Direito Tributário (ABRADT), realizado em homenagem ao Ministro Teori
Zavascki.
O
evento, que já está na sua 17ª edição, tem como tema central o Federalismo e a
Tributação. Trata-se de mais uma realização da ABRADT, que é presidida por
Eduardo Maneira e tem como presidentes honorários Sacha Calmon e Misabel Derzi.
A coordenação científica do evento foi entregue às competentes mãos do nosso
colega desta coluna Igor Mauler Santiago.
Serão
discutidos nesse congresso grandes e importantes temas, tais como Guerra Fiscal,
Pacto Federativo, a tributação e royalties dos setores de mineração, energia e
petróleo, conflitos de competências tributárias, entre vários outros.
Fui
honrado com o convite para participar de painel sobre impostos municipais, que
será presidido por João Paulo Fanucchi Almeida Melo e contará com a participação
dos meus ilustres colegas e amigos Betina Treiger Gruppenmacher e Ricardo
Almeida Ribeiro da Silva.
O
tema que me foi atribuído é o de que tratarei hoje nesta coluna: “Ampliação
legislativa e judicial da lista de serviços do ISS – limites”. Trata-se de
discussão que, apesar de antiga, é absolutamente atual e de extrema relevância
para a boa definição da riqueza passível de ser oferecida à tributação.
A
ampliação legislativa da lista de serviços é notória e flagrante desde os
primórdios da incidência do ISS.
Como
se sabe, esse imposto teve seu nascimento com a reforma tributária de 1965,
objeto da Emenda Constitucional 18/65 (à Constituição Federal de 1946), que
determinou, à época, que competia aos municípios o imposto sobre serviços de
qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos
Estados” (redação do caput do artigo 15).
A
única referencia à lei complementar como norma que deveria participar
concorrentemente da regulamentação desse tributo era a constante do parágrafo
único do artigo 15 da EC 18/65, mas de forma diversa da que é feita pela
Constituição em vigor. Determinava o referido parágrafo único que “lei
complementar estabelecerá critérios para distinguir as atividades a que se
refere este artigo das previstas no artigo 12” (o referido artigo 12 determinava
competir aos Estados a instituição do então ICM, competência essa também criada
pela mesma Emenda).
Ou
seja, na origem, não cabia à lei complementar, como cabe hoje, definir os
serviços que estariam sujeitos ao ISS. Cabia a lei dessa natureza tão somente
distinguir os serviços tributados por esse imposto daquelas operações sujeitas à
incidência do então ICM.
Não
obstante esse fato, o Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 71, ao
dispor sobre o fato gerador do ISS, definiu em três itens o que considerava
serviço. Essa foi a primeira lista de serviços sujeitas ao imposto.
Na
vigência da Constituição de 1967 e da Emenda Constitucional n. 1/69, essa lista
veio sendo paulatinamente aumentada pelas seguintes normas:
—
Decreto-lei 406/68: 29 itens
— Decreto-lei 834/69: 67 itens
— Lei Complementar 56/87: 100 itens
— Decreto-lei 834/69: 67 itens
— Lei Complementar 56/87: 100 itens
Na
vigência da CF/88, a lista sofreu, ainda, as seguintes alterações
legislativas:
—
Lei Complementar 100/99: acrescentou um novo item à lista criada pela LC
56/87
— Lei Complementar 116/03: redefiniu a lista, que passou a contar com 40 itens e 193 subitens
— Lei Complementar 116/03: redefiniu a lista, que passou a contar com 40 itens e 193 subitens
Embora
as alterações promovidas pela LC 116/03 já tenham aumentado consideravelmente a
arrecadação dos municípios, há intensa pressão para que novos itens sejam
acrescidos à lista. Sobre o tema, citamos breve trecho de documento elaborado
pela Confederação Nacional de Municípios:
“5) Regulamentação de Serviços na Lei Complementar do ISS: a Lei Complementar 116/2003 trouxe um grande alento aos Municípios com a incorporação de inúmeros serviços que o Ente local agora pode tributar. Em razão dessa ampliação na listagem, o Imposto Sobre Serviços (ISS), que correspondia a R$ 7 bilhões em 2003, passou a arrecadar mais de R$ 44 bilhões em 2012, mostrando a eficiência dos Municípios na cobrança deste imposto próprio. A proposta agora é incorporar novas operações na lista, tais como: leasing, cartões de crédito e construção civil. Procura-se com esta medida acrescer aos cofres públicos R$ 23,650 bilhões - ISS sobre leasing, R$ 1 bilhão - ISS sobre cartões de crédito e R$ 16 bilhões nos próximos quatro anos - ISS sobre a construção civil." (disponível neste link)
Provavelmente
em virtude dos esforços políticos das autoridades municipais, há, pendente de
aprovação no Congresso Nacional, o PLS 386/2012, que foi objeto de outro artigo
por mim publicado nesta coluna (Projeto de Lei Complementar retrocede em ISS, em 3 de
julho). Esse PL propõe a inclusão de 13 novos subitens à lista de serviços
definida pela LC 116/03.
Apesar
dessa abundância de produção legislativa, foi na jurisprudência dos nossos
tribunais superiores que se deu a definição da natureza e dos principais
contornos da lista de serviços.
A
primeira discussão nesse âmbito disse respeito à própria abrangência da lista:
se ela seria taxativa ou exemplificativa. Ou seja, se os serviços nela contidos
deveriam ser interpretados como os únicos sujeitos à incidência do imposto, ou
se eles poderiam ser considerados meros exemplos das atividades que deveriam ser
tributadas.
Como
diz, de maneira jocosa, o nosso querido mestre e guru Condorcet Rezende: como
pode ser considerada exemplificativa lista que indica a atividade de
“taxidermia” como um dos serviços a serem tributados?
Brincadeiras
à parte, o STF pôs fim a essa discussão com solução bastante criativa: a lista
seria taxativa na vertical e exemplificativa na horizontal.
Em
outras palavras, as categorias de serviços mencionadas na lista deveriam ser
entendidas como enumeradas de forma taxativa, sem que houvesse a possibilidade
de inserção, entre as atividades tributadas, de qualquer outra categoria que não
estivesse expressamente enumerada. Diversamente, exemplificativas seriam as
espécies dessas categorias que fossem especificamente mencionadas na lista. As
espécies não mencionadas, mas que pudessem ser inseridas em alguma das
categorias elencadas, seriam consideradas tributáveis.
Eis
a ementa do acórdão da decisão proferida pela 2ª Turma do STF, nesse
sentido:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. LEI COMPLEMENTAR: LISTA DE SERVIÇOS: CARÁTER TAXATIVO. LEI COMPLEMENTAR 56, DE 1987: SERVIÇOS EXECUTADOS POR INSTITUIÇÕES AUTORIZADAS A FUNCIONAR PELO BANCO CENTRAL: EXCLUSÃO. I. - É taxativa, ou limitativa, e não simplesmente exemplificativa, a lista de serviços anexa à lei complementar, embora comportem interpretação ampla os seus tópicos. Cuida-se, no caso, da lista anexa à Lei Complementar 56/87. II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. III. - Ilegitimidade da exigência do ISS sobre serviços expressamente excluídos da lista anexa à Lei Complementar 56/87. IV. - RE conhecido e provido.” (RE 361.829, 2ª Turma, de 13.12.2005)
O
STJ adota posicionamento idêntico:
“Embora taxativa, em sua enumeração, a lista de serviços admite interpretação extensiva, dentro de cada item, para permitir a incidência do ISS sobre serviços correlatos àqueles previstos expressamente.” (REsp 121428/RJ, 2ª Turma, 16.08.2004)
Com
o advento da LC 116/03, a lista passou a contar com itens e subitens: os itens
representam as categorias e os subitens, as espécies. É possível, portanto, que
venha a ser sustentado que a lista deva ser interpretada de forma taxativa
quanto aos itens, e de forma exemplificativa, em relação aos subitens. Há,
inclusive, norma do município do Rio de Janeiro nesse sentido:
“§ 5º Para fins de incidência do imposto, os fatos geradores encontram-se previstos nos itens da lista de serviços constante do caput, assumindo os subitens caráter meramente exemplificativo.” (Decreto 10.514/91, com redação dada pelo Decreto 25.922/05).
Outro
aspecto solucionado pela jurisprudência foi o referente à definição da própria
natureza jurídica da lista de serviços, como elemento necessário ao
estabelecimento dos contornos da competência tributária específica dos
municípios para fazer incidir o imposto.
Essa
discussão se deu logo após a edição da Constituição de 1988, que, em seu artigo
150, IV, “a“, proibiu a denominada isenção heterônoma (isenção que é instituída
por ente político diverso daquele que tem competência para cobrar o respectivo
tributo — por exemplo, isenção criada pela União relativa ao ISS, que é tributo
de competência municipal). As autoridades municipais alegaram que, por força
desse dispositivo constitucional, não seria mais válida a ressalva contida no
item 46 da lista de serviços anexa ao Decreto-lei 406/68, cuja redação era a
seguinte: “46. Agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos quaisquer
(exceto os serviços executados por instituições autorizadas a funcionar pelo
Banco Central);”
Os
municípios alegaram que essa exclusão (relativa aos serviços prestados por
aquelas instituições) teria a natureza de isenção heterônoma e que, como tal,
não poderia prevalecer por força de expressa vedação constitucional.
O
STF examinou a questão e, de forma muito apropriada, decidiu que as exceções
contidas na lista de serviço não têm a natureza de isenção. Essas exceções, na
verdade, definem o exato campo dentro do qual a incidência do ISS pode se dar.
Não há ali qualquer exclusão de crédito tributário (do qual é espécie a isenção,
nos termos do artigo 175, I, do CTN), mas a definição dos elementos que
constituem pressupostos de incidência do imposto. Eis a ementa da decisão que
firmou essa jurisprudência:
“O
STF fixou entendimento de que a lista de serviços anexa à LC 56/87 é taxativa,
consolidando sua jurisprudência no sentido de excluir da tributação do ISS
determinados serviços praticados por instituições autorizadas a funcionar pelo
Banco Central, não se tratando, no caso, de isenção heterônoma do tributo
municipal.”
(RE
433352 AgR, 2ª Turma, de 20.04.2010)
Outros
vários contratos e/ou atividades foram objeto de exame pelos nossos tribunais
superiores no decorrer do tempo, e foram considerados passíveis, ou não, de
tributação pelo imposto.
Entre
os considerados tributáveis, temos:
a)
os diversos serviços bancários não expressamente listados, cuja tributação foi
admitida pelo STJ, sob o fundamento de que a lista de serviços anexa ao DL
406/68, com a redação dada pela LC 56/8, poderia ser interpretada de forma
extensiva em relação a cada um dos seus itens, desde que os serviços em exame
fossem congêneres àqueles expressamente listados (na LC 116/03, esse serviço foi
expressa e detalhadamente previsto)
b)
o denominado leasing financeiro (previsto, de forma genérica -"arrendamento
mercantil" - tanto no DL 406/68, com a redação dada pela LC 56/87, como na LC
116/03), que o STF considerou tributável pelo imposto por entender que o
financiamento configuraria serviço e seria o núcleo da atividade exercida;
c)
o contrato de licenciamento de softwares personalizados que, apesar de não
expressamente contido na lista de serviços anexa ao DL 406/68, com a redação
dada pela LC 56/87, foi considerado compreendido nos itens relativos aos
serviços de assessoria, programação, análises de sistemas e processamento de
dados, expressamente previstos como fatos geradores do ISS (com o advento da LC
116/03, o licenciamento foi expressamente contemplado com um item específico -
1.05).
Entre
os que foram considerados excluídos da incidência do ISS, temos, por
exemplo:
a)
a locação de bens móveis, que o STF considerou excluída do conceito de prestação
de serviços;
b)
o leasing operacional, que também foi considerado excluído do referido
conceito;
c)
a veiculação de publicidade, que, apesar de expressamente contida na lista anexa
ao DL 406/68, com a redação dada pela LC 56/87 ("86. Veiculação e divulgação de
... materiais de publicidade, por qualquer meio, exceto em jornais, periódicos,
rádio, e televisão), foi excluída da tributação do ISS sob o fundamento de que
apenas o Imposto Único sobre Comunicações (substituído pelo ICMS) poderia recair
sobre essa atividade, tendo esse mesmo fundamento motivado o veto presidencial
ao item 17.07 da lista anexa ao LC 116/03;
d)
o provimento de acesso à internet, por não ter sido jamais previsto na lista de
serviços como hipótese de incidência do imposto, não sendo possível sequer
considerá-lo congênere dos serviços de "análises de sistema, coleta e
processamento de dados de qualquer natureza" previstos como sujeitos ao ISS;
e)
o contrato de factoring, que
também não foi previsto como hipótese de incidência do imposto e, dada a sua
complexidade e autonomia, não foi considerado semelhante à atividade de
"agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de (...) faturação
(factoring)" contida no item 48 da lista anexa ao DL 406/68, com a
redação dada pela LC 56/87 (a previsão dessa incidência só veio a ocorrer com a
edição da LC 116/03); e
f)
o serviço de reboque de embarcações, que o STJ, na vigência do DL 406/68, com a
redação dada pela LC 56/87, entendeu que, dada a sua autonomia, não se
confundiria com o de atracação, esse sim expressamente previsto na referida
lista.
A
tributação de alguns serviços ainda está pendente de posicionamento definitivo,
como é o caso da cessão de direitos autorais e do licenciamento do direito de
uso de marcas. De fato, não há ainda decisão que tenha chegado à óbvia conclusão
de que essas hipóteses, por não configurarem obrigação de fazer, estão em
situação idêntica à de locação de bens móveis e que, portanto, não estão
sujeitas à incidência do imposto.
De
todo modo, tem-se que ter em mente que o legislador complementar tem, sim,
competência para estabelecer em lista taxativa o próprio campo de incidência do
ISS, mediante a definição das categorias de serviços que se sujeitam a essa
tributação. As interpretações extensivas, quando cabíveis, aplicam-se
exclusivamente às espécies das categorias expressamente previstas.
Outro
aspecto a ser observado, não custa dizer, é que essa lista tem que ser “de
serviços”. Essa é a principal premissa de incidência do imposto.
Não
há que se entender tributáveis atividades de natureza diversa, ainda que
expressamente mencionada na lista de serviços sujeitos ao imposto. Sob esse
aspecto, vale acentuar que a expressão “de qualquer natureza” utilizada pela
Constituição para qualificar os serviços que poderão estar inseridos na
competência tributária dos municípios não pode, como pretendem alguns, dar
ensejo à conclusão de que quaisquer atividades, desde que expressamente
mencionadas pelo legislador complementar, podem se sujeitar ao ISS. Como dito
acima, a expressão “de qualquer natureza” qualifica “serviços”. Sem que estes
estejam presentes, não se poderá falar em tributação.
A
única e exclusiva conotação que se deve dar à expressão “serviços de qualquer
natureza” é a de que o legislador complementar tem a mais ampla liberdade para
inserir na competência tributária dos municípios os serviços que bem entender,
única exceção feita aos serviços de telecomunicação e de transporte
interestadual e intermunicipal, que se sujeitam ao ICMS. Mas, sempre, as
atividades listadas terão que ter a natureza de serviços.
E,
sob esse aspecto, a atual jurisprudência é clara no sentido de que serviço é
aquele que gera para o prestador obrigação de fazer, em contraposição à
obrigação de dar. Essa abordagem foi trazida à discussão pelo Ministro Marco
Aurélio no julgamento do RE 116.121, relativo à incidência do ISS sobre locação
de bens móveis, e, desde então, vem sendo aplicada pela Corte, inclusive no
julgamento que teve por objeto a incidência do ISS no leasing operacional, que
foi afastada justamente porque dele não decorria a referida obrigação de
fazer.
É
no conceito de serviços, portanto, que a lista encontra os seus reais e efetivos
limites.
Gustavo Brigagão é sócio do
escritório Ulhôa Canto Advogados, secretário-geral da Associação Brasileira de
Direito Financeiro (ABDF), diretor do Centro de Estudos das Sociedades de
Advogados (Cesa), presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro e professor
na Fundação Getulio Vargas.
Revista Consultor Jurídico, 25 de
setembro de 2013
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