Informações dadas ao Fisco pertencem ao contribuinte
Artigo
produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões
emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Algo
que pode ser útil para muitas empresas, principalmente àquelas que não possuem
setores de controle tributário desenvolvidos, é solicitar informações sobre seu
histórico de recolhimento de tributos, compensações e demais movimentações que
possam constar de registros da Administração Tributária. Isso pode trazer à
tona, por exemplo, eventuais pagamentos indevidos ou em duplicidade.
Foi
para obter exatamente tais informações que uma empresa de Minas Gerais requereu
à Secretaria da Receita Federal acesso à relação de todos os débitos e
recolhimentos existentes em seu nome e constantes do Sistema de Conta Corrente
de Pessoa Jurídica da Receita Federal do Brasil.
A
RFB negou acesso a tais informações pela empresa, que, irresignada,
impetrou Habeas Data[1]perante a Justiça Federal de Belo Horizonte. O pedido
foi indeferido e a decisão confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª
Região. Na sequência, foi interposto Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal
Federal (RE 673.707), que teve repercussão geral reconhecida pelo relator
ministro Luiz Fux e está pendente de julgamento.
Os
argumentos utilizados para defender a negativa de informação são os seguintes:
(i) o registro indicado não se enquadra na hipótese de cadastro público, o que
elimina a possibilidade de Habeas Data; (ii) a RFB não é obrigada a
disponibilizar tais informações, pois são as mesmas que a empresa presta ao
Fisco e sobre as quais deveria ter controle.
Ambos
são inconsistentes e devem ser afastados por dois motivos. (i) Invocar o
conceito de “cadastro público” para negar acesso à informação que, por direito,
pertence ao contribuinte e da qual o poder público é mero depositário[2], é defesa inócua. Quem custeia o aparato estatal para
arrecadar tributos é o contribuinte: logo, tem direito de acessar as informações
colhidas pelo Fisco. O argumento de que as informações não se enquadram em
“cadastro público” procura atribuir significado a conceito abstrato de baixa
densidade normativa. Isso desloca o foco da discussão para terreno incerto e
secundário, enquanto a questão central é saber a quem pertencem os dados e quem
tem o direito de acessá-los. Para obtê-los, bastaria à empresa formular pedido
com base na Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/2011), que determina a
transparência como regra e o sigilo como exceção e admite negativa de informação
pública apenas nas hipóteses de sigilo previstas em lei. E, obviamente, não pode
haver sigilo de informação que o contribuinte solicita sobre si mesmo! (ii)
Ademais, negar acesso a informações porque o contribuinte deveria manter esses
registros seria o mesmo que instituição financeira negar extrato de conta
bancária a correntista sob o argumento de que ao cliente incumbiria manter
controle de suas finanças: beira o ridículo. E nem se argumente que isso geraria
custos para a Administração Tributária, pois os dados solicitados já existem e
são facilmente acessíveis. Ainda que existam custos de impressão ou cópia,
poderiam ser repassados ao solicitante, como autorizado pela LAI.
Portanto,
a negativa de acesso é insustentável. A criação de obstáculos desarrazoadamente
gera desconfiança e estremece ainda mais a relação Fisco-contribuinte. A longo
prazo, a tendência é que esse tipo de atitude prejudique o próprio Fisco. O
cumprimento voluntário da legislação tributária não é garantido apenas por
normas punitivas e o decorrente “medo de ser pego” incutido na população. É
maximizado com a formação de uma moral tributária, que se constrói com confiança
nas instituições e relações pautadas pela ética recíproca[3].
A
complexidade do sistema tributário brasileiro é desafio que as empresas atuantes
no país têm de enfrentar cotidianamente. A profusão diária de normas, o
emaranhado de competências tributárias e a manipulação da interpretação da
legislação pelo fisco com o objetivo de aumentar a arrecadação são alguns dos
fatores que configuram este “carnaval tributário”.
Para
as empresas, mais grave do que a pesada carga tributária é a insegurança
jurídica imperante nesse cenário. A constante busca da conformação às normas
tributárias, nas empresas, se executada com êxito evita surpresas desagradáveis,
como despesas não programadas decorrentes de autuações fiscais, contencioso
administrativo e judicial e contratação de advogados terceirizados.
Maior
transparência da Administração Tributária poderia facilitar a atividade de
conformação à legislação[4]. Se o Fisco tornar público seu entendimento acerca
das leis e oferecer orientação prática às empresas muito contribuirá para
redução desses riscos tributários.
[1] Instrumento utilizado para obter informações relativas à
pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades
governamentais ou de caráter público.
[2] Cf.: Joseph Stiglitz. On Liberty,
the Right to Know, and Public Discourse: The Role of Transparency in Public
Life. Disponivel em http://goo.gl/RrIZu.
[3] Cf. James Alm e Jorge Martinez-Vazquez, Tax Morale and Tax
Evasion in Latin America. Disponível em http://goo.gl/h4jSP.
[4] Existem diversas pesquisas apontando a relação entre
transparência e aumento de arrecadação. Cf. Marjorie Kornhauser, Doing the
Full Monty: Will Publicizing Tax Information Increase
Compliance?disponível em http://goo.gl/AGpJn; e James Alm et
al., Taxpayer Information Assistance Services and Tax Compliance
Behavior, disponível em http://goo.gl/48eDd.
Daniel Leib
Zugman é bacharel em Direito pela UFPR, mestrando na Direito GV e
pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas (NEF/Direito
GV).
Revista Consultor
Jurídico, 9 de maio de 2013
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