Crédito de ICMS não incide sobre cobrança do PIS/Cofins
Por Rafael Baliardo
O Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta-feira (21/5), que são imunes à cobrança de PIS e Cofins os valores acumulados pelas empresas exportadoras por meio da cessão de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a terceiros. Ao julgar Recurso Extraordinário com repercussão geral, o Plenário do STF proibiu a União de recolher tributos sobre a cessão de créditos de ICMS referentes a operações de exportação.
Como empresas exportadoras não podem compensar o ICMS em ambiente doméstico, elas recuperam o valor que seria compensado ao transferir os créditos correspondentes a outros contribuintes do mesmo estado. O STF decidiu que créditos de ICMS, por constituírem, em essência, apenas recuperação de custos ou recomposição patrimonial, estes não podem ser qualificados como faturamento e, portanto, como receita. Dessa forma, não devem incidir na base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
A decisão foi tomada no julgamento de Recurso Extraordinário da Fazenda contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, favorável a uma empresa exportadora do polo calçadista do Rio Grande do Sul. A relatora do RE, ministra Rosa Weber, votou pelo seu indeferimento, sendo acompanhada pela maioria dos colegas, com exceção do ministro Dias Toffoli.
O acórdão contestado pela União e reafirmado pelo STF nesta quarta havia estabelecido o entendimento de que créditos de ICMS correspondem à recuperação de tributos recolhidos, não podendo ser considerados como lucro.
A ministra Rosa Weber confirmou o entendimento ao asseverar que o aproveitamento dos créditos de ICMS anteriores ao envio de produtos para o exterior não gera receita tributável, por se referir apenas à recuperação do ônus econômico decorrente da cobrança daquele tributo, tal qual como estabelece o Artigo 155, 10-A, da Constituição Federal.
“Seu efeito econômico é o de mera recomposição do patrimônio anteriormente desfalcado ou recomposição da mesma disponibilidade preexistente, não caracterizando nova riqueza auferida”, afirmou a ministra.
Falando em nome da recorrida, o advogado Danilo Knijnik criticou, em sua sustentação oral, a insistência da Fazenda Nacional em reconhecer os créditos como receita. Para o defensor, ao justificar a cobrança, o governo opera a “metamorfose do crédito” por meio de uma subversão de sua pretensão fiscal que atropela a claúsula constitucional da imunidade tributária.
“A empresa acumula os créditos lá na operação doméstica, quando não são considerados receita, então, no exterior, passam a ser receita. O pagamento que fez a exportadora na etapa anterior da exportação não é devido e precisa ser recuperado. Então, numa metamorfose, o imposto a recuperar vira auferimento de receita”, ironizou o advogado
Exportação de tributosA ministra relatora, ao se referir às políticas de desoneração da atividade exportadora , disse ainda que sujeitar a transferência de créditos a cobrança de PIS e Cofins é o mesmo que “exportar tributos ao invés de produtos”. Ao votar no sentido da ilegitimidade da incidência, Rosa Weber disse que a cobrança dos tributos sobre a transferência de créditos de ICMS é o mesmo que "vilipendiar a imunidade tributária às exportações".
Para a ministra, o conceito de receita não deve ser confundido com o conceito contábil. “Conforme adverte José Antonio Minatel, há equívoco nessa tentativa generalizada de tomar o registro contábil como elemento definidor da natureza dos eventos registrados”, disse.
Citando doutrinadores em um voto elogiado pelos demais colegas, Rosa Weber observou ainda que apenas a “efetiva alteração patrimonial positiva da empresa” é que pode ser verificada como receita. “Após transferir o crédito para terceiros, o seu patrimônio permanecerá inalterado, porquanto não haverá ingresso de novos recursos, mas tão somente a realização do crédito”, disse Weber.
A ministra também afastou o argumento de que a decisão do TRF-4, contrária a tributação do crédito obtido por benefício fiscal, ofende parágrafos dos artigos 149 e 155 da Constituição Federal. “Ao reconhecer a ilegitimidade da incidência das contribuições PIS e Cofins não-cumulativas sobre os valores recebidos pela transferência a terceiros de crédito de ICMS, o acórdão decorrido, de modo algum, ofende os artigos 149, parágafo 2º,inciso 1, ou o 155, parágrafo 2º, 10-A, e nem o 195 caput, inciso 1, alínea B, da Constituição. Pelo contrário, está sim, dando-lhes aplicação”, disse.
O ministro Teori Zavascki acompanhou o voto da relatora e observou que o Superior Tribunal de Justiça, ao se voltar à matéria — só que pelo ponto de vista da legislação infraconstitucional — pacificou a jurisprudência no mesmo sentido do voto de Weber. Zavascki concordou ainda que a interpretação dada pelo acórdão recorrido não ofende qualquer norma da Constituição. Para o ministro, a decisão do TRF-4 emprestou “concretude” à cláusula constitucional do artigo 155, parágrafo 2º, iniciso 10 da Constituição, que assegura ao exportador o direito ao aproveitamento do ICMS cobrado nas operações anteriores ao da exportação.
“O aproveitamento se dá, entre outros modos, mediante transferência dos correspondentes créditos a outros sujeitos passivos do mesmo estado conforme a LC 87/96, artigo 25, parágrafo 1º inciso 2”, reiterou.
O ministro Dias Toffoli foi o único a divergir da relatora e acolher a tese da Fazenda de que, ao adquirir esses créditos, o exportador já o coloca no preço do produto, o que configuraria uma dupla vantagem. Para o ministro, trata-se de uma “duplicidade de creditamento”, já que os valores, segundo a União, podem ser repassados no preço do produto da exportação, numa operação que é alheia à exportação.
“Estamos aqui a analisar sob a ótica da Constituição e não das leis infraconstitucionais. Sob a ótica da Constituição, eu não vejo vedação de incidência da contribuição sobre o produto dessa cessão”, disse Toffoli. “Não vejo, nessa operação da cessão a terceiros, da venda desses créditos, uma operação de exportação. Qual é a operação de exportação aqui?”, questionou.
Imunidade recíprocaO advogado tributarista Roberto Pasqualin, sócio do PLKC Advogados, observou, por ocasião do julgamento desta quarta, que o conceito de imposto se refere a “um pedaço da riqueza produzida pelo contribuinte destinada ao custeio do Estado”. Como o Estado não gera riqueza própria, se dá, então, a imunidade recíproca entre União, estados e municípios.
“Quando o Estado quer cobrar ICMS sobre o PIS/Cofins, não está cobrando um pedaço da riqueza produzida pelo contribuinte, está cobrando um pedaço do ‘imposto’ destinado a outro ente tributante”, explica.
O tributarista Luís Bambirra, do Marcelo Tostes Advogados, citou também a jurisprudência pacificada do STJ no sentido da exclusão da base de cálculo da Cofins e do PIS os créditos advindos do ICMS, apurados em operação de exportação ou correspondentes a valores transferidos a terceiros. “A análise do STF levou em consideração toda a sistemática de desoneração da exportação adotada pela legislação brasileira, e o seu método de manutenção do crédito de ICMS para a exportação, bem como a possível ocorrência do chamado bis in idem (bitributação)”, disse.
Débora Sátiro Gonçalves, sócia do escritório Bornholdt Advogados, lembra que o crédito do ICMS transferido a terceiro implica em verdadeiro custo para a empresa. “O crédito representa a recuperação de um tributo incluído no preço do produto. Pensar o contrário significa infringir a regra da não-cumulatividade", salienta.
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2013
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