Corrupção é fato coletivo e resultado da negligência
Um dos fatores que impedem a Justiça Tributária é o
desequilíbrio concorrencial que favorece o criminoso que se acumplicia com algum
servidor público que pratica crimes de corrupção. Assim, devemos tecer alguns
comentários sobre noticiário que teve recentemente grande destaque na mídia,
segundo o qual um agente fiscal de rendas de São Paulo, ocupante do cargo
temporário de juiz do Tribunal de Impostos e Taxas, teria praticado atos de
corrupção.
Por
mais que os supostos fatos pareçam verdadeiros, temos que levar em conta a
presunção de inocência que labora a favor de qualquer pessoa, seja qual for a
acusação. Todavia, não podemos nos esquecer de que a corrupção no serviço
público muito raramente decorre apenas do ato de uma única pessoa. Na verdade,
ela resulta invariavelmente da negligência das autoridades maiores, obrigadas a
zelar na instância superior pelo patrimônio que é de todos, e quase sempre
envolve diversos cúmplices, de fora e de dentro da administração.
Caso
sejam verdadeiros os fatos noticiados, não será suficiente adotar contra o
mencionado fiscal o rigor da lei. Todo e qualquer pessoa, contribuinte ou não,
que, direta ou indiretamente tiver se beneficiado dos crimes, há de também
responder por eles.
Também
devem ser alcançados pela mão pesada da Justiça os inevitáveis intermediários:
supostos consultores e assessores, lobistas e quaisquer outros cúmplices.
Deve-se ainda punir com maior rigor os eventuais advogados que tenham se
associado ao crime, pois prestaram solenes juramentos de agir de forma diversa.
Advogado criminoso deve sofrer pena maior, pelo conhecimento de que dispõe sobre
o fato, útil à sua prática ou à sua ocultação.
Há
mais de 40 anos atuando no contencioso tributário administrativo, nunca passei
pelo constrangimento de me envolver com fatos desse tipo, o que atribuo a dois
fatores fundamentais: a) nunca permiti que qualquer servidor me fizesse,
sugerisse ou ofertasse proposta indecente; e b) nunca sugeri, ofertei ou
insinuei algo desse tipo.
Nessas
quatro décadas e mesmo um pouco além (antes de advogar era contabilista) tive
inúmeros contatos com servidores públicos, especialmente agentes fiscais,
auditores, etc., e conheço inúmeros deles (alguns são meus amigos) que sempre se
comportaram de forma correta. Outrossim, não pretendo defender quem não conheço
e de quem nunca sequer ouvi falar o nome. Mas não faz parte do meu conceito de
Justiça que alguém possa ser publicamente execrado e exposto a toda série de
acusações (ainda que seja culpado) se os seus cúmplices, aquelas pessoas que
também se beneficiariam pelo produto do crime, permaneçam incólumes, sem que
respondam pelo que fizeram.
Ora,
estamos num época em que cada brasileiro que gaste mais do que R$ 5.000 mil por
semestre é alvo do famigerado “cruzamento” de informações. Os rendimentos e as
despesas, as compras e vendas, a manutenção de dependentes, saldos bancários de
mais de R$ 140 reais (!), tudo isso temos que declarar ao fisco, pois estamos
todos sujeitos a uma verificação permanente.
Assim,
imaginar que um servidor público consiga realizar fraude milionária como a
noticiada, sem que isso seja percebido com rapidez, apenas indica absoluta
negligência da administração pública, falta do dever básico de fiscalização e
ausência da vigilância que o administrador sério deve exercer sobre seus
subordinados. Os superiores do fiscal também deveriam ser responsabilizados pelo
crime, caso ele tenha de fato sido cometido.
Sempre
que fato desse tipo e de grande monta ocorre, o que vemos é a associação de
várias pessoas com o mesmo objetivo: obter para si o que pertence a todos ,
causando prejuízo ao poder púbico.
Claro
está que a nossa tradição de roubos, de golpes, de assaltos ao tesouro público,
é longa, a ponto de já ter sido registrado que nosso regime nada mais é que uma
suja e vergonhosacleptocracia.
Mas
quem tenha realmente convivido com integrantes dos três poderes e tenha tido
acesso aos nossos bancos de dados mais confiáveis, sabe que, felizmente, o
número de criminosos não representa maioria em nossa sociedade, qualquer que
seja o segmento examinado.
Por
exemplo: durante algum tempo ouvi falar que os advogados somos pessoas pouco
honradas ou mesmo desonestas. Mas na gestão do dr. Rubens Approbato Machado à
frente da OAB-SP, tendo sido nomeado Corregedor Geral do Tribunal de Ética e
Disciplina da entidade, verifiquei que , com um quadro de pouco mais de 50.000
profissionais no Estado, apenas cerca de 2.400 já tinham sido sofrido alguma
punição por infração ético-disciplinar. Ou seja: mais de 95% dos advogados são
sérios!
Hoje,
pelas informações de que dispomos, o número de agentes fiscais lotados na
Secretaria da Fazenda é de menos de 4.000 pessoas. No entanto, menos de 200 são
os casos conhecidos de ocupantes do cargo que tiveram alguma falta estatutária,
inclusive acusações de crimes. Também aqui vale registrar: mais de 95% não
cometeram nada errado.
Nas
duas hipóteses alguém pode afirmar que talvez os números não registrem a
realidade, pois as vítimas dos maus advogados podem não ter ofertado queixas e o
mesmo poderia ter ocorrido com os que sofreram algum ato ilegal por parte dos
fiscais. O argumento pode ter alguma lógica, mas pertence ao terreno das
hipóteses, na mesma medida em que os pequenos crimes também não são todos
denunciados à Polícia.
Veja-se
que no mesmo dia em que com grande destaque a imprensa noticiou os lamentáveis
acontecimentos envolvendo o fiscal de rendas, havia mais duas reportagens
apontando mau uso do dinheiro público, uma relacionada com obras da Copa do
Mundo, outra com o absoluto descaso que o governo paulista manteve em relação a
um belíssimo hotel que o governo de Laudo Natel (década de 70) construiu em
Cananéia , onde milhões sumiram em obra que foi destruída, antes de
indevidamente utilizada por malfeitores travestidos de servidores públicos ao
longo do tempo.
Esses
desvios de verbas públicas evidenciam que os fatos que nos causam prejuízos não
são causados por este ou aquele grupo de administradores ou políticos, não
havendo, pois uma ideologia do
roubo, com o que se pode afirmar
que os atos de delinquência não estão vinculados a organizações politicas, mas
decorrem apenas da falta de caráter, aliada com a ausência de controle e com a
inexistente ou frágil seriedade das nossas instituições.
Exemplos
dessa enorme amplidão de crimes praticados com a participação de muitas pessoas
não nos faltam. Se determinados governadores ou prefeitos enriqueceram à custa
do erário ou permitiram que bandidos integrassem sua administração para ai
praticar crimes do mesmo tipo, claro está que não existe a menor possibilidade
de que os chefes não sabiam o que faziam seus subordinados. Afinal, políticos
que assumem chefia do executivo não são débeis mentais que nada sabem e nem
nomeiam assessores ou secretários para que estes fiquem alheios ao que se passa
no andar de baixo. Ninguém é bobo na politica, seja ela no Brasil ou em qualquer
lugar do mundo.
Na
recente notícia, o que mais surpreende é o fato de que um agente fiscal tenha,
em pequeno espaço de tempo, pouco mais de cinco anos, sido levado a um cargo ao
qual no passado só eram trazidos funcionários com uma carreira mais longa.
Consta que se trata de profissional bem preparado, com título de mestrado, o que
o fez convidado a participar da Comissão do Contencioso Administrativo
Tributário da OAB-SP. Tais títulos, no caso, são agravantes, na medida em que
pelo menos de um deles, o ultimo, deverá ser pelo menos afastado o acusado,
mesmo com a presunção de inocência que o favorece.
Parece
mais que evidente que a administração fazendária comportou-se de forma
negligente no caso. Como os servidores devem apresentar declarações anuais do
imposto de renda, é razoável supor que a famosa “Inteligência Fazendária” da
Fazenda Estadual, juntamente com a Corregedoria, possam ficar atentos ao
fantástico crescimento patrimonial do servidor. Afinal, a “Inteligência
Fazendária” não pode servir apenas para bisbilhotar a vida de contribuintes ou
praticar atos ilegais a pretexto de descobrir sonegação.
Não
é novidade nenhuma que servidores públicos, em todos os poderes e níveis, chegam
em alguns casos a ostentar sinais exteriores de riqueza incompatíveis com seus
vencimentos. Já se noticiou de um que possuía imóveis fora do país, outro que
possuía fazenda, outro que se tornou dono de escolas, enfim, os exemplos são
muitos e os milagres nem tanto.
Talvez
a notícia recente possa servir para que a Fazenda do Estado reveja sua forma de
cuidar do caso. Uma sugestão que me atrevo a dar, é trocar o nome de Tribunal de
Impostos e Taxas para Conselho Estadual de Tributos. Talvez com uma carteira de
conselheiro o julgador veja que é apenas servidor e não se confunda com juiz. E
mais: não traga mais constrangimentos nem para seus colegas, nem para o próprio
Judiciário, pois este já tem problemas suficientes e não precisa ser confundido
com órgãos de julgamento onde julgadores são indicados por canetadas nem sempre
muito cuidadosas.
Raul Haidar é jornalista e advogado
tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e
integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 13 de
maio de 2013
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