Íntegra do voto do ministro Dias Toffoli em RE sobre PIS e Cofins em importações
Leia a íntegra do voto-vista do ministro Dias Toffoli no Recurso Extraordinário (RE) 559937, que discute a inclusão de ICMS, PIS/Pasep e Cofins na base de cálculo dessas mesmas contribuições sociais incidentes sobre a importação de bens e serviços. A regra contida na Lei 10.865/2004 foi considerada inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 559.937 RIO GRANDE DO SUL
V O T O – V I S T A
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Cuida-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do
Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região mediante o qual se
considerou inconstitucional o art. 7º, inciso I, da Lei 10.865/04 na parte em
que se define a base de cálculo do PIS e da COFINS incidentes sobre a
importação como sendo “o valor que servir ou que serviria de base para o
cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações
Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS incidente
no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do
inciso I do caput do art. 3º desta Lei”.
Os principais argumentos suscitados nas razões do extraordinário
foram os seguintes: (i) a determinação de que fosse acrescido ao valor
básico do imposto de importação o valor do ICMS e das próprias
contribuições não implicou modificação do sentido normativo de ‘valor
aduaneiro’; não obstante, o legislador ordinário poder, “para específicos
efeitos fiscais[,] modificar conceitos legais, como sucede com o signo valor
aduaneiro”; (ii) a norma em apreço buscou atender o Princípio da
“Isonomia, dando um tratamento tributário igual aos bens produzidos e serviços
prestados no País, que sofrem a incidência da Contribuição do PIS-PASEP e da
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), e os bens e
serviços importados de residentes ou domiciliados no exterior, que passam a ser
tributados às mesmas alíquotas dessas contribuições”.
Na sessão de 20/10/10, a ilustre Relatora Ministra Ellen Gracie negou
provimento ao recurso da União, reconhecendo a inconstitucionalidade
do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/04 na parte em que dispõe ser a base
de cálculo das contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINSImportação o valor aduaneiro “acrescido do valor do Imposto sobre Operações
Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de
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Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente
no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, por violação
ao art. 149, § 2º, III, a, da Constituição Federal.
Visando a uma melhor análise do caso, pedi vista dos autos.
Inicialmente, do ponto de vista formal, observo que as denominadas
contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação foram
instituídas com fundamento nos arts. 149, § 2º, II; e 195, IV, da
Constituição Federal, os quais consagraram a possibilidade de instituição
de contribuições sociais incidentes sobre a importação de bens e serviços
estrangeiros.
Portanto, é perfeitamente constitucional a instituição da COFINSImportação e do PIS/PASEP-Importação mediante lei ordinária, pois o art.
195, § 4º, da Constituição Federal, que subordina a instituição de novas
fontes de custeio à edição de lei complementar (art. 154, I, CF) está a se
referir às hipóteses de novas contribuições, isto é, àquelas que não estão
previstas no texto constitucional vigente, o que não ocorre com as
contribuições em apreço, as quais foram, prévia e expressamente,
previstas nos já citados arts. 149, § 2º, II; e 194, IV, da Carta Magna.
Essa tem sido a posição desta Corte, como se vê no RE nº 138.284/CE,
da relatoria do Ministro Carlos Velloso, Pleno, DJ de 28/8/92, o qual, ao
tratar da contribuição social sobre o lucro, instituída pela Lei nº 7.689/88,
assentou que “As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não
exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do
parag. 4. do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar,
dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da
União (C.F., art. 195, parag. 4.; C.F., art. 154, I).
No tocante à questão trazida ao crivo desta Corte, observo que essa
diz respeito, exclusivamente, à constitucionalidade ou não do art. 7º,
inciso I, da Lei nº 10.865/04, que dispõe integrar a base de cálculo das
contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação o valor
aduaneiro “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no
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desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”.
É de se considerar, então, se a norma em comento encontra
fundamento de validade no § 2º, III, a, do art. 149 da Constituição Federal,
o qual preceitua que as contribuições sociais e de intervenção no domínio
econômico “poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o
faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o
valor aduaneiro” (grifei).
Vejamos o texto do referido art. 149 da Constituição Federal:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir
contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e
de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como
instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o
disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do
previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que
alude o dispositivo.
(...)
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio
econômico de que trata o caput deste artigo:
(...)
II – incidirão também sobre a importação de produtos
estrangeiros ou serviços;
III – poderão ter alíquotas:
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita
bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor
aduaneiro;
b) específica, tendo por base a unidade de medida
adotada.”
Ao analisar o comando constitucional, não vejo como interpretar as
bases econômicas ali mencionadas como meros pontos de partida para a
tributação, porquanto a Constituição, ao outorgar competências
tributárias, o faz delineando os seus limites. Ao dispor que as
contribuições sociais e interventivas poderão ter alíquotas “ad valorem,
tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso
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de importação, o valor aduaneiro”, o art. 149, § 2º, III, “a”, CF utilizou
termos técnicos inequívocos, circunscrevendo a tais bases a respectiva
competência tributária.
Portanto, a meu ver, não se sustenta o argumento de que tal
dispositivo estaria estabelecendo o valor aduaneiro tão somente como
uma base mínima para a tributação. Na verdade, essa norma delimita,
por inteiro, a base de cálculo das contribuições sociais a ser adotada nos
casos de importação. Trata-se, assim, de comando dirigido ao legislador
ordinário que revela a grandeza econômica que pode ser onerada - o
valor aduaneiro - quando se verifica o fato jurídico “realizar operações de
importação de bens”.
Sobre o conceito de valor aduaneiro, registro que, quando da edição
da já citada EC nº 33/01, que, combinada com a EC nº 42/03, passaram a
permitir a incidência do PIS/COFINS sobre a importação, o referido
conceito já estava definido no art. 2º do Decreto-Lei nº 37/66, que dispõe
sobre a base de cálculo do imposto de importação e remete, nos casos de
alíquota ad valorem (inciso II), ao conceito de valor aduaneiro “apurado
segundo as normas do art. 7º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e
Comércio – GATT”.
A propósito, Eurico Marcos Diniz de Santi (Revista Dialética de
Direito Tributário nº 121, p. 42), ao analisar a materialidade das
contribuições em apreço, traçou os limites do conceito de ‘valor
aduaneiro’ nos seguintes termos:
“É o conceito de ‘valor aduaneiro’ que demarca, com
precisão, a identidade (e intensidade) da cobrança tributária.
Daí a disputa conceptual em torno do sentido e do alcance do
termo utilizado na atribuição de competência à União Federal.”
(...)
Neste sentido destacam-se as disposições do Acordo sobre
a Implementação do artigo VII do GATT, também conhecido
como Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), que disciplina os
parâmetros para aferição da base de cálculo nas operações de
comércio internacional. Logo na introdução, este diploma
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normativo determina que ‘a primeira base para a
determinação do valor aduaneiro há de ser o valor da
transação’.
O artigo primeiro, a que remete a introdução do acordo,
cuida, portanto, de traçar o núcleo conceptual a ser perseguido
na aferição do valor aduaneiro”.
Tal norma vem igualmente prevista no art. 75, inciso I do Decreto nº
6.759, de 5/2/09 que atualmente regulamenta a administração das
atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das
operações de comércio exterior, que igualmente dispõe que a base de
cálculo do imposto “quando a alíquota for ad valorem, o valor aduaneiro
apurado segundo as normas do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio - GATT 1994”.
Portanto, na ausência de estipulação expressa do conteúdo
semântico da expressão ‘valor aduaneiro’ pela EC nº 42/03, há de se
concluir que o sentido pressuposto, e incorporado pela Constituição
Federal, quando da utilização do termo para conferir competência
legislativa tributária à União, remete àquele já praticado no discurso
jurídico-positivo preexistente à sua edição.
Nessa linha, a simples leitura das normas contidas no art. 7º da Lei
nº 10.865/04, objeto de questionamento, já permite constatar que a base de
cálculo das contribuições sociais sobre a importação de bens e serviços
extrapolou o aspecto quantitativo da incidência delimitado na
Constituição Federal, ao acrescer ao valor aduaneiro o valor dos tributos
incidentes, inclusive o das próprias contribuições.
Importa deixar claro, na esteira do que já exposto, que a Lei nº
10.865/04 não alterou ou inovou o conceito de ‘valor aduaneiro’, base de
cálculo do Imposto de Importação, tal como pactuado no Acordo de
Valoração Aduaneira, de modo a abranger, para fins de apuração das
contribuições para o PIS/PASEP-Importação e COFINS-importação,
outras grandezas nele não contidas. Como bem ressaltou a Ilustre
Relatora, “o que fez, sim, foi desconsiderar a imposição constitucional de que as
contribuições sociais sobre a importação, quando tenham alíquota ad valorem,
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sejam calculadas com base no valor aduaneiro. Extrapolando a norma do art.
149, § 2º, III, a, da Constituição Federal, determinou que as contribuições fossem
calculadas não apenas sobre o valor aduaneiro, mas, também, sobre o valor do
ICMS-Importação e sobre o valor das próprias contribuições instituídas”.
A postura deste Supremo Tribunal Federal, em que pesem as
reiteradas tentativas no sentido de expandir, via lei ordinária, o conteúdo
e o alcance de conceitos utilizados pela Constituição Federal para atribuir
competências legislativas, é a de que se deve preservar o sentido
empregado no sistema de Direito positivo ao tempo da outorga
constitucional.
Vários são os exemplos nesse sentido, valendo citar o RE nº
166.722/RS, em que se declarou a inconstitucionalidade do art. 3º, I, da Lei
nº 7.787/89, que, a pretexto de atribuir competência para instituir
contribuições sociais incidentes sobre a “folha de salários” (art. 195, I, “a”,
CF), incluiu no âmbito de incidência os valores pagos a “autônomos e
administradores”.
Por fim, quanto ao princípio maior da isonomia, observo que esse
foi invocado, já na exposição de motivos da Medida Provisória nº 164,
que originou a lei em discussão, como fundamento de validade à
tributação em causa, a qual buscaria equalizar, mediante tratamento
tributário isonômico, a tributação dos bens produzidos no país com os
importados de residentes e domiciliados no exterior, “sob pena de
prejudicar a produção nacional, favorecendo as importações pela vantagem
comparativa proporcionada pela não incidência hoje, existente, prejudicando o
nível de emprego e a geração de renda no País”.
No entanto, também entendo que o gravame das operações de
importação dá-se como medida de política tributária de extrafiscalidade,
visando equilibrar a balança comercial e evitar que a entrada de produtos
desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas
sediadas no País e não como concretização do princípio da isonomia,
como, aliás, bem lembrou a Ilustre Relatora.
De tudo isso se extrai, pois, que a pretensa repercussão econômica
não pode subsistir como critério classificatório que possibilite, mediante a
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invocação da isonomia, justificar constitucionalmente a tributação na
forma como pretendida, deixando-se de atender às delimitações impostas
pelo texto constitucional, que outorga a competência respectiva.
Ante o exposto, reconhecendo a inconstitucionalidade da parte do
art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/04 que acresce à base de cálculo da
denominada PIS/COFINS-Importação o valor do ICMS incidente no
desembaraço aduaneiro e o das próprias contribuições, acompanho a
Ilustre Relatora, negando provimento ao recurso extraordinário.
É como voto.
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Em revisão
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE559937.pdf
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