Questões tributárias à espera de uma decisão do STF
O tão polêmico, aguardado, acompanhado, televisionado e quase concluído caso mensalão indica chegar ao fim nos próximos dias. Ao menos no que toca à rodada de dosimetria das penas atribuídas a cada um dos réus condenados. No âmbito recursal, ainda caberá a oposição de Embargos de Declaração, junto ao próprio STF e, em alguns casos específicos, o protocolo de petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, levando em conta alguns excessos e algumas possíveis violações do Pacto de San José de Costa Rica perpetrados pela Suprema Corte durante o longo julgamento.
De um modo ou de outro o caso se encerrará em breve no âmbito do STF. Ao longo do seu trâmite, os ministros Cezar Peluso e Ayres Britto se aposentaram compulsoriamente e a presidência foi assumida pelo ministro Joaquim Barbosa.
A comunidade jurídica aguarda com certa apreensão como será a presidência Barbosa. Isso porque, durante o seu trajeto na Suprema Corte, já se notabilizou pelos comentários ríspidos e pela falta de traquejo com seus pares. Nesse sentido, basta recordar discussões ásperas que já travou com os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e, mais recentemente, com o ministro Ricardo Lewandowski.
Além disso, cabe acrescentar que a matéria tributária não está dentre aquelas preferidas do ministro Joaquim Barbosa. Levando em consideração que ele é proveniente do Ministério Público Federal, torna-se fácil verificar que há outros temas de maior interesse na sua esfera de atuação.
Em matéria tributária, alguns temas crescentemente ganham relevância perante o STF, seja com o reconhecimento expresso da repercussão geral, seja com o início — ou continuação — do julgamento.
Dentre tais temas, dois merecem especial destaque. O primeiro se refere à inconstitucionalidade da inclusão da parcela do ICMS na base de cálculo da Cofins e do PIS. Esse tema encontra-se em trâmite no Plenário do STF desde 1999, já contou com 7 votos proferidos (6 a favor dos contribuintes e apenas 1 contrário) no RE 240.785, o julgamento suspenso pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes foi preterido pelo Pleno em relação ao começo do julgamento da ADC 18, a sua medida cautelar foi deferida e prorrogada quatro vezes até perder eficácia, quando então todos e cada juiz e tribunal do Brasil voltou a julgar a questão de acordo com a sua livre convicção (cuja suspensão tinha motivado o deferimento da medida cautelar, em prejuízo da continuação do RE 240.785, então com sete votos já proferidos).
Há quem indague como será a orientação firmada pelos ministros originários do Superior Tribunal de Justiça (ministros Luiz Fux e Teori Albino Zavascki), que já conta com súmulas sobre o tema. A comunidade jurídica espera que eles julguem o caso à luz da Constituição da República, com a visão focada no aspecto constitucional do debate, e não se limitem a reiterar que a matéria é de índole infraconstitucional e está sumulada no STJ. Afinal, essa fase já foi superada, tanto pelo início do julgamento do RE 240.785, como também do início do julgamento da ADC 18, como ainda pelo reconhecimento expresso da repercussão geral da matéria.
Nesse tema, espera-se que a manobra engendrada pela Presidência da República — e do então advogado-geral da União Dias Toffoli, que está impedido nesse julgamento por ter assinado a petição inicial da ADC 18 — não prospere junto ao elevado órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional (STF) e que a Justiça (ainda que tardia) seja proclamada no resultado do julgamento desse tema que aguarda desde 1999 o pronunciamento definitivo do STF. Afinal, acreditar que o STF poderia ser ludibriado pela manobra engendrada pela AGU em relação ao tema seria amesquinhar sobremaneira o seu papel no processo democrático brasileiro.
Outro tema que merece muita atenção pelo impacto que provoca nas empresas multinacionais brasileiras diz respeito à legitimação (ou não) da atual sistemática de tributação dos lucros no exterior, especialmente quanto à inconstitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158-35/01.
Nesse caso, a ADI 2.588 tramita perante o Pleno do STF desde 2001 e foi ajuizada logo depois da edição da referida medida provisória. Após vários pedidos de vistas dos autos e continuações do julgamento, o caso aguarda apenas o voto do ministro Joaquim Barbosa, com a constrangedora peculiaridade de que a maior parte dos ministros que votaram no caso já se aposentou e há três possíveis resultados a serem proclamados a partir dos votos prolatados durante o processo.
Como se não bastasse, há ainda o resultado em razão do que os votos não dirão. De fato, levando-se em conta que o julgamento dura mais de dez anos e que o foco de cada ministro no seu voto contemplou um, dois ou mais aspectos da sistemática de tributação internacional da renda atualmente em vigor, então facilmente se verifica que há pontos de intersecção e pontos de choque entre os diferentes votos prolatados.
Recentemente, um caso teve a sua repercussão geral reconhecida e o relator também é o ministro Joaquim Barbosa, de modo que tudo indica que o pronunciamento definitivo do STF a respeito do tema versará sobre um, poucos ou alguns de seus variados aspectos.
Apesar de adotada a sistemática da tributação em bases universais em 1995, a sua regulamentação legal foi concluída em 2011 com o referido artigo 74. Desde então, em razão da pendência do julgamento da ADI 2.588 — e agora do recurso extraordinário com repercussão geral — tanto o Fisco como também os contribuintes aguardam uma definição sobre a matéria para que possam pautar suas ações, atuações e autuações em conformidade com a decisão.
O traço comum dos dois casos é o longo tempo (mais de uma década) que vem transcorrendo entre o início do trâmite perante o Plenário do STF e o julgamento definitivo. Isso acarreta evidente insegurança jurídica e instabilidade nas relações institucionais e na pacificação social, sobretudo entre o Fisco e os contribuintes.
Fábio Martins de Andrade é advogado, doutor em Direito Público pela UERJ e autor da obra “Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF”.
Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2012
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