Tributação brasileira é um "quadro esquizofrênico"
A
Medida Provisória que diminui tributos incidentes sobre a energia elétrica pode
resultar numa redução de cerca de 16% no preço final da eletricidade pago pelo
consumidor. Para toda a economia brasileira isso se tornará um grande alívio,
capaz de gerar expressivo crescimento nos investimentos privados, em benefício
de todos.
Desde
muito tempo a sociedade vem reclamando a necessidade de redução da carga
tributária. Embora pareça ser mais simples eliminar alguns impostos, como o IPI
e o IPVA, devemos aceitar como razoável a solução agora adotada, pois o que
interessa é o resultado. Como se dizia antigamente: o fim é que interessa, o
meio é apenas um detalhe.
Mas
o que nos surpreende é a reação de alguns setores da burocracia estatal,
especialmente no âmbito do famigerado CONFAZ (Conselho Nacional de Política
Fazendária), cujo coordenador, representante da Fazenda do Maranhão, reclamou
que a solução seria uma “bomba” e que os Estados não teriam sido ouvidos.
Já
o secretário da Fazenda da Bahia afirmou (Folha de S.Paulo, 8/12) que precisa
“recompor a arrecadação, até porque o cidadão vai ganhar” e ainda que “temos que
ajustar nossas receitas aos compromissos de governo”. Em bom português: se o
governo federal aliviar o peso carregado pelo povo, temos que tomar
imediatamente, pois nosso compromisso é com a gastança. Curiosamente, o
governador está no mesmo partido da presidente, pelo menos por ora.
Já
não é mais segredo para ninguém que no Ministério da Fazenda parece reinar certa
confusão. Tudo indica que isso seja resultado da maciça presença de professores
por lá, a começar pelo ministro. Isso talvez explique a confusão. George Bernard
Shaw (1856-1950) afirmou com convicção: “Quem sabe faz, quem não sabe
ensina”.
As
manifestações do coordenador do Confaz e do secretário da Fazenda da Bahia
revelam, no mínimo, que há uma desarmonia no setor, uma falta de diálogo, enfim,
boa parte dos atores desse teatro ou estão sem o texto ou não sabem que peça
está sendo encenada. O público, nós, que pagamos o ingresso, não estamos
gostando nada disso. Seja ela qual for, nós é que vamos pagar a conta da
encenação, comédia, tragédia ou teatro do absurdo.
No
fim de novembro o ministro Gilmar Mendes, do STF, chegou a considerar a
existência de um “quadro de esquizofrenia” no Congresso, onde deputados e
senadores aprovam leis que geram graves problemas fiscais para governadores de
seus Estados. O ministro foi ouvido pelo jornalista Ribamar de Oliveira, do
jornal O Estado de S. Paulo (reportagem publicada em 28/11) que registrou o fato
de que àqueles governadores restaria o ingresso de ações de
inconstitucionalidade contra essas leis. Uma delas seria a aprovação do piso
nacional dos professores, cujo valor vários governadores alegam não terem
condições de pagar.
A
questão essencial nessa encrenca toda e sobre a qual ninguém ousa comentar não
passa pela arrecadação, mas pelas despesas. Temos em vigor um sistema que
representa, como bem disse Gilmar Mendes, um “quadro de esquizofrenia”. Quem
desejar saber bem o que é isso veja o filme “Uma mente brilhante”. O
esquizofrênico vive fora da realidade ou em mais de uma realidade diferente,
vendo, ouvindo e falando coisas que não existem.
Ora,
se o pagamento do piso salarial (pequeno, aliás) fica comprometido com uma
ligeira queda de arrecadação dos estados, despesas devem ser cortadas. Por esse
Brasil inteiro verdadeiras fortunas são jogadas ao lixo, quando não
criminosamente desviadas.
Vejam-se,
por exemplo, as subvenções a festas ditas populares, onde supostos artistas são
contratados a peso de ouro para realizar espetáculos na sua maioria grotescos e
ridículos, no mais das vezes para estimular a idiotice coletiva de pessoas
incapazes de raciocinar com clareza. Aliás, se raciocinassem com clareza certas
figuras deletérias não seriam eleitas. A idiotice geral, contudo, precisa ser
mantida e estimulada, para preservar os feudos de coronéis e senhores que ainda
estão no século dezoito ou dezenove.
Há
muitos Estados onde as verbas gastas em propaganda pública ou oficial são
astronômicas. Ainda não entendi para que serve a propaganda de uma empresa
estatal de saneamento que não tem concorrência.
A
crise econômica mundial está solta por aí e quando nos visita a recebemos
ingenuamente, de braços abertos e até fazendo aqueles coraçõezinhos ridículos
com os dedos das mãos. Ou alguém acredita mesmo no súbito amor desses artistas
decadentes, medíocres, fabulosos ou espetaculares, mas que sem onde possam
cobrar os cachês milionários que aqui recebem, resolveram amar o Brasil assim
tão loucamente?
Não
existe, em hipótese alguma, a mínima possibilidade de ajustar a receita dos
estados para “compensar” a redução decorrente da revisão das tarifas de
eletricidade. O secretário da Bahia e aquele outro burocrata do Maranhão
precisam cair na real e aprender a controlar o quadro esquizofrênico reinante
nas repartições onde atuam. Se pretenderem aumentar algum imposto estadual, o
Judiciário vai impedir ou o contribuinte vai se recusar a pagar. E quando o
contribuinte resolve não pagar tributo, o inferno é o limite, não o céu.
A
esquizofrenia é uma doença mental incurável, definida como grave sofrimento
psíquico que altera o contato do paciente com a realidade, provocando
alucinações visuais e auditivas e fazendo com que o paciente ouça vozes e fale
coisas incompreensíveis. Com adequado tratamento médico, a doença pode ser
controlada e o paciente sobreviver sem grandes problemas.
Quando
uma autoridade qualquer, ante uma possibilidade de redução das receitas que
administra, de imediato imagina ser possível aumentar tributo para manter a
receita como está, está tendo alucinação. Se, como foi recentemente divulgado
pela imprensa, a situação da saúde pública no estado a que pertence tal
autoridade, é pior que qualquer tragédia humana possa conceber, essa
possibilidade de aumento demonstra que já se está falando de coisas
incompreensíveis. Ou seja, há um quadro esquizofrênico clássico e que parece ser
grave.
Raul Haidar é advogado tributarista,
ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do
Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 10 de
dezembro de 2012
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