Se o imposto não é mais de Cesar, é do povo.
Consta
das leituras dos religiosos que, ao ser questionado sobre o dever de pagar
imposto aos romanos, Jesus foi categórico: “Dai a Cesar o que é de Cesar”. A
cobrança de impostos pelos dominadores faz parte da história da humanidade desde
os mais remotos tempos. Quem não os pagava era reduzido à condição de escravo e
até mesmo condenado á morte, tendo seus bens confiscados.
Hoje
há garantias constitucionais na maioria dos países tidos como civilizados. Nossa
Constituição, por exemplo, proíbe a cobrança de imposto com efeito confiscatório
e a prisão por dívida. Por isso é que não podemos abrir mão da nossa luta
permanente por Justiça Tributária.
Disse
recentemente a nossa presidente que no ano de 2013 a redução da carga tributária
receberá sua especial atenção. Disse textualmente que sua maior luta será a
redução dos impostos.
Devemos
acreditar nisso, não só porque se trata de afirmação presidencial, mas porque
não haverá a menor possibilidade de crescimento de nossa economia sem redução de
impostos. Cabe aqui um comentário: não terá qualquer efeito uma redução de
impostos se ela vier acompanhada de aumento nas contribuições (PIS, COFINS,
PASEP, INSS, CIDE, etc.). Devemos acreditar naquilo que o país precisa: uma
redução da carga tributária no sentido amplo do termo. Ou as alíquotas são
reduzidas ou, melhor ainda, impostos são eliminados.
Realmente,
uma carga tributária de cerca de 36% do PIB está muito acima das que são
suportadas pelos países emergentes cujas economias mais de perto concorrem com a
nossa. Fica muito difícil, por exemplo, nossa indústria automotiva concorrer com
o México ou a Coréia, cujos veículos chegam aqui a preços competitivos graças a
uma tributação interna que é de aproximadamente metade da nossa.
Também
não faz sentido onerar os veículos novos e usados com o IPVA, a uma taxa de
cerca de 4%. Esse imposto, como já comentamos aqui em 21/11/2011 – clique aqui
para ler- jamais deveria ter sido criado, pois trata-se de imposto sobre
propriedade que incide sobre a mesma coisa que sofre tributação sobre o consumo.
Afinal, veículo é bem de consumo, não propriedade.
Por
outro lado, a recente lei 12.741, que entra em vigor dentro de 6 meses, servirá
de instrumento de educação cívica para que o cidadão tenha uma idéia, ainda que
aproximada, de quanto está pagando de imposto em cada compra que fizer. Com
isso, haverá maior possibilidade de que venha acionar mecanismos de pressão
(sindicatos, ONGs, políticos, etc.) para redução da carga ou pelo transparência
nos gastos públicos e até no emprego melhor do dinheiro público.
Caso
a redução da carga passe pela eliminação de impostos, ela se torna mais simples
e serve também para reduzir a burocracia. Na reforma de 1965 (EC 18) criou-se o
IPI em lugar do imposto de consumo. Ficamos até hoje com dois impostos sobre o
consumo de uma mesma mercadoria ou produto , pois instituiu-se o ICM (hoje ICMS)
substituto do antigo IVC (imposto sobre vendas e consignações). Criamos a
baderna tributária que se tornou pior com a CF de 1988, fazendo incidir ICMS
sobre energia, serviços de telecomunicações, etc. Ou seja: estava ruim, mas
ficou pior.
Veio
também esse absurdo legislativo chamado substituição tributária, criando-se
arbitramentos com margens de lucro exageradas ou inexistentes.
Ninguém
se lembrou em 1988, quando entrou em vigor a atual Constituição, que estávamos
no inferno inflacionário. Chegamos a uma inflação anual de 2.780% (em 1993),
onde o valor de bens e serviços podia ser e muitas vezes era mesmo apenas uma
fantasia. Permaneceram as multas exorbitantes, as taxas absurdas, enfim, o
inferno continua, apesar da inflação sob controle.
Empresas
precisam ter lucro e pessoas físicas devem ganhar o suficiente para ter uma vida
decente. Isso vem sendo cada vez mais prejudicado e inviabilizado com uma carga
tributária que se aproxima dos 40%, pois ninguém consegue ter esse percentual de
lucro ou rendimento líquido.
A
afirmação atribuída a Jesus era no sentido de que o imposto pertencia a Roma e
assim a Cesar, numa época em que o governante tinha poderes ilimitados. O estado
se confundia com o imperador, cujo poder não tinha limites.
Neste
século 21 não há poderes ilimitados na República e nem mesmo nas monarquias
constitucionais. O poder pertence ao povo, como diz a CF no § único do seu
artigo 1º.
Ganha
destaque maior não só a carga, mas especialmente a aplicação do dinheiro
público. O que pagamos de impostos não pode mais ser aplicado de forma
irresponsável, seja ele desviado para o bem de meliantes, seja para utilização
em obras desnecessárias, festas em que o povo engana-se a si próprio ou a
manutenção de servidores inúteis, que não trabalham.
Se
o imposto não é mais de Cesar, é do Povo, pois é este que detém o poder.
Portanto, o dinheiro do imposto é nosso. Não é do ministro da Fazenda, nem do
Tesouro Nacional, nem mesmo da Presidente.
Não
podemos mais permitir que o nosso dinheiro seja desviado ou seja gasto em
asneiras. Chega de construir palácios ou museus que muitas vezes servem apenas
para atender à ridícula megalomania de determinadas pessoas.
Nós,
o povo, não podemos ser obrigados a pagar impostos enquanto instituições
religiosas, por exemplo, estão imunes à tributação. Todos sabemos que, embora
algumas prestem serviços educacionais ou se saúde aos carentes, muitas há que
aplicam as fabulosas quantias arrecadadas em atividades dentro e fora do país
sem nenhuma fiscalização, chegando a criar organizações de grande poder
econômico, dominando meios de comunicação e até transformando seus proprietários
(não líderes, mas proprietários mesmo) em donos de imensas riquezas.
Se
o imposto pertence ao povo, o povo tem o direito de exigir que o resultado da
arrecadação somente seja aplicado em seu benefício. Para isso, precisamos nos
organizar em ONGs ou em qualquer entidade que possa nos representar para essa
tarefa. Deveriam ser os partidos políticos. Mas, infelizmente, esses também já
se tornaram um negócio como qualquer outro, com donos, gerentes, etc., a ponto
de realizarem fusões, incorporações e cisões como qualquer empresa
mercantil.
Quando
se fala em benefício do povo, isso deve ser considerado na forma do preâmbulo
das Constituição, ou seja, como instrumento de uma sociedade fraterna e justa.
Assim, a aplicação do nosso dinheiro nos programas sociais dos governos deve ser
aceita e estimulada. Nossos irmãos brasileiros não podem ficar à margem do
desenvolvimento do país. O uso dos recursos públicos em educação, saúde e
assistência social para os mais carentes é, sem dúvida alguma, prioritário. Além
disso, é necessário que haja verbas para as obras de infra-estrutura em todo o
território nacional, com atenção especial para as áreas mais carentes.
Se
lutamos pela redução da carga tributária, numa luta que nossa presidente também
declara assumir, e ao mesmo tempo estamos conscientes das necessidades citadas
(infra-estrutura e programas sociais) , não podemos mais aceitar, de forma
alguma, as iniciativas politiqueiras que desviem nosso dinheiro para outras
coisas.
Devemos
denunciar todos os casos de aplicação indevida dos recursos públicos. Festas
populares ou religiosas só podem ser financiadas pelas entidades privadas, pelas
igrejas ou pelas pessoas interessadas nesses eventos.
O
mesmo é válido para o carnaval as famigeradas festas de peão ou rodeios, pois
não faz sentido o dinheiro do imposto ser aplicado num evento onde o povo paga
ingressos muitas vezes caríssimos e empresas privadas financiam com patrocínios
de grande monta. Isso tudo parece uma grande lavandeira e não pode ser
viabilizado com nossos impostos. Isso para não falarmos nos cachês pagos a
supostos artistas (alguns execráveis e medíocres) que aparecem nos eventos
apenas para beber e comer à nossa custa.
Se
o dinheiro do imposto é nosso, vamos ficar espertos e não deixar que
administradores ou políticos irresponsáveis o gastem de forma criminosa ou mesmo
leviana. Vamos denunciar todo mundo que faça isso e vamos exigir que nosso
representantes no legislativo trabalhem nesse sentido.
Raul
Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da
revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 24 de dezembro de
2012
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