OS AGENTES MARÍTIMOS E AS MULTAS ORIUNDAS DO TRIBUNAL MARÍTIMO
Diversos agentes marítimos, sem sequer terem figurado no polo passivo de processos que tramitaram junto ao Tribunal Marítimo, têm sido surpreendidos por multas oriundas daquele Órgão, com base no artigo 119 da Lei 2.180/54, verba legis:
Art. 119. Serão responsáveis pelo pagamento das multas impostas a estrangeiros domiciliados fora do Brasil, e das custas processuais respectivas, os representantes eventuais da embarcação. (grifamos).
O Tribunal Marítimo tem entendido que os agentes se enquadrariam na condição de representante eventual da embarcação.
Um exame mais acurado da legislação embasadora das multas, demonstra que esta não pode ser imposta ao agente marítimo que, a toda prova, não é o representante do armador, mas sim, mero mandatário comercial do mesmo.
É de se notar que a melhor das doutrinas não reconhece o agente marítimo como representante, sequer eventual do armador do navio. A propósito, vale invocar os cristalinos ensinamentos de PONTES DE MIRANDA (in Tratado de Direito Privado,Ed. Borsoi, 2ª edição, 1963, parte especial, tomo XLIV, página 27 e seguintes), que leciona quanto ao papel do agente marítimo, o escopo de suas atividades e o alcance de sua capacidade de ser parte em juízo, a seguinte proposição:
“AGENTES DE NAVEGAÇÃO – Se o contrato em que figura o ‘agente’ é de simples promoção de contratos de transportes marítimos, há o contrato de agência, e não qualquer outro… O agente, em senso próprio, intermedeia, sem se encarregar de conclusões de negócios jurídicos…; não vende, não compra, não transporta, não segura. …O agente age até onde o seu agir não o põe no lugar do agenciado. NÃO É REPRESENTANTE, nem, sequer mandatário. … Qualquer ato do agente não é em nome próprio, mas sim em nome do agenciado, no que se distingue do comissionário. Se o cliente, em vez de propor a ação contra a empresa agenciada [o armador ou transportador ], vai contra o agente, TEM O AGENTE A ALEGAÇÃO DE NÃO SER PARTE, mas sim a empresa agenciada.”
O agente não se enquadra na qualidade de representante eventual da embarcação. Resta bem claro que o agente vem a ser auxiliar do armador e mero mandatário comercial, já que o mesmo não pode estar presente em todos os lugares onde seus navios atracam.
Portanto, fácil concluir, que o agente marítimo age em nome do Armador e com este não se confunde, razão pela qual, o agente não pode ser pessoalmente responsabilizado por multas impostas ao seu agenciado, mesmo por que, não há previsão legal para tal.
A se propagar a prática de multar os agentes por infrações efetuadas pelos seus agenciados, restará inviabilizada a atividade de agenciamento marítimo. Tal procedimento afrontaria, ainda, o princípio da justiça, ao impor multas a alguém em decorrência de faltas praticadas por outrem, notadamente, pelo fato de não haver figurado em qualquer polo processual do procedimento instaurado pelo TM.
Albergar o entendimento de que as agências seriam responsáveis pelo pagamento de uma exação a que não deram causa, em processos em que não participaram e não lhes foi assegurado o contraditório e a ampla defesa, seria dar respaldo a mais suprema injustiça e violação aos mais basilares princípios constitucionais, e o ideal maior do direito é o da realização da justiça.
Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“A coisa julgada é a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. No plano da experiência, vincula apenas as partes da respectiva relação jurídica. Relativamente a terceiros pode ser utilizada como reforço de argumentação. Jamais como imposição”. (STJ, 6ª Turma, Resp 28.618-2-GO, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j. em 24.11.1992, não conheceram, v.u., DJU 18.10.1993, p.21.890).
Se a sentença não beneficia nem prejudica terceiros, a multa imposta aos agenciados, não pode ser cobrada das agências.
A partir da Súmula 192 do TFR – 19-11-1985 – DJ 25-12-85, a jurisprudência pátria direcionou-se no sentido de não imputar aos agentes multas a que não deram causa.
No mesmo sentido, a AGU editoua Súmula de n.º 50, de 13/08/2010, cujo teor segue abaixo:
“Não se atribui ao agente marítimo a responsabilidade por infrações sanitárias ou administrativas praticadas no interior das embarcações.”
É de se notar que as multas administrativas, por determinação legal (artigo 4.º § 2.º da Lei 6.830/80), são tratadas como tributárias. O artigo 135 do CTN estabelece que os mandatários somente sejam responsabilizados pelos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
O artigo 137 do CTN aduz que a responsabilidade é pessoal ao agente, sendo que no rol do artigo 134 do CTN, pertinente à responsabilidade de terceiros, não consta a figura do mandatário. Não se questiona aqui a prevalência do direito público ou privado e, sim, a correta aplicação dos conceitos existentes na legislação. Como o agente marítimo não é representante do armador e sim seu mandatário, a moldura legal do art. 119 da Lei 2.180/54 não poderá enquadrá-lo.
No caso sob comento, verificamos um instituto de direito privado, o do mandato, que não pode ser descartado para o correto enquadramento na moldura legal dos artigos 134 e 137 do CTN, até porque, a definição do que vem a ser mandato não pode ser alterada a teor do artigo 110 do mesmo diploma legal. Se existe um contrato de mandato, a realidade fática não pode ser modificada para saciar a sanha arrecadatória da União.
Na melhor descrição de RIPERT (“DroitMaritime” – nºs 694, 742), é o agente marítimo mero mandatário do armador do navio.
Ora, se se trata de um mero contrato de mandato, é o mandante o responsável pelo pagamento das multas impostas e não o mandatário, a teor do artigo 663 do Código Civil Brasileiro.
É de se notar que o agente marítimo, conforme já decidiu o STF, representa, como mandatário, O TRANSPORTADOR MARÍTIMO, TENDO MANDATO LEGAL PARA RECEBER CITAÇÃO CONTRA ESTE DIRIGIDA, (…)..”(STF, 2ª Turma, Recurso Extraordinário nº 87.138, Rel. Min. Décio Miranda, j. 15.05.79, RTJ 90/1.008).
Não bastasse todo o exposto, a legislação Comercial é clara no tocante a responsabilidade do comandante quanto ao pagamento das multas impostas ao navio. O Código Comercial Brasileiro é lei especial no tocante à indústria da navegação e deve prevalecer sobre as disposições que regulamentam o TM, decorrentes da Lei 2180/54.
É de clareza meridiana a legislação atinente à espécie (Lei 556, de 25.06.1850 – Código Comercial Brasileiro), quando, em seu art..º 530, delimita as responsabilidades pelas infrações e sua respectiva imputabilidade, vejamos:
“Art. 530 – Serão pagas pelo capitão todas as multas que forem impostas à embarcação por falta de exata observância das leis e regulamentos das Alfândegas e polícia dos portos;(…)”
Por outro lado, o Código Civil Brasileiro é claro ao afirmar, em seu artigo 265, que a solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes. Nos casos sub oculis, não se observam nenhum acordo de vontades ou imposição legal, para que o agente seja responsabilizado pelas multas impostas à embarcação, mesmo porque, o agente não é representante eventual do armador e, sim, mero mandatário que age em nome do mandante.
Ora, se se trata de um mero contrato de mandato, é o mandante o responsável pelo pagamento das multas impostas e não o mandatário, a teor do artigo 663 do Código Civil Brasileiro.
Por todo o exposto, conclui-se que o comandante da embarcação como preposto que é do armador é o verdadeiro destinatário do comando inserto no artigo 119 da Lei 2.180/54. Como consectário, não cabe ao agente, arcar com multas impostas a seus agenciados.
Eugênio de Aquino dos Santos
Promare Advocacia e Consultoria
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