Base de cálculo do INSS apurada pela Justiça do Trabalho
A
Lei 11.941/2009, conversão da Medida Provisória 449/2008, alterou
substancialmente a base de cálculo da contribuição social executada na Justiça
do Trabalho. O novo modelo, descrito nos parágrafos do artigo 43 da Lei
8.212/1991, traça três formas de identificação da base de cálculo:
1.
Para sentenças judiciais ou acordos em que não figurem, discriminadamente, as
importâncias incidentes;
2.
Para sentenças judiciais ou acordos em que figurem, discriminadamente, as
importâncias incidentes;
3.
Para acordos homologados após a sentença de mérito.
Enquanto
na primeira forma a base de cálculo será o valor total apurado em liquidação de
sentença ou o valor do acordo homologado, no segundo modelo será o valor das
importâncias incidentes e não-isentas discriminadas na sentença transitada em
julgado ou no acordo homologado. Na hipótese de acordo celebrado após a decisão
de mérito, a contribuição será calculada com base no valor do acordo.
O
parágrafo 3º[1] do artigo 276 do Decreto 3.048/1999 desconsidera como
discriminação de valores onerados a fixação de percentuais de importâncias
incidentes e não-incidentes. Essas situações serão classificadas no primeiro
modelo, onde a base de cálculo equivale ao valor total da liquidação de sentença
ou ao valor total do acordo homologado.
A
ausência de declaração de vínculo de emprego entre o reclamante e o reclamado
não importa em desoneração de contribuições sociais. O reclamante será
considerado contribuinte individual, recaindo contribuições sociais sobre a
mesma base de cálculo caso a relação de trabalho fosse de emprego. Sobre essa
base de cálculo, no entanto, não incidirá a contribuição para o Seguro Acidente
do Trabalho — SAT.
A
Instrução Normativa RFB 971/2009, através do artigo 102, além de ratificar todos
os modelos legais, acrescenta outra forma de identificação da base de cálculo.
As contribuições sociais decorrentes de decisões que declaram a relação de
emprego, sem atribuir ônus pecuniário ao empregador serão apuradas com base:
Nos
valores mensais de remuneração do segurado empregado, quando conhecidos;
Nos
valores mensais de remuneração pagos contemporaneamente a outro empregado de
categoria ou função equivalente ou semelhante;
No
valor do piso salarial, legal ou normativo da respectiva categoria profissional,
vigente à época;
Quando
inexistente qualquer outro critério, o valor do salário mínimo vigente à
época.
Havendo,
simultaneamente, a declaração do vínculo de emprego e a cobrança de valores
decorrentes dessa relação, a base de cálculo das contribuições sociais será
identificada pela aplicação simultânea desse modelo com uma das formas descritas
no artigo 43 da Lei 8.212/1991.
Incidência
de juros da mora e multa por descumprimentoOs juros da mora e a
multa decorrem do descumprimento temporal e/ou material da obrigação. A
incidência desses acréscimos moratórios pressupõe a identificação do fato
imponível tributário, e do momento da sua ocorrência.
A
contribuição social não decorre do pagamento de remunerações aos segurados do
Regime Geral de Previdência Social — RGPS, mas da mera obrigação de pagar esses
rendimentos. O fato imponível, portanto, não ocorre quando o reclamado satisfaz
a sentença trabalhista (execução), mas no momento em que ele deveria ter pago
(obrigação) a importância executada.
Essa
hermenêutica é confirmada pelo parágrafo 2º do artigo 43 da Lei 8.212/1991, com
redação dada pela Medida Provisória 449/2008, que interpretando a legislação
vigente “considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data
da prestação do serviço”. Os artigos 103 e 104 da Instrução Normativa RFB
971/2009 confirmam essa opção.
A
definição do momento da incidência legitima o parágrafo 3º do artigo 43 da Lei
8.212/1991, que majora a base de cálculo da contribuição social executada na
Justiça do Trabalho com juros da mora e multa:
Parágrafo
3o As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com
referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de
alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais
moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas,
devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os
créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado, sendo
que nesse último caso o recolhimento será feito em tantas parcelas quantas as
previstas no acordo, nas mesmas datas em que sejam exigíveis e proporcionalmente
a cada uma delas.
A
remuneração executada será identificada pela competência (mês/ano) em que
deveria ter sido paga. Sobre o valor incidirá, mês a mês, juros da mora, até a
competência do efetivo pagamento. Os juros mensais serão equivalentes à Selic
vigente na competência da aplicação, ou 1% se menor do que essa razão. Ademais,
o contribuinte também pagará multa incidente sobre o valor da remuneração, pelo
descumprimento do pagamento oportuno.
Quando
a sentença ou o acordo homologado não discriminar as importâncias por
competência de pagamento, o valor incidente será exatamente divido entre as
competências compreendidas no período sentenciado ou transacionado; caso haja
omissão na sentença ou no acordo homologado, o período será extraído da petição
inicial, nos termo do parágrafo 1º[2] do artigo 103 da Instrução Normativa RFB
971/2009.
Efeitos
da homologação do pagamento das contribuições previdenciárias executadas na
Justiça do TrabalhoO artigo 156 do CTN arrola as modalidades de
extinção do crédito tributário. Os incisos I e X, respectivamente, enunciam que
a extinção desse crédito através do pagamento, e da decisão transitada em
julgado.
A
simples leitura desses incisos poderia justificar a tese de que a homologação,
em sentença da Justiça do Trabalho passada em julgado, do pagamento das
contribuições sociais executadas geraria a extinção do crédito tributária.
Essa
conclusão, no entanto, não nos parece a mais adequada. O valor executado, pago e
homologado na Justiça do Trabalho, salvo raras exceções, não se qualifica como
crédito tributário, porquanto se encontra pendente de lançamento. Não há, pois,
extinção do crédito tributário, simplesmente porque o crédito sequer fora
constituído.
Assim,
mesmo diante da decisão da Justiça do Trabalho que homologa o pagamento de
contribuições sociais, a autoridade administrativa poderá/deverá lançar o fato
imponível, constituindo o crédito tributário. O pagamento da execução não será
desprestigiado; se insuficiente, contudo, à quitação do crédito lançado, a
autoridade administrativa notificará o contribuinte acerca da diferença,
impondo-o as sanções (multas) pelo descumprimento das obrigações principais e
acessórias.
A
homologação do pagamento das contribuições sociais executadas na Justiça do
Trabalho encerra a execução, mas não extingue o crédito tributário. Além de
pagar o valor executado, o contribuinte-reclamado poderá ser notificado pela
Receita Federal do Brasil (RFB) para completar o valor pago na esfera
trabalhista, se insuficiente à quitação do crédito lançado.
A
Nota Cosit 167/2009 ratifica essa posição, autorizando a RFB "empreender ação
fiscal na empresa reclamada e apurar as contribuições devidas, inclusive as
relativas a períodos compreendidos em reclamatórias trabalhistas, que, por algum
motivo, não foram executadas na Justiça do Trabalho ou foram executadas apenas
em parte". Assim também é o entendimento da Advocacia Geral da União (AGU) e da
Procuradoria Geral da Fazenda (PGF) no Parecer AGU/PGF 03/2009:
É
certo, porém, que a competência da Justiça do Trabalho, na espécie, não exclui a
da Secretaria da Receita Federal, que poderá, a qualquer tempo (salvo se decair
do direito), empreender ação fiscal na empresa reclamada e apurar as
contribuições devidas, inclusive as relativas a períodos compreendidos em
reclamatórias trabalhistas, que, por algum motivo, não foram executadas na
Justiça do Trabalho ou foram executadas apenas em parte.
A
Nota Cosit 167/2009 e o Parecer AGU/PGF 03/2009 foram elaborados sob a vigência
da Instrução Normativa INSS/SRP 03/2005. A revogação dessa instrução pela
Instrução Normativa RFB 971/2009 não cancelou esses entendimento, tampouco
alterou suas conotações, sobretudo porque a nova instrução enunciou no artigo
101[3] regra semelhante à prevista na norma administrativa
revogada.
ConclusõesA
Emenda Constitucional 45/2004 somente deslocou parte da competência da Justiça
Federal para a Justiça do Trabalho, que passou a processar e julgar
contribuições previdenciárias decorrentes de fatos imponíveis conhecidos em suas
sentenças.
Neste
contexto, a Emenda Constitucional 45/2004 não alterou o procedimento para a
constituição do crédito tributário, tampouco equiparou o trânsito em julgado da
sentença trabalhista ou o início do processo de execução ao lançamento.
Importante
ressaltar que as contribuições sociais, antes de serem executadas, seja qual for
a esfera do Judiciário, devem ser lançadas.
A
legislação previdenciária admite quatro modelos de identificação da base de
cálculo da contribuição executada na Justiça do Trabalho:
Para
sentenças judiciais ou acordos em que não figurem, discriminadamente, as
importâncias incidentes: valor da liquidação da sentença, ou do acordo
homologado;
Para
sentenças judiciais ou acordos em que figurem, discriminadamente, as
importâncias incidentes: valores incidentes e não-isentos;
Para
acordos homologados após a sentença de mérito: valor do acordo homologado.
Para
as sentenças ou acordos homologados que apenas declaram o vínculo de
emprego:
Valor
mensal da remuneração do segurado empregado, quando conhecidos;
Valor
mensal de remuneração pago contemporaneamente a outro empregado de categoria ou
função equivalente ou semelhante;
Valor
do piso salarial, legal ou normativo da respectiva categoria profissional,
vigente à época;
Quando
inexistente qualquer outro critério, o valor do salário mínimo vigente à
época.
O
fato imponível da contribuição previdenciária não é o efetivo pagamento da
remuneração, mas a obrigação de pagar esse rendimento. A base de cálculo, por
essa razão, é acrescida de juros da mora e de multa decorrentes do
descumprimento oportuno da obrigação tributária. A decisão proferida pelo juiz
do Trabalho que extingue a execução pelo pagamento não impede a RFB de lançar
contribuições complementares acerca da relação de trabalho objeto da reclamação
trabalhista. Não há extinção do crédito tributário, ante a inexistência de
lançamento.
Referências
Bibliográficas
BERBEL,
Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São Paulo: Editora
QuartierLatin, 2005.
CASTRO,
Alberto Pereira de; et al. Manual de direito previdenciário. 3ª ed., São Paulo:
LTr, 2002.
[1]§3º Não se considera como discriminação de parcelas
legais de incidência de contribuição previdenciária a fixação de percentual de
verbas remuneratórias e indenizatórias constantes dos acordos homologados,
aplicando-se, nesta hipótese, o disposto no parágrafo anterior.
[2] § 1º Quando, nos cálculos de liquidação de sentença ou
nos termos do acordo, a base de cálculo das contribuições sociais não estiver
relacionada, mês a mês, ao período específico da prestação de serviços geradora
daquela remuneração, as parcelas remuneratórias serão rateadas, dividindo-se seu
valor pelo número de meses do período indicado na sentença ou no acordo, ou, na
falta desta indicação, do período indicado pelo reclamante na inicial,
respeitados os termos inicial e final do vínculo empregatício anotado em CTPS ou
judicialmente reconhecido na reclamatória trabalhista.
[3] Art. 101. Compete à Justiça do Trabalho, nos termos do §
8º do art. 114 da Constituição
Federal, promover de ofício a execução dos créditos das contribuições
previdenciárias devidas em decorrência de decisões condenatórias ou
homologatórias por ela proferidas, devendo a fiscalização apurar e lançar o
débito verificado em ação fiscal, relativo às: I - contribuições destinadas a
outras entidades ou fundos, conforme disposto no art. 3º da Lei nº
11.457, de 2007, exceto aquelas executadas pelo Juiz do Trabalho; II -
contribuições incidentes sobre remunerações pagas durante o período trabalhado,
com ou sem vínculo empregatício, quando, por qualquer motivo, não houver sido
executada a cobrança pela Justiça do Trabalho.
Arthur
Bragança de Vasconcellos Weintraub é professor adjunto de Direito da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenador do Curso de Ciências
Atuarias da Unifesp. Pesquisador convidado em Harvard.
Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de
2012
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