Os limites constitucionais da tributação dos serviços
O XVI
Congresso Internacional de Direito Tributário organizado pela Associação
Brasileira de Direito Tributário (Abradt), em Belo Horizonte, foi uma vez mais
um estrondoso sucesso. “O Congresso bombou” era o que mais se ouvia falar nos
auditórios lotados do hotel onde o evento se realizou nos dias 19 a 21 de
setembro sob a presidência do professor e dileto amigo Eduardo Maneira, a
coordenação científica de nosso colega colunista Igor Mauler Santiago e as
bênçãos inspiradoras dos mestres Misabel Derzi e Sacha Calmon, presidentes
honorários da Abradt.
Tenho imensa alegria em poder participar desse Congresso há muitos anos. No começo fazendo parte da audiência, acompanhando o professor Alberto Xavier, posteriormente, recebendo a honraria de ser conferencista. Em todas as ocasiões voltou para casa um aprendiz intelectualmente enriquecido e muito, mas muito mesmo, feliz pelos dias de convívio e camaradagem com colegas de todos os cantos e recantos do Brasil, que se reúnem em BH, para um debate de altíssimo nível, instigante, dialético, por vezes provocador, que nos semeia a reflexão e a crítica.
Um dos pontos altos do evento foi o “Talk Show” do dia 19 onde uma mesa composta por personalidades do meio jurídico — Sacha Calmon, Antônio Carlos “Kakay” de Almeida Castro, Marcelo Leonardo, Carlos Eduardo Caputo Bastos, Américo Lacombe e Márcio Chaer —, mediada com maestria pela jornalista Renata Ceribelli, debateu a respeito da influência da mídia nos julgamentos de grande repercussão. Por razões óbvias o “julgamento de grande repercussão” mais comentado foi o da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (mensalão).
Mas as questões tributárias não ficaram fora do “Talk Show”. Pelo contrário. Fez-se uma dura crítica à tendência predominante de manchetes jornalísticas contrárias às medidas defensivas tomadas pelos contribuintes junto ao Judiciário. Quando um contribuinte vence uma disputa relevante, o tribunal “livrou a empresa tal do pagamento do imposto”; quando o Judiciário decreta a inconstitucionalidade de certa exigência, está “pondo em perigo a sobrevivência do Estado”, “faltarão recursos — sempre cifras astronômicas — para pagamento do funcionalismo, para o orçamento da saúde, da educação, da segurança, etc.”.
Nunca se lê que “os contribuintes tiveram seus patrimônios preservados”, foram “postos a salvo da sanha arrecadatória”, que “as garantias constitucionais foram asseguradas” por que “o Estado havia excedido os limites das suas competências”.
A Coluna de hoje tem a ver com os limites constitucionais das competências tributárias estatais. Abordaremos o problema no âmbito da tributação dos serviços. O imposto sobre serviços (ISS) há alguns anos andava desprezado, esquecido, mas, desde o advento da Lei Complementar 116/2003, teve sua arrecadação substancialmente incrementada, por passar a ser efetivamente cobrado pela generalidade dos municípios brasileiros.
A importância do ISS na atualidade explica-se pelo crescimento exponencial do setor na economia no país. A prestação de serviços nos dias de hoje é uma das principais fontes de geração de riqueza e, conseguintemente, de arrecadação tributária.
O Congresso da Abradt, atento à relevância do tema, dedicou uma mesa especialmente para debater a tributação dos serviços e outra para discutir os conceitos de faturamento e de receita no âmbito dos tributos sobre o consumo (PIS/Cofins, ICMS e ISS).
Um dos pontos mais importantes que ressaltam em matéria de tributação de serviços respeita precisamente à fixação do que se deve entender como “serviço” à luz do nosso ordenamento constitucional para fins de tributação.
É que a palavra “serviço” no sentido econômico amplo designa toda a atividade que se insere no setor terciário da economia, abrangendo todo e qualquer negócio jurídico que se refira a bens econômicos imateriais.
Essa acepção econômica foi adotada pela legislação europeia do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) segundo a qual “entende-se por ‘prestação de serviços’ qualquer operação que não constitua uma entrega de bens” (artigo 24, 1 da Diretiva 2006/112/CE).
A razão do emprego de um método residual para considerar serviços toda e qualquer operação que não consista numa entrega de bens é assim elucidada por Xavier de Basto:
“O legislador comunitário guardou-se de dar uma definição positiva de prestação de serviços e optou por uma definição “residual” ou “negativa”: É prestação de serviços o que não for “entrega de bens”. Compreende-se o expediente. Um conceito “positivo” de prestação de serviços seria muito difícil de recortar, correndo-se sempre o risco de deixar a descoberto operações que relevam da atividade econômica a que o IVA se quer aplicar.
Com o conceito residual, a incidência do IVA ganha uma vocação de universalidade de aplicação que uma definição positiva de prestação de serviços dificilmente conseguiria.”[1]
Ocorre que ao contrário do que se passa na Europa, em que há apenas um tributo sobre consumo — o IVA — com uma vocação de universalidade de aplicação, no Brasil, a ordem constitucional vigente consagrou uma pluralidade de tributos sobre o consumo, repartindo-os entre os diversos entes federativos de forma fragmentada: À União cabe tributar pelo IPI os produtos industrializados e pelo PIS/Cofins a receita ou o faturamento (= receitas das vendas de mercadorias e serviços); aos estados, pelo ICMS, a circulação de mercadorias, os serviços de comunicação, de transporte interestadual e intermunicipal; finalmente, aos municípios, pelo ISS, os serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência dos estados (art. 156, III, “a”).
Ao adotar, sem ressalvas, um tipo tributário estrutural como “serviço”, isto é, um tipo tributário que consiste em um conceito de atos ou negócios jurídicos de Direito Privado sem alusão expressa aos efeitos econômicos por eles produzidos[2], a norma constitucional do artigo 156, III, “a” tornou mais restrita a margem de liberdade do legislador e do intérprete, que estarão jungidos ao método jurídico da interpretação.
Como nos ensina Canotilho a “(...) interpretação jurídica (= método jurídico) da constituição em que o princípio da legalidade (= normatividade) constitucional é fundamentalmente salvaguardado pela dupla relevância atribuída ao texto: (1) ponto de partida para a tarefa de mediação ou captação de sentido por parte dos concretizadores das normas constitucionais; (2) limite da tarefa de interpretação, pois a função do intérprete será a de desvendar o sentido do texto sem ir para além, e muito menos contra, o teor literal do preceito”.[3]
A exigência de que a interpretação se faça pelo método jurídico estampa-se, com todas as letras no Direito positivo brasileiro, no artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
Referido preceito é uma inerência do princípio da legalidade, trata-se, nos dizeres do ministro Marco Aurélio, de “norma pedagógica”[4] à qual o Supremo Tribunal Federal reconhece uma dupla função de garantia: (i) assegura para os entes políticos o respeito à repartição de competências tributárias formulada pela Constituição Federação (função de garantia horizontal); e (ii) assegura para os particulares que os legisladores infraconstitucionais não desvirtuarão o núcleo dos conceitos constitucionais dos fatos geradores (função de garantia vertical).
E por que dizemos que é uma inerência do princípio da legalidade? Simplesmente porque a garantia da legalidade da tributação não se basta no plano formal, antes repudia toda e qualquer extensão ainda que oblíqua de poderes tributários para além das fronteiras rigidamente demarcadas. Tal garantia o artigo 110 do CTN assegura com uma ordem de cumprimento dos mandamentos constitucionais, como argutamente observa a professora Misabel Derzi:
“O art. 110, implicitamente, somente dita o comando: obedeça-se à Constituição. Mas não dispõe sobre o óbvio e o inútil. Parte do pressuposto de que os nomes não são uma definição, apenas referem o objeto, cuja conotação (sentido preciso) somente vem traçada em contexto mais amplo. Ele determina, assim, nos caso em que o nome se presta às relevantes funções de definir ou limitar competências, a cristalização da denotação e da conotação completa que tenha segundo os moldes do campo jurídico privado de onde foi extraído”.[5]
Estando jungidos ao Direito Privado, não podem nem o legislador infraconstitucional, muito menos o intérprete, extravasarem as fronteiras do conceito jurídico, para tributar pelo ISS realidades que não revistam a natureza de uma prestação de serviços no Direito Civil.
E o que é “serviço” no Direito Civil?
Na definição analítica de Orlando Gomes é o “contrato mediante o qual uma pessoa se obriga a prestar um serviço a outra, eventualmente, em troca de determinada remuneração, executando-os com independência técnica e sem subordinação hierárquica”.[6]
Na definição sintética de Pontes de Miranda “serviço é qualquer prestação de fazer”[7].
Assim, apenas prestações de fazer poderão ser definidas pela lei complementar a que se refere o artigo 156, III, “a” — atualmente a Lei Complementar 116/2003 — como fatos geradores do ISS.
A deliberada opção constitucional pelo conceito jurídico de serviços em oposição ao conceito econômico explica existência de espaços vazios de tributação, isto é, certos negócios jurídicos que, na acepção adotada na legislação europeia, seriam tributáveis pelo imposto de consumo (IVA), estão fora do âmbito de incidência do ISS, como sucede, por exemplo, como já, aliás, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, com a locação de bens móveis (RE 116.121-3/SP).
Não cabe ao intérprete, ao aplicador da lei e muito menos ao legislador infraconstitucional preencherem esses ditos “espaços vazios”. Se os há é porque o modelo fragmentário e vinculado à definição jurídica dos tipos constitucionais que foi adotado no Brasil para a tributação do consumo a isso conduz.
Melhor que o espaço vazio seja preenchido pela liberdade constitucionalmente assegurada da ausência de tributação que por uma tributação globalizante e totalitária, flagrantemente inconstitucional.
Tenho imensa alegria em poder participar desse Congresso há muitos anos. No começo fazendo parte da audiência, acompanhando o professor Alberto Xavier, posteriormente, recebendo a honraria de ser conferencista. Em todas as ocasiões voltou para casa um aprendiz intelectualmente enriquecido e muito, mas muito mesmo, feliz pelos dias de convívio e camaradagem com colegas de todos os cantos e recantos do Brasil, que se reúnem em BH, para um debate de altíssimo nível, instigante, dialético, por vezes provocador, que nos semeia a reflexão e a crítica.
Um dos pontos altos do evento foi o “Talk Show” do dia 19 onde uma mesa composta por personalidades do meio jurídico — Sacha Calmon, Antônio Carlos “Kakay” de Almeida Castro, Marcelo Leonardo, Carlos Eduardo Caputo Bastos, Américo Lacombe e Márcio Chaer —, mediada com maestria pela jornalista Renata Ceribelli, debateu a respeito da influência da mídia nos julgamentos de grande repercussão. Por razões óbvias o “julgamento de grande repercussão” mais comentado foi o da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (mensalão).
Mas as questões tributárias não ficaram fora do “Talk Show”. Pelo contrário. Fez-se uma dura crítica à tendência predominante de manchetes jornalísticas contrárias às medidas defensivas tomadas pelos contribuintes junto ao Judiciário. Quando um contribuinte vence uma disputa relevante, o tribunal “livrou a empresa tal do pagamento do imposto”; quando o Judiciário decreta a inconstitucionalidade de certa exigência, está “pondo em perigo a sobrevivência do Estado”, “faltarão recursos — sempre cifras astronômicas — para pagamento do funcionalismo, para o orçamento da saúde, da educação, da segurança, etc.”.
Nunca se lê que “os contribuintes tiveram seus patrimônios preservados”, foram “postos a salvo da sanha arrecadatória”, que “as garantias constitucionais foram asseguradas” por que “o Estado havia excedido os limites das suas competências”.
A Coluna de hoje tem a ver com os limites constitucionais das competências tributárias estatais. Abordaremos o problema no âmbito da tributação dos serviços. O imposto sobre serviços (ISS) há alguns anos andava desprezado, esquecido, mas, desde o advento da Lei Complementar 116/2003, teve sua arrecadação substancialmente incrementada, por passar a ser efetivamente cobrado pela generalidade dos municípios brasileiros.
A importância do ISS na atualidade explica-se pelo crescimento exponencial do setor na economia no país. A prestação de serviços nos dias de hoje é uma das principais fontes de geração de riqueza e, conseguintemente, de arrecadação tributária.
O Congresso da Abradt, atento à relevância do tema, dedicou uma mesa especialmente para debater a tributação dos serviços e outra para discutir os conceitos de faturamento e de receita no âmbito dos tributos sobre o consumo (PIS/Cofins, ICMS e ISS).
Um dos pontos mais importantes que ressaltam em matéria de tributação de serviços respeita precisamente à fixação do que se deve entender como “serviço” à luz do nosso ordenamento constitucional para fins de tributação.
É que a palavra “serviço” no sentido econômico amplo designa toda a atividade que se insere no setor terciário da economia, abrangendo todo e qualquer negócio jurídico que se refira a bens econômicos imateriais.
Essa acepção econômica foi adotada pela legislação europeia do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) segundo a qual “entende-se por ‘prestação de serviços’ qualquer operação que não constitua uma entrega de bens” (artigo 24, 1 da Diretiva 2006/112/CE).
A razão do emprego de um método residual para considerar serviços toda e qualquer operação que não consista numa entrega de bens é assim elucidada por Xavier de Basto:
“O legislador comunitário guardou-se de dar uma definição positiva de prestação de serviços e optou por uma definição “residual” ou “negativa”: É prestação de serviços o que não for “entrega de bens”. Compreende-se o expediente. Um conceito “positivo” de prestação de serviços seria muito difícil de recortar, correndo-se sempre o risco de deixar a descoberto operações que relevam da atividade econômica a que o IVA se quer aplicar.
Com o conceito residual, a incidência do IVA ganha uma vocação de universalidade de aplicação que uma definição positiva de prestação de serviços dificilmente conseguiria.”[1]
Ocorre que ao contrário do que se passa na Europa, em que há apenas um tributo sobre consumo — o IVA — com uma vocação de universalidade de aplicação, no Brasil, a ordem constitucional vigente consagrou uma pluralidade de tributos sobre o consumo, repartindo-os entre os diversos entes federativos de forma fragmentada: À União cabe tributar pelo IPI os produtos industrializados e pelo PIS/Cofins a receita ou o faturamento (= receitas das vendas de mercadorias e serviços); aos estados, pelo ICMS, a circulação de mercadorias, os serviços de comunicação, de transporte interestadual e intermunicipal; finalmente, aos municípios, pelo ISS, os serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência dos estados (art. 156, III, “a”).
Ao adotar, sem ressalvas, um tipo tributário estrutural como “serviço”, isto é, um tipo tributário que consiste em um conceito de atos ou negócios jurídicos de Direito Privado sem alusão expressa aos efeitos econômicos por eles produzidos[2], a norma constitucional do artigo 156, III, “a” tornou mais restrita a margem de liberdade do legislador e do intérprete, que estarão jungidos ao método jurídico da interpretação.
Como nos ensina Canotilho a “(...) interpretação jurídica (= método jurídico) da constituição em que o princípio da legalidade (= normatividade) constitucional é fundamentalmente salvaguardado pela dupla relevância atribuída ao texto: (1) ponto de partida para a tarefa de mediação ou captação de sentido por parte dos concretizadores das normas constitucionais; (2) limite da tarefa de interpretação, pois a função do intérprete será a de desvendar o sentido do texto sem ir para além, e muito menos contra, o teor literal do preceito”.[3]
A exigência de que a interpretação se faça pelo método jurídico estampa-se, com todas as letras no Direito positivo brasileiro, no artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
Referido preceito é uma inerência do princípio da legalidade, trata-se, nos dizeres do ministro Marco Aurélio, de “norma pedagógica”[4] à qual o Supremo Tribunal Federal reconhece uma dupla função de garantia: (i) assegura para os entes políticos o respeito à repartição de competências tributárias formulada pela Constituição Federação (função de garantia horizontal); e (ii) assegura para os particulares que os legisladores infraconstitucionais não desvirtuarão o núcleo dos conceitos constitucionais dos fatos geradores (função de garantia vertical).
E por que dizemos que é uma inerência do princípio da legalidade? Simplesmente porque a garantia da legalidade da tributação não se basta no plano formal, antes repudia toda e qualquer extensão ainda que oblíqua de poderes tributários para além das fronteiras rigidamente demarcadas. Tal garantia o artigo 110 do CTN assegura com uma ordem de cumprimento dos mandamentos constitucionais, como argutamente observa a professora Misabel Derzi:
“O art. 110, implicitamente, somente dita o comando: obedeça-se à Constituição. Mas não dispõe sobre o óbvio e o inútil. Parte do pressuposto de que os nomes não são uma definição, apenas referem o objeto, cuja conotação (sentido preciso) somente vem traçada em contexto mais amplo. Ele determina, assim, nos caso em que o nome se presta às relevantes funções de definir ou limitar competências, a cristalização da denotação e da conotação completa que tenha segundo os moldes do campo jurídico privado de onde foi extraído”.[5]
Estando jungidos ao Direito Privado, não podem nem o legislador infraconstitucional, muito menos o intérprete, extravasarem as fronteiras do conceito jurídico, para tributar pelo ISS realidades que não revistam a natureza de uma prestação de serviços no Direito Civil.
E o que é “serviço” no Direito Civil?
Na definição analítica de Orlando Gomes é o “contrato mediante o qual uma pessoa se obriga a prestar um serviço a outra, eventualmente, em troca de determinada remuneração, executando-os com independência técnica e sem subordinação hierárquica”.[6]
Na definição sintética de Pontes de Miranda “serviço é qualquer prestação de fazer”[7].
Assim, apenas prestações de fazer poderão ser definidas pela lei complementar a que se refere o artigo 156, III, “a” — atualmente a Lei Complementar 116/2003 — como fatos geradores do ISS.
A deliberada opção constitucional pelo conceito jurídico de serviços em oposição ao conceito econômico explica existência de espaços vazios de tributação, isto é, certos negócios jurídicos que, na acepção adotada na legislação europeia, seriam tributáveis pelo imposto de consumo (IVA), estão fora do âmbito de incidência do ISS, como sucede, por exemplo, como já, aliás, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, com a locação de bens móveis (RE 116.121-3/SP).
Não cabe ao intérprete, ao aplicador da lei e muito menos ao legislador infraconstitucional preencherem esses ditos “espaços vazios”. Se os há é porque o modelo fragmentário e vinculado à definição jurídica dos tipos constitucionais que foi adotado no Brasil para a tributação do consumo a isso conduz.
Melhor que o espaço vazio seja preenchido pela liberdade constitucionalmente assegurada da ausência de tributação que por uma tributação globalizante e totalitária, flagrantemente inconstitucional.
[1]“A tributação do
consumo e a sua coordenação internacional: lições sobre a harmonização fiscal na
União Europeia”, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1991.
[2] Em contraposição aos
tipos funcionais em que a hipótese da norma tributária é caracterizada
pela obtenção de certo efeito econômico, independentemente da natureza jurídica
dos atos ou negócios que para ele concorrem (p.ex. renda). Cfr. Alberto Xavier,
“Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva”, São Paulo, 2001, 35
ss.
[3] Cfr. J. J. Gomes
Canotilho Direito Constitucional, 7ª ed., Coimbra, 2003, 210.
[4] Cfr. Recursos
Extraordinários n.ºs. 390.840, 346.084, 357.950, 358.273, 201.465.
[5] Cfr. Aliomar Baleeiro,
Direito Tributário Brasileiro, 690.
[6] Contratos, 26ª ed.,
Rio de Janeiro, 2007, 354.
[7] Tratado de Direito
Privado, vol. XLVII, 1958, 9.
Roberto Duque
Estrada é advogado no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Sócio do
escritório Xavier Bragança Advogados.
Revista Consultor Jurídico
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