Os Smurfs foram a Paris por uma questão tributária
Para
aqueles que consideram o Direito Tributário de difícil compreensão, será fácil
perceber como os tributos interagem em nosso cotidiano, até mesmo quando, no
descanso de um final de semana, vamos ao cinema.
Quem
assistir o filme dos Smurfs,
agora em sua segunda edição, verá que toda a aventura se desenvolve na bela
capital francesa, com uma viagem dos personagens por inúmeros dos fantásticos e
históricos monumentos, como o Arco do Triunfo, a Catedral de Notre Dame, o
Teatro L´Opéra, dentre outros, além da própria Torre Eiffel.
Sem
adentrar ao conteúdo e contar seu final (por razões óbvias), registro apenas que
toda a aventura se dá em Paris, segundo a narrativa do filme, pelo fato do
personagem feiticeiro Gargamel — o famoso perseguidor dos smurfs — ter se tornado uma celebridade pelas suas
mágicas no famoso teatro L´Opéra, o que seria, em princípio, a razão para a
“cidade luz” ser eleita o cenário desta estória.
Mas
a realidade é que Gargamel, e todos os pequenos smurfs, foram à Paris por uma
questão tributária.
De
acordo com a legislação tributária francesa, as produções cinematográficas e
audiovisuais gozam de benefícios fiscais, denominado Desconto de Taxas por
Produção Internacional (Trip[1], na sigla inglês para Tax Rebate for International
Production), que prevê a possibilidade de um crédito fiscal de até 20% do valor
total do custo da produção.
Para
fazer jus ao benefício fiscal, o filme deverá ter, como requisito, a inclusão de
elementos relativos à cultura francesa, sua herança e tradições, além de seu
território, devendo a obra ser aprovada pelo Centre National du Cinéma et de
l´image animée , em relação ao cumprimento de tais condições.
Por
tal fundamento, não apenas o cartaz, mas inúmeras passagens do filme fazem ampla
alusão aos diversos pontos turísticos de Paris, valendo observar o longo trecho
em que os pássaros voam com os smurfs, percorrendo inúmeras
paisagens parisienses, para não deixar dúvida de que este requisito foi
cumprido, ensejando, portanto, a aplicação do benefício fiscal. Assim, quem
assistir ao filme, saberá que tais cenas tem uma razão tributária de ser.
Outro
requisito para o mencionado benefício, segundo o Code Général des Impôts, reside
no fato das produções cinematográficas não poderem incitar a violência, nem
tampouco terem conteúdo pornográfico, sendo que a obra analisada tem um conteúdo
infantil, inclusive com classificação indicativa “livre”.
Aqui
vale fazer uma reflexão sobre a importância da formulação de políticas públicas
e fiscais, que realmente limitam a forma de utilização de recursos públicos, de
acordo com critérios que possam efetivamente gerar um desenvolvimento econômico
e social.
Também
não estão abrangidos por tais benefícios, os programas de debates sobre
atualidades, programas informativos e de variedades, transmissão de eventos
esportivos, e filmes destinados à fins publicitários, como comerciais e filmes
corporativos.
Outro
requisito estabelecido pela legislação francesa é que os beneficiários sejam de
nacionalidade francesa, ou de países da União Européia ou que participem de
tratados internacionais, admitindo-se, para fins fiscais, que o residente também
seja equiparado ao nacional francês, para fins de aplicação do benefício.
Dentre
os valores que dão direito à crédito temos os salários e remunerações pagas aos
autores, atores, técnicos e demais trabalhadores franceses ou europeus.
E
aqui entra mais um pouco da história dos Smurfs. Criado pelo ilustrador
belga Pierre Culliford (que passou a adotar seu apelido “Peyo”), Os Smurfs — ou “Les
Schtroumpfs” em francês — nasceram
em um país (Bélgica), que viria a se tornar um dos fundadores da União Europeia,
sendo que a produção do filme conta com uma unidade na França, congregando
inúmeros profissionais.
O
valor máximo do reembolso, por seu turno, é de 1 milhão de euros, sendo que o
custo de produção não poderá exceder a 1.150 euros por minuto para obras de
ficção e documentários e, de 1.200 euros por minuto para obras de animação, como
as dos nossos personagens. Tal razão se justifica, na medida em que o crédito
fiscal se dará em razão do custo de produção, observadas as regras para que tais
despesas possam compor a base para apuração do incentivo tributário.
A
produção e a exibição de filmes, bem como sua tributação, são objetos de ampla
legislação francesa, havendo, por exemplo, a possibilidade de redução e/ou
isenção de tributos para cinemas que atendam um público anual de até 450 mil
espectadores, vedação a redução da Taxe Sur la Valeur Ajoutée (TVA — nesse caso
equiparável ao nosso Imposto sobre Serviços – ISS, incidente sobre exibições
cinematográficas) para exibição de filmes que incitem a violência, além das
próprias Sociétés de Financement de l´industrie cinématographique et de
l´audiovisuel, também denominadas “Sofica”, com a possibilidade de investimentos
estrangeiros, dentre tantas outras.
A
legislação tributária da Índia também contém dispositivos no mesmo sentido,
“conforme verifica-se na Seção 9 da Lei do Imposto de Renda, que estabelece a
não incidência tributária do imposto de renda sobre as pessoas e empresas
não-residentes que procedam à filmagem de produções cinematográficas
inteiramente na Índia, ou ainda quando estabelece a não incidência tributária
sobre o rendimento de pessoa engajada na obtenção de informações (e.g. agência
de notícias) ou imagens da Índia, com o objetivo de divulgá-las ao exterior.”[2]
Não
por acaso a Índia é considerada um dos maiores polos cinematográficos do mundo,
conhecida como “Bollywood”, com uma ampla produção e até mesmo exportação de
obras, serviços e profissionais para outros países.
A
característica dos personagens infantis e sua tributação já ensejou outros casos
curiosos, a demonstrar que a tributação de brinquedos não é coisa de criança,
como registramos ao tratar sobre a importação de bonecos dos X-Men e do
Superman[3] e as
questões relativas à sua classificação fiscal.
Se
a exibição em 3D permite ver um dimensão antes não vista, agora você poderá ver
o filme em 4D, incorporando também o ângulo fiscal do filme. Afinal, embora seja
um momento de diversão, também está sujeito à tributação.
Será
que os smurfs se salvarão? E a Smurfette? Essas respostas só no
cinema.
E,
por falar em cinema, nunca é demais lembrar que seus inventores são os irmãos
Lumière (Auguste e Louis) — ambos franceses[4]. E para encerrar as “coincidências”, vale anotar que
a primeira exibição de um filme teve como endereço o Boulevard des Capucines,
mais precisamente no Salão Gran Café de Paris (ainda existente), e que fica
exatamente em frente ao famoso teatro “L´Opéra”, onde brilha o nosso personagem
Gargamel ! E voilá !
[1] Nome dado em
referência a sigla TRIPs (do inglês Agreement on Trade-Related Aspects of
Intellectual Property Rights), relevante Convenção Internacional em matéria de
Propriedade Intelectual.
[2] KFOURI JR.,
Anis. Tributação Internacional do Software. Tributação da remuneração efetuada à
pessoas jurídica domiciliada no exterior a título de licença para reprodução e
comercialização de software. Dissertação apresentada no Curso de Mestrado.
Orientador: Luis Eduardo Schoueri. Universidade Mackenzie, 2003. p. 122.
[3] KFOURI JR.,
Anis. Curso de Direito Tributário 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 411.
[4] A apresentação
foi feita pelos irmãos Lumière no dia 28 de dezembro de 1895, do aparelho
denominado cinematógrafo. Sobre a autoria do inventor existe discussão em razão
do momento do registro da patente, que acabou pertencendo aos Irmãos
Lumière.
Anis Kfouri Jr. é advogado,
sócio do escritório Kfouri Advogados. Mestre em Direito Político e Econômico
pela Universidade Mackenzie. Professor de Direito. Conselheiro Estadual da
OAB-SP. Secretário-geral do Conselho Curador da Escola Superior de Advocacia.
Membro do Comitê Jurídico da Câmara Brasil-França. Autor do livroCurso de
Direito Tributário.
Revista Consultor Jurídico, 9 de
agosto de 2013
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