LEGISLAÇÃO

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Sem manutenção, portos limitam a entrada de navios



Sem manutenção, portos limitam a entrada de navios

O investimento bilio-nário feito pelo governo federal nos últimos anos não foi capaz de ampliar a capacidade da maioria dos portos brasileiros para receber a nova geração de navios. Sem manutenção adequada, alguns portos já perderam o ganho obtido com a dragagem de aprofundamento, que custou R$ 1,6 bilhão aos cofres públicos, segundo dados da Secretaria de Portos (SEP).

Cada um centímetro perdido na profundidade do canal significa deixar de carregar, por exemplo, oito contêineres (ou R$ 24 mil) por navio. Quanto maior a profundidade de um porto, maior é o tamanho das embarcações que podem atracar nele - ou seja, mais produtos podem ser carregados numa única viagem e menor tende a ser o custo logístico.

As limitações têm afetado portos como Santos (SP), Salvador (BA), Itapoá (SC) e Rio Grande (RS), entre outros. Quase todos passaram por obras do Programa Nacional de Dragagem (PND), lançado em 2007 para adequar os portos à nova frota de navios. Pelas regras da época, o governo federal ficava responsável pela dragagem de aprofundamento e as Companhias Docas, que administram os portos, fariam a manutenção. “Mas o resultado não foi o esperado”, afirma o secretário de infraestrutura portuária da Secretaria de Portos, Tiago de Barros Correia.

Segundo ele, o PND I foi um aprendizado, com alguns casos emblemáticos de contratos, problemas de execução da obra e dificuldades de homologação da nova profundidade. No porto de Rio Grande, por exemplo, a dragagem dos canais ainda não trouxe grandes resultados. As novas profundidades obtidas com a obra não foram homologadas pela Marinha, o que significa limitar a entrada de navios maiores no terminal. Segundo a administração de Rio Grande, a homologação só deve ocorrer no segundo semestre.

“O governo investiu pesado para ampliar a capacidade do porto, mas com a falta de homologação, as áreas correm o risco de assorearem novamente”, critica o presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli. O próximo a aguardar a homologação da Marinha é o porto de Santos, que teve de refazer a dragagem depois que uma ressaca assoreou o canal de acesso e reduziu o calado (profundidade da lâmina d’água até a quilha da embarcação) dos navios que atracam no estuário de 13,2 metros para até 12,3 metros.

Nova dragagem feita de forma emergencial foi concluída há duas semanas. A profundidade do canal foi para 15 metros, mas, para garantir a segurança, o calado autorizado tem de ser, pelo menos, 10% menor que a profundidade. A nova medida, no entanto, ainda dependerá de aprovação da Marinha. Neste momento, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) está fazendo a batimetria do canal, que deve durar três semanas, e só depois o relatório será enviado para a Marinha. Segundo Correia, da SEP, a dificuldade de homologação tem sido decorrente da falta de profundidade linear das áreas dragadas.

“Como as máquinas são grandes, não conseguem entregar todas as áreas com 15 metros exatos, por exemplo. Alguns locais podem ter 16 metros, outros 14,9 metros. Por isso, a Marinha não homologa a nova profundidade.” Para um executivo do setor, que prefere não se identificar, as batimetrias realizadas no País fogem dos padrões recomendados pela Organização Hidrográfica Internacional. “Sendo assim, é natural que a Marinha não abra mão da segurança, que é o que se espera dela.”

Os problemas nos portos, no entanto, vão além da demora na homologação. Há um descompasso entre a profundidade dos terminais e dos canais de acesso - o que significa que os navios têm de obedecer à medida mais baixa. Em Santos, os berços de atracação têm profundidades que variam de 11,5 a 14 metros - o canal tem 15 metros.

Em Salvador e Aratu, a dragagem foi contratada para elevar a profundidade para 15 metros. “Mas a obra não foi completa e os usuários continuam reivindicando melhorias. Apenas um berço teve ampliação da profundidade para 13,9 metros. Os demais continuam com medidas entre 8 e 12 metros”, afirma o diretor executivo da Associação dos Usuários de Portos da Bahia (Usuport), Paulo Villa. O secretário da SEP explica que houve casos, no PND I, em que a responsabilidade pela dragagem dos berços era da iniciativa privada ou das Companhias Docas.

No porto Itapoá, em Santa Catarina, a situação é contrária: o berço de atracação tem 16 metros, mas o canal de acesso não passa dos 14 metros. A limitação é ainda mais grave devido a uma restrição em uma curva de 90 graus no canal que só permite navios com calado de 11 metros, explica o diretor do porto, Márcio Guiot. Assim, o terminal é obrigado a reduzir o calado dos navios que atracam em seu cais para 11 metros. Ou seja, os benefícios de se ter uma profundidade natural elevada estão perdidos.

Nível do rio Tietê inviabiliza transporte de cargas

O transporte de cargas em grandes embarcações parou, por tempo indeterminado, desde sábado da semana passada, na hidrovia Tietê-Paraná. O Departamento Hidroviário (DH), que administra a hidrovia em São Paulo, emitiu um comunicado informando aos transportadores a redução do calado, de 2,20 metros, para 1,80 metro desde sábado. A partir de amanhã, dia 16, a redução terá nova ampliação para 1,40 metro.

A primeira redução inviabiliza, a navegação de grandes comboios que levam 6 mil toneladas e já estavam navegando com 4,2 mil toneladas devido ao baixo nível da hidrovia. A partir de amanhã, 16, as embarcações menores também deixarão de navegar. Dos 21 comboios que atuam em viagens de longa distância na hidrovia, apenas sete, de menor porte, com capacidade de 3 mil toneladas, conseguem navegar com o calado de 1,80 metro, mas com calado de 1,40 metro nem estes conseguirão navegar, paralisando por completo o transporte de cargas no trecho.

As medidas, segundo o DH, foram tomadas porque o Operador Nacional do Sistema (ONS) decidiu dar prioridade à geração de energia, principalmente para a Copa do Mundo, que começa em 12 de junho. “O operador optou pela geração de energia em detrimento da hidrovia, e pelos estudos o calado deve mesmo ser reduzido, pois há falta de água para navegação”, explicou o diretor do DH, Casemiro Tércio Carvalho.

Segundo Carvalho, o uso de água para geração e a estiagem reduzem o nível da hidrovia, prejudicando a navegação. Alertada da situação, o ONS não atendeu aos pedidos do DH para que o ritmo de geração de energia fosse reduzido. “Ela desrespeita o uso múltiplo das águas”, afirma.

A falta de condições para navegação teve início em fevereiro e desde então as embarcações, quando não encalham, são obrigadas a perder dias à espera das ondas de vazão para atravessar a eclusa de Nova Avanhandava, em Buritama (SP). Na semana passada, oito comboios, carregados com 38 mil toneladas de soja, farelo de soja, madeira e celulose, tiveram de parar o transporte por essa razão. Esse é o principal trecho crítico da hidrovia. “Isso ocorre porque o nível dos reservatórios continua caindo e o ONS não sinaliza com redução no ritmo de geração de energia pelas usinas de Nova Avanhandava, Três Irmãos e Ilha Solteira. Esta última, embora esteja no Paraná, é interligada com a hidrovia pelo canal de Pereira Barreto”, explicou Tércio Carvalho.

Agora, o ONS restringiu a onda de vazão na eclusa de Nova Avanhandava porque desperdiça água e não gera energia, que pode ser comercializada. Com isso, o transporte de cargas deve ser paralisado por completo no trecho, porque, além da falta de condições técnicas para navegação, a redução de volume de cargas inviabiliza financeiramente o transporte pela hidrovia.

A situação, que é comparada à do apagão de 2001, prejudica principalmente o escoamento da safra recorde de soja e deverá influenciar na safra de milho, que ocorre no segundo semestre. A hidrovia é o principal caminho para a exportação de grãos e celulose produzidos em Mato Grosso e Goiás, que são levados por grandes comboios até Pederneiras e de lá em ferrovia para o porto de Santos. A falta de condições para transporte reduziu em 86% o volume de cargas transportadas em 2014. Entre fevereiro e abril de 2013, foram transportadas 4,5 milhões de toneladas ante apenas 619 mil em 2014. A diferença, de 3,9 milhões, está sendo transportada de caminhões, o que aumenta o custo, só com fretes, em R$ 706 milhões.

A hidrovia é o principal canal de escoamento da safra de soja de Mato Grosso e de Goiás, que também é levada de embarcações até Pederneiras e de lá segue pela ferrovia até o porto de Santos. A estiagem e o uso da água para a geração de energia em alta escala reduzem o nível do rio, impossibilitando a navegação. Na tentativa de viabilizar a navegação, os operadores realizam as chamadas “ondas de vazão”, operações que consistem em turbinar a geração de energia em Nova Avanhandava para aumentar o nível do rio e possibilitar a passagem pela eclusa. Ocorre que as ondas exigem da usina a redução de geração de energia destinada à comercialização, reduzindo lucro e também podem colocar em risco a segurança das embarcações. Além disso, o ONS sinalizou aos responsáveis pela navegação no Tietê-Paraná que não vai mais permitir esta operação.

SEP adota novas regras para evitar erros nas dragagens

Para evitar os erros do passado recente, a Secretaria de Portos (SEP) mudou as regras do novo Programa Nacional de Dragagem (PND), que prevê o investimento de R$ 3,8 bilhões no setor. Uma das alterações adotadas tem o objetivo de facilitar a homologação das novas profundidades pela Marinha do Brasil.

O secretário de infraestrutura portuária da SEP, Tiago de Barros Correia, explica que os novos contratos vão incluir uma margem de tolerância. “Se a profundidade necessária é 15 metros, vamos colocar 15,45 metros para evitar o risco da homologação não sair ou ter a homologação de medida abaixo do previsto.” Segundo ele, como as máquinas utilizadas para aprofundar os canais são muito grandes, não é possível conseguir dragar todo o canal de forma linear e uniforme.

A decisão da SEP, no entanto, vai implicar aumento dos custos, pois o governo federal terá de pagar pelos 15,45 metros para ter a homologação de uma medida menor. Outra alteração prevista é de que, nesse programa, a SEP será responsável pela dragagem em todo o porto. Mas Correia alerta: “Só vamos fazer a dragagem se o cais estiver reforçado”. Sem esse cuidado, a dragagem pode provocar desmoronamentos.

Segundo um executivo do setor, que tem amplo conhecimento sobre as estruturas dos portos brasileiros, há várias construções que beiram 100 anos de idade e que não aguentariam nem uma dragagem para 12 metros. “Antes de dragar é preciso preparar os terminais para as profundidades desejadas assim como realizar todos os esforços estruturais para receber os novos navios.”

Apesar das mudanças introduzidas, as primeiras licitações do novo PND de Santos e Fortaleza não foram concluídas. “As propostas ficaram com preço acima do estabelecido”, afirma o secretário da SEP. Ele explica que os prestadores de serviço tinham uma percepção de risco que ainda vinha do primeiro PND.

Os riscos são custos decorrentes de serviços adicionais, que podem surgir no meio do trabalho de dragagem. Isso ocorreria no caso de ser encontrado algum tipo de rocha mais resistente, que exija o derrocamento, a retirada de embarcações ou soluções exclusivas para solos contaminados. O governo federal vai fazer uma nova tentativa para licitar os serviços para o porto de Santos. A expectativa é de que o edital seja publicado ainda neste mês.

Fonte: Jornal do Commercio (POA)

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