Opinião - As inovações trazidas pelo novo decreto antidumping
Fonte: Valor Econômico
Carol Carvalho e Andréa Weiss
A chamada circunvenção (em inglês, circumvention) pode ser definida como prática desleal de comércio por meio da burla na aplicação de uma medida de defesa comercial em vigor (antidumping ou medidas compensatórias). No Brasil, a possibilidade de extensão da aplicação de medidas antidumping às importações de produtos de terceiros países, bem como suas partes e peças, foi disciplinada pela resolução Camex nº 63/2010.
De fato, o principal objetivo das medidas anticircunvenção é assegurar a efetividade das medidas de defesa comercial diante da constatação de que importações realizadas a partir de terceiros países, de partes ou peças, seriam capazes de frustrar os efeitos do direito antidumping aplicados.
Nos termos da citada resolução da Camex, três práticas foram definidas como elisão: 1- a introdução no território nacional de partes, peças ou componentes cuja industrialização resulte no produto objeto da medida de defesa comercial; 2- introdução no território de produto resultante de industrialização efetuada em terceiros países com partes e peças originárias do país sujeito à medida de defesa comercial; e 3- a introdução do produto no território nacional com pequenas modificações que não alterem o seu uso ou destinação final.
Objetivo das medidas anticircunvenção é assegurar a efetividade dos instrumentos de defesa comercial
Ademais, a operação de industrialização constituiria prática elisiva quando as partes e peças originárias do país sujeito à medida de defesa comercial representassem 60% ou mais do valor total de partes e peças do produto. Ou, ainda, na operação de industrialização em que o valor agregado fosse inferior a 25% do custo de produção.
Na prática, desde a regulamentação das medidas anticircunvenção, o Departamento de Defesa Comercial (Decom) iniciou duas investigações dessa natureza, sendo a primeira relacionada com o processo antidumping de cobertores, e a segunda para calçados, ambos originários da China.
No caso de calçados, em 2010, aplicou-se direito antidumping em face das importações originárias da China, no montante de US$ 13,85 por par de calçado. Posteriormente, o governo investigou a suspeita de montagem das partes e componentes chineses (solados e cabedais) na Indonésia e no Vietnã, para posterior venda de calçados inteiros para o Brasil, assim como a importações de partes e componentes de calçados chineses para mera montagem de calçados no Brasil.
O processo foi concluído em 2012, no qual constatou-se que as operações de industrialização realizadas na Indonésia e Vietnã países superava os 25% exigidos pela legislação. As medidas em vigor foram estendidas somente para solados e cabedais originários da China para posterior montagem no Brasil, sendo posteriormente revogada, a pedido da indústria doméstica.
Assim foi que, passados três anos de vigência da Resolução Camex nº 63/2010, o Decom, sem causar alardes, ao publicar o decreto nº 8058/2013, mudou não só a denominação do instituto, de elisão para circunvenção, como trouxe drástica e importante alteração com relação à regra até então vigente para análise da prática de circunvenção.
O referido decreto manteve as três hipóteses de circunvenção constantes da resolução 63/2010, mas dependendo da prática investigada, as autoridades irão levar em consideração diferentes critérios de investigação.
Assim, quando se tratar de industrialização no Brasil a partir de partes e peças originários/procedentes de país sujeito a medida antidumping, a análise a ser realizada levará em conta: 1- se as partes e peças originárias do país sujeito a medida antidumping representam 60% ou mais do valor total de partes e peças do produto industrializado no Brasil; ou 2- se o valor agregado nas operações de industrialização for superior a 35% do custo de manufatura do produto.
Por sua vez, no que diz respeito à industrialização realizada em terceiros países a partir de partes e peças originárias de país sujeito a medida antidumping, a análise levará em consideração, tão somente, o item supra, isto é, se as partes e peças originárias do país sujeito a medida antidumping representam 60% ou mais do valor total de partes e peças do produto exportado.
Isto posto, ao compararmos a Resolução Camex nº 63/2010 com o novo decreto antidumping, conclui-se que este último inovou no sentido de que apenas na hipótese de investigação de prática de circunvenção a partir de industrialização no Brasil de partes e peças de país sujeito a medida antidumping é que será realizada a análise do percentual de valor agregado ao custo de manufatura.
Ainda, com o novo decreto, o valor agregado ao custo de manufatura a ser apto a afastar a extensão da medida antidumping sofreu aumento de 25% para 35%.
Isso significa dizer que, quando se tratar de produto industrializado em terceiros países, não há mais a possibilidade de se afastar a circunvenção a partir da comprovação de agregação de valor ao custo de manufatura do produto, devendo, portanto, nos casos de industrialização no exterior, a circunvenção ser afastada apenas com a comprovação de que as partes e peças originárias do país sujeito à medida antidumping representa menos que 60% do valor total das partes e peças do produto exportado ao Brasil.
Como visto, após as conclusões alcançadas nos dois processos de prática de circunvenção já investigados, o Brasil optou por inovar na legislação e não mais prever a possibilidade de afastar a extensão dos direitos antidumping com a demonstração de agregação de valor à industrialização do produto.
Tal alteração, conforme se verá nos próximos casos, dificultará, e muito, a prova de ausência de prática de circunvenção na hipótese de industrialização realizada em terceiros países.
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