Eu não sabia! Poucos sabiam! Você sabia?
Lembro-me muito bem de que quando estava começando no mercado, engatinhando nesse complexo mundo do shipping, um grande profissional, muito conceituado do mercado de afretamentos de embarcações, virou-se para mim durante um evento e afirmou que quem conhecia muito desse setor, conhecia apenas 10%. Na época iniciante no ramo, prestei muita atenção ao que ele disse, mas admito que, mesmo sem perder a humildade e disposição para aprender, com o passar do tempo fui deixando esse conselho muito bem guardado, pois não tinha vivenciado nada tão gritante como nos últimos meses, ao ponto de utilizar esse conselho de forma tão veemente.
Não, eu nem cheguei perto dos tais 10% de conhecimento e, mesmo depois de mais de 20 anos, fui surpreendido ao descobrir que a ANTAQ não outorga autorizações aos armadores estrangeiros e que eles trabalham aqui sem o menor controle, sem a menor fiscalização e, consequentemente, sem regulação. Jamais poderia imaginar que, diante de uma constituição e de leis tão cristalinas, empresas estrangeiras de navegação pudessem estar operando aqui sem um documento sequer. Para mim, isso era tão básico que essa preocupação sequer passava pela minha cabeça, tamanha a irresponsabilidade do ente público!
A primeira coisa que veio em meu pensamento foi que eu estava igual a cônjuge traído, ou seja, que só eu não sabia. Então, decidi perguntar aos mais diversos profissionais do setor se eles sabiam que os armadores estrangeiros exploram a nossa navegação de longo curso sem um misero documento sequer. Para meu total espanto, todos admitiram que jamais poderiam imaginar que isso seria possível. Não falei com profissionais inexperientes. Reportei-me aos profissionais mais conceituados do nosso setor, alguns militando há mais de 30 anos no ramo. Nesse misto de espanto, revolta e tristeza, constatei que, assim como eu, eles jamais poderiam imaginar que o estado brasileiro, através da Agência Reguladora, pudesse ser tão omisso. Todos me pediram para ver os documentos que estavam em meu poder, ou seja, os Ofícios que o Superintendente de Navegação Marítima e Apoio da ANTAQ enviou para mim e para o Ministério Publico Federal em resposta à denúncia que fiz.
Um dos profissionais com quem conversei sobre o tema, pessoa pela qual nutro grande admiração profissional, chegou a ficar revoltado e perguntou: Como essas empresas vem para cá, exploram a nossa navegação e a ANTAQ não cobra um documento e uma garantia sequer delas? E continuou afirmando que, mesmo se as leis do país fossem omissas ao não determinar as outorgas de autorização, mesmo assim, a ANTAQ deveria trabalhar com um critério mínimo de organização e de cadastros, pois sem isso não existe regulação. Isso se faz necessário em nome da nossa soberania, pela proteção das empresas brasileiras de navegação, que são vitimas de uma concorrência desleal por conta dessa omissão do Estado.
Venho realmente conversado com muitas pessoas e exposto o tema em palestras e via internet. Até as pessoas mais leigas no assunto ficam estupefatas e perguntam sempre: A quem interessa os armadores estrangeiros não serem regulados? Aliás, essa é uma pergunta que eu gostaria de ver respondida pela ANTAQ, pois notei que, tanto no Ofício direcionado para mim, quanto no Ofício direcionado ao MPF, o órgão regulador buscou, de forma inconsequente, defender seus próprios interesses e não os interesses do país.
Essa é a nossa paupérrima realidade. Nem as estatísticas do setor marítimo, das quais a ANTAQ tanto se orgulha, prestam para alguma coisa, pois os maiores valores, os quais deveriam constar do anuário, ali não estão. Refiro-me aos fretes marítimos, THC`s, “taxas” extrafretes e demurrrages pagas pelos usuários exportadores e importadores aos armadores que, sem sombra de dúvidas, é a maior fatia do imenso bolo de bilhões de dólares que entregamos ao exterior de bandeja. Não podemos sequer afirmar que a ANTAQ faz uma regulação fraca e ineficaz sobre as armadoras estrangeiras, pois regulação é algo que não existiu, não existe e tão cedo não existirá na navegação de longo curso brasileira.
Eu sempre aprendi que um país sem frota de navios mercantes e sem Marinha Mercante não poderia ser considerado soberano. Eu sempre fui induzido a comparar o transporte marítimo do Brasil com os dos principais países da Europa. Hoje, eu comparo o Brasil com a Nigéria e Sri Lanka e vejo que estamos atrasados.
Você sabia que a realidade é tão ruim assim? Eu não sabia e muitos não sabiam!
Por André de Seixas
Editor do Site dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro
http://www.uprj.com.br/eu-nao-sabia-poucos-sabiam-voce-sabia.html
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