Alteração constitucional para ICMS Importação é insuficiente
A incidência do ICMS Importação após
a Emenda Constitucional 33/2001 foi recentemente abordada pelo Supremo Tribunal
Federal por ocasião dos julgamentos do RE 474.267[1]e RE 439.796[2], em sessão do
Plenário no dia 6/11[3]. No julgamento, o
relator, ministro Joaquim Barbosa, referindo-se a voto vista do ministro Dias
Toffoli, ponderou sobre a “suficiência da legislação infraconstitucional para
dar densidade às normas gerais em matéria tributária”, bem como à regra matriz
de incidência do tributo analisado, qual seja, o ICMS Importação incidente na
aquisição de mercadorias ou bens por pessoas físicas e contribuintes não
habituais. A questão posta naqueles casos e que aqui trazemos ao debate é: a
insuficiência da alteração constitucional para dar densidade à regra matriz de
incidência do ICMS, sendo necessária a alteração superveniente das normas gerais
de Direito Tributário.
A alteração do texto constitucional
com a Emenda 33/2001 conferiu nova competência tributária aos estados e ao
Distrito Federal, acrescentando nova materialidade, bem como novos sujeitos
passivos à regra matriz do ICMS Importação, de modo a perfazer a incidência
jurídica sobre bens, e não apenas mercadorias, ampliando o critério pessoal as
pessoas físicas e pessoas jurídicas que não contribuintes habituais do ICMS. A
Lei Complementar 87/1996, no entanto, ainda delineava os contornos do exercício
de uma competência tributária que carecia de atualização.
Pouco mais de um ano transcorreu até
que as normas gerais de Direito Tributário fossem atualizadas pela Lei
Complementar 114/2002, sedimentando o percurso de incidência tributária, principiado
a partir da Constituição Federal até a norma individual e concreta, pois
presentes todos os elos na cadeia de positivação do ICMS Importação
reformulado, numa perspectiva eminentemente dinâmica[4].
Alguns estados, contudo, optaram por
não aguardar a atualização das normas gerais de Direito Tributário, reputando
suficiente a alteração no texto constitucional para conferir o fundamento de
validade necessário à adequação das leis ordinárias estaduais ou distritais.
Com a citada modificação
constitucional quis o constituinte garantir inexoravelmente que, das operações
oriundas do exterior, o contribuinte do ICMS fosse toda e qualquer pessoa
física ou jurídica que importasse mercadorias ou bens, sendo que a inclusão
deste último vocábulo tornou desnecessária a inserção do produto nacionalizado
na cadeia de comércio para a configuração do critério pessoal passivo da regra
matriz.
Embora tal instituto garanta na
prática melhores condições de oferta e demanda, com o significativo equilíbrio
dos preços[5], a
tentativa dos estados e do Distrito Federal de tributar as pessoas físicas e
jurídicas contribuintes não habituais do ICMS data de antes da Emenda
Constitucional 33/2001.
Tal atitude não passou despercebida
pelo Supremo Tribunal Federal, que, em sessão plenária realizada em 24/9/2003,
consolidando a interpretação da época, expediu a Súmula 660, em que se lê: “não
incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja
contribuinte do imposto”. Vale ressalvar que os precedentes da excelsa corte
cuidam de fatos jurídicos tributários que antecederam a alteração
constitucional.
No que pertine ao advento da Emenda
Constitucional 33/2001, oportuna a ponderação de Roque Antonio Carrazza[6],
ao asserverar que “é a velha política do Governo, que sempre que perde uma
questão, máxime na Suprema Corte, modifica a Constituição”.
Sobreveio pouco mais de um ano
depois, em 16/12/2012, a Lei Complementar 114, que alterou o artigo 4° da Lei
87/1996, permitindo uma incidência do ICMS nas operações de importação a toda e
qualquer pessoa física ou jurídica que importasse mercadoria ou bem, independentemente
da destinação dada ao objeto.
Assim, diferençavam três categorias
de normas estaduais atinentes ao ICMS, a saber: i) aquelas que tributavam a
importação de bens antes do permissivo constitucional; ii) aquelas instituídas
logo após a alteração no texto constitucional, mas antes do advento da Lei
Complementar 114/2002; iii) por fim, as normas estaduais instituídas após a
modificação das normas gerais de Direito Tributário atinentes ao ICMS.
Quanto ao primeiro grupo, o ministro
Joaquim Barbosa rememorou o quanto já decido pelo Supremo Tribunal Federal
quando do julgamento do RE 346.084[7] e
RE 390.84[8],
oportunidade que restou sedimentado exegese de que o sistema jurídico
brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente, de
forma que a norma jurídica posta deve encontrar seu fundamento de validade
constitucional no momento em que integra o sistema, a saber, no de sua
validade.
Esta é a circunstância fática que se
quadra ao RE 474.267, oriundo do Rio Grande do Sul, em que a Lei RS 8820/1989,
com alteração da Lei RS 10.908/1996, pretérita à Emenda 33/2001, regula a
incidência do ICMS Importação tendo por sujeitos passivos pessoa física ou
jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, sem fundamento
de validade constitucional à época de sua publicação[9].
Na mesma esteira está o RE 439.796,
originado do Paraná, onde a Lei 11.580/1996 regulava a mesma materialidade, sem
respaldo constitucional[10].
Assim, restou rechaçado pelo Supremo
Tribunal Federal o exercício de competência estadual sem a previsão
constitucional, que só viria em 2001, o que delineia os contornos do julgamento
do RE 594.996[11],
oriundo do Rio Grande do Sul, em que fora reconhecida a repercussão geral e
seguirá os entendimentos retro mencionados.
Outra é a situação dos estados que,
motivados pela Emenda Constitucional 33/2001, que lhes ampliava a competência
tributária, passaram a tributar tal materialidade, todavia, antes da previsão
nas normas gerais de Direito Tributário, conforme resta evidenciado na tabela
abaixo:
Estado
Norma alteradora
Data da alteração
Alagoas
Lei
6.319
03/07/2002
Espírito
Santo
Lei
7.295
01/08/2002
Goiás
Lei
14.057
21/12/2001
Mato
Grosso
Lei
7.611
28/12/2001
Mato
Grosso do Sul
Lei
2.534
21/11/2002
Rio de
Janeiro
Lei
3.733
13/12/2001
Santa
Catarina
Lei
12.498
12/12/2002
São
Paulo
Lei
11.001
21/12/2001
O exercício de tal competência fora
efetivado antes da alteração da Lei Complementar 87/96, norma geral em Direito
Tributário que regula o ICMS, com duplo fundamento de validade[12],
e que só viria em 16/12/2002 com a Lei Complementar 114.
Muito embora a autorização
constitucional para o exercício da novel competência tributária já compusesse o
ordenamento pátrio desde dezembro de 2011, faltava aos Estados retro
mencionados um elo na cadeia de positivação, a densidade necessária à incidência
tributária, perfazendo tal fase integrativa.
Não há que se falar em competência
concorrente diante da ausência de atualização da Lei Complementar 87/96, pois a
própria Constituição Federal, em seu artigo 24, inciso I, e parágrafos 1º e 3º,
denota a mitigação da competência diante da existência de normas gerais de
Direito Tributário e que, de fato, existiam, mas não davam azo à
instrumentalização por parte de seus entes tributantes, carecendo de adequação
legislativa que veio cerca de um ano depois.
O que se verifica nas normas
expedidas entre 11/12/2001 e 16/12/2002, diante da falta de um elo na cadeia de
positivação é o exercício irregular da competência tributária[13],
uma vez que não observada a higidez no fluxo de positivação da regra matriz do
ICMS.
Note-se que o ICMS excepciona a
característica de facultatividade das competências tributárias, como convergem
Paulo de Barros Carvalho[14] e,
num segundo momento, Roque Antonio Carrazza[15].
Tal se dá ante a índole eminentemente nacional do ICMS.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal
já tratou de situação análoga, por ocasião do julgamento do RE 136.215[16],
oportunidade em que fora analisada a competência conferida aos estados e ao
Distrito Federal para instituir adicional de imposto de renda[17],
arguindo-se a possibilidade dos estados legislarem sobre a matéria na ausência
de lei complementar[18].
Diante da arenga, o ministro Octávio
Gallotti, pugnando pela necessidade de existência de lei complementar, de
caráter nacional, para dirimir conflito de competência, expediu a seguinte
ementa: “Adicional estadual do imposto sobre a renda (ART. 155, II, DA C.F.). Impossibilidade
de sua cobrança, sem prévia Lei Complementar (ART. 146 DA C.F.). Sendo ela
materialmente indispensável a dirimência de conflitos de competência entre os
estados da federação, não bastam, para dispensar sua edição, os permissivos
inscritos no art. 24, par. 3, da Constituição e no art. 34, e seus parágrafos,
do ADCT. Recurso extraordinário provido para declarar a inconstitucionalidade
da Lei n. 1.394, de 2-12-88, do estado do Rio De Janeiro, concedendo-se a
segurança”.
Assim, muito embora tenham alguns
estados alterado as regras matrizes de ICMS Importação, amparados já em
permissivo constitucional, as novas normas estaduais encontraram um óbice, a
falta de lei complementar autorizativa, de norma geral tributária, configurando
assim flagrante inconstitucionalidade. Nulidade[19] que
não poderia ser corrigida com a publicação da Lei Complementar 114/2002, tendo
em vista a vedação à constitucionalização superveniente prescrita pelo Supremo
Tribunal Federal.
Nota-se que a competência concorrente
disposta no artigo 24, parágrafo 3º, da Constituição Federal, só pode ser
exercida para, nos dizeres do ministro Gallotti, “atender a peculiaridades
locais”, o que se coaduna com a feição nacional que circunscreve o ICMS e que
não pode ser livremente tratada pelos Estados ou Distrito Federal, sob pena de
incorrer em conflitos de competência, servindo, pois, a norma geral como iter
imprescindível para a consecução da incidência jurídica tributária.
O Tribunal de Justiça de São Paulo
tem aplicado o mesmo entendimento em questões atinentes ao ITCMD, diante da
ausência de lei complementar prevista no artigo 155, parágrafo 1º, inciso III,
da Constituição Federal, de modo a prescrever a irregularidade o exercício da
competência concorrente estadual, como se verifica no seguinte aresto[20]:
“MANDADO DE SEGURANÇA ITCMD SOBRE
HERANÇA DE FALECIDO QUE POSSUÍA BENS, ERA RESIDENTE OU DOMICILIADO OU TEVE SEU
INVENTÁRIO PROCESSADO NO EXTERIOR Ausência de Lei Complementar disciplinando a
competência para a sua instituição (art. 155, § 1º, III, “B”, CF) Omissão
legislativa que não pode ser suprida pelos Estados Inconstitucionalidade do
art. 4º, II, “b”, da Lei Estadual nº 10.705/2000 reconhecida pelo Colendo Órgão
Especial Indevida a incidência do imposto. Recursos improvidos.”
Quanto ao terceiro grupo de estados,
figuram os que manejaram a alteração legislativa somente com o advento da Lei
Complementar 114/2002. Tais normas encontraram, outrossim, fundamento de
validade constitucional, seguido da correspectiva fase integrativa a criar
todos os elos necessários à implementação do processo de positivação, tendo em
vista a consecução, somente neste momento, da necessária densificação da
competência tributária.
A ampliação do espectro de incidência
do ICMS Importação promovido pela Emenda Constitucional 33/2001 é condição
necessária, mas não suficiente, para o exercício da competência tributária,
notadamente com relação ao ICMS, cuja importância excepciona a facultatividade
como característica das competências e condiciona sua incidência ao
aperfeiçoamento através de lei complementar, exigida genericamente no artigo
146, e especificamente no artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, ambos da
Constituição Federal.
Nota-se, portanto, nos recentes
julgamentos do Supremo Tribunal Federal a necessidade das normas gerais de
Direito Tributário, principalmente para o ICMS, como fase integrativa do
processo de positivação, de modo a assegurar a estabilidade e a previsibilidade
do ordenamento pátrio.
[1] BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, RE 474.276, Relator Ministro Jaoquim Barbosa,
Julgamento 06/11/2013, DJe 14/11/2013, Tribunal Pleno.
[2] BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, RE 439.796, Relator Ministro Jaoquim Barbosa,
Julgamento 06/11/2013, DJe 14/11/2013, Tribunal Pleno.
[3] BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, Pleno - Concluído julgamento sobre incidência de ICMS
na importação de bens sem fins comerciais. Disponível em: <
http://www.youtube.com/watch?v=rmqkjkD_wDE&list=WL4F59D6DC6545D4D7>.
Acesso em: 23 de novembro de 2013.
[4] CARVALHO,
Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 92.
[5] MOREIRA,
André Mendes . A Não-Cumulatividade dos Tributos. São Paulo: Noeses, 2011. p.
254.
[6] CARRAZZA,
Roque Antonio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 83
[7] BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, RE 346.084, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgamento
09/11/2005, DJe 01/09/2006, Tribunal Pleno.
[8] BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, RE 390.840, Relator Ministro Marco Aurélio,
julgamento 09/11/2005, DJe 15/08/2006, Tribunal Pleno.
[9] O
Estado do Rio Grande do Sul promoveu adequação legislativa com a promulgação da
Lei RS 13.099/2008.
[10] O
Estado do Paraná promoveu adequação legislativa com a promulgação da Lei PR
14.050/2003.
[11] BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, RE 594.966, Relator Ministro Luiz Fux.
[12] Os
artigos 146 e 155, parágrafo 2º., inciso XII, ambos da Constituição Federal.
[13] GAMA,
Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade.
São Paulo: Noeses, 2009, p.101-103.
[14] CARVALHO,
Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva,, 2007, p.
244.
[15] CARRAZZA,
Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 593.
[16] BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, RE 136.215, Relator Ministro Octávio Gallotti,
julgamento 18/02/1993, DJe 16/04/1993, Tribunal Pleno.
[17]Revogada
pela Emenda Constitucional 3/1993.
[18] SCHOUERI.
Luis Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 78-79.
[19] GAMA,
Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade.
São Paulo: Noeses, 2009, passim.
[20] BRASIL,
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação 0024074-72.2012.8.26.0625,
Relator Desembargador Moacir Peres, julgamento 16/09/2013, DJe 20/09/2013, 7ª.
Câmara de Direito Público.
Jean Paolo Simei e Silva é
doutorando e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, professor no curso de
especialização em Direito Tributário do Ibet, sócio do Simei Favacho Advogados
Associados.
Revista Consultor Jurídico,
9 de dezembro de 2013
Estado
|
Norma alteradora
|
Data da alteração
|
Alagoas
|
Lei
6.319
|
03/07/2002
|
Espírito
Santo
|
Lei
7.295
|
01/08/2002
|
Goiás
|
Lei
14.057
|
21/12/2001
|
Mato
Grosso
|
Lei
7.611
|
28/12/2001
|
Mato
Grosso do Sul
|
Lei
2.534
|
21/11/2002
|
Rio de
Janeiro
|
Lei
3.733
|
13/12/2001
|
Santa
Catarina
|
Lei
12.498
|
12/12/2002
|
São
Paulo
|
Lei
11.001
|
21/12/2001
|
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