EXISTE EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS?
Kiyoshi Harada
Dentro da política de que não se deve exportar tributos para o exterior o inciso II, do § 3º, do art. 156 da CF, relativamente ao ISS, determina que cabe à lei complementar “excluir da sua incidência exportação de serviços para o exterior.”
Posto que o ISS não grava o serviço, mas a sua efetiva prestação, tem-se em uma interpretação literal que a Constituição determina a exoneração por lei complementar da tributação pelo ISS a prestação de serviços no exterior, o que não passaria de uma declaração acaciana. Só se exonera da tributação algo que a ela está sujeito e não aquilo que está fora do alcance da tributação pelas leis brasileiras que só surtem efeitos no território nacional. Apenas um tratado ou uma convenção internacional às avessas poderia possibilitar a dupla tributação dos serviços postados n’um e n’outro território.
Considerando que a Constituição não contém, nem deve conter dispositivos inúteis, cabe ao intérprete conferir àquele texto constitucional uma interpretação que confira algum efeito jurídico.
Pela interpretação sistemática das normas constitucionais e pela interpretação teleológica chega-se à conclusão de que a Carta Política manda exonerar da tributação os serviços contratados por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no estrangeiro, mediante pagamento do respectivo preço por fonte igualmente situada no exterior do país.
É a única interpretação cabível, não sendo possível cogitar-se de exportar serviços ou exportar a sua prestação, pois eles não são passíveis de viagem, como acontece com as exportações de produtos industrializados e de mercadorias, para exonerar da incidência do IPI e do ICMS, respectivamente.
É que o IPI e o ICMS resultam de operações que se traduzem por uma obrigação de dar, ao passo que o ISS resulta de uma operação que se traduz por uma obrigação de fazer. Serviço significa esforço humano que resulta na produção de um bem imaterial para a fruição do tomador.
Na obrigação de dar é possível a destinação de produtos ou mercadorias ao exterior. Na obrigação de fazer que gera o serviço, ou seja, o ato de servir ou prestar serviço, não é passível de exportação.
Contudo, essa única interpretação constitucional possível restou invalidada pelo art. 2º da Lei Complementar nº 116/03 que assim dispôs:
“Art. 2º. O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País.
...
Parágrafo único. Não se enquadram no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”
Ao invés de conferir à norma constitucional a única interpretação cabível para a exoneração do ISS, o preceito da lei complementar, confundindo o resultado com o efeito, torna letra morta aquele preceito da Constituição, bem como a sua própria prescrição.
Ora, quando o prestador aqui localizado executa um serviço, o resultado só pode ser produzido aqui. Só que a execução do serviço, por si só, não gera a obrigação de pagar imposto. É preciso que esse serviço executado surta efeito imediato em relação ao tomador. Se o tomador não puder usufruir do serviço contratado não haverá prestação de serviço e assim não ocorrerá o fato gerador do ISS. É o caso, por exemplo, de um consulente contratar a elaboração de um parecer jurídico. Ainda que pronto e acabado o parecer, portanto, produzido o resultado, o fato gerador do ISS somente ocorrerá com a fruição desse parecer jurídico pelo tomador, o que pressupõe a sua entrega ao encomendante. Implícita está a obrigação de dar (atividade meio) para concretizar a obrigação de fazer (atividade fim).
Um exemplo poderá aclarar melhor as ideias na questão sob exame. Quando um tomador domiciliado no exterior contrata os serviços de um artista plástico aqui residente para pintar um determinado quadro, a prestação efetiva de serviço somente acontecerá quando o tomador receber o quadro (resultado da ação do pintor) para a fruição de seus efeitos imediatos.
Se o quadro (resultado) continuar no atelier do artista plástico não haverá prestação de serviço, donde se conclui que o fato gerador só ocorrerá no exterior, hipótese em que a lei brasileira não poderá alcançar aquele fato gerador, por força do princípio da territorialidade das leis. Somente mediante tratado ou convenção, às avessas, como dissemos, poderá ser tributado o serviço prestado no exterior do País.
Confesso que o tema não é fácil.
No nosso livro “ISS doutrina e prática” escrito em 2008, seguindo a doutrina majoritária, sustentamos a tese também adotada pela jurisprudência do STJ no sentido de que haverá exoneração do ISS sempre que o serviço executado surtir efeito no exterior como, por exemplo, a elaboração de um projeto de usina hidroelétrica a ser construída no exterior.
Outros autores citam exemplos de pesquisas de mercado encomendadas por uma empresa localizada no exterior para, mediante análise dos dados pela sua Diretoria Executiva, decidir quanto ao investimento ou não do Brasil.
Nesses casos não haveria incidência do ISS porque o resultado (na verdade, efeito) seria produzido no exterior.
A afirmativa não está incorreta, porém a não incidência nesses casos não deriva da norma do art. 2º, II da Lei Complementar nº 116/03, mas da inocorrência do fato gerador no Brasil e sim no exterior.
Esse novo posicionamento nosso mantém a coerência com o que afirmamos a respeito da incidência do ISS sobre os serviços procedentes do exterior, como determina o § 1º, do art. 1º da Lei Complementar nº 116/03. Conforme afirmamos:
“Esse preceito viola, às escâncaras, o princípio da territorialidade das normas, ligado ao aspecto espacial do fato gerador da obrigação tributária, ou seja, onde ocorre o fato gerador concretamente. Serviço prestado no exterior não pode gerar efeito jurídico no território municipal do Brasil, a menos que haja um tratado ou convenção internacional, bilateral ou multilateral, firmado, às avessas, não para evitar a dupla tributação, como acontece na área do imposto de renda, mas para possibilitar a dupla incidência tributária.” [1]
Mas, certamente, muitas tintas serão gastas até a pacificação dessa controvertida matéria suscitada pela má redação do texto constitucional sob exame.
Nota
[1] Cf. nosso ISS doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2008, p. 40.
Autor: Kiyoshi Harada
Sócio fundador da Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos - CEPEJUR. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo e ex-Diretor da Escola Paulista de Advocacia.
http://www.apet.org.br/artigos/ver.asp?art_id=1908&autor=Kiyoshi%20Harada
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