Prazo decadencial não começa na data de registro da declaração de importação
Por Charles Mayer de Castro Souza
Uma questão cujo entendimento andou oscilando nas esferas administrativa e judicial diz com o prazo decadencial aplicável às operações de importação realizadas ao amparo do regime o drawback na modalidade suspensão, que, como se sabe, responde por parte considerável das importações beneficiadas com o regime.
A título de esclarecimento, essa modalidade consiste na suspensão dos tributos incidentes na importação de mercadoria a ser utilizada na industrialização de produto que posteriormente deve ser exportado, observado o prazo estabelecido no Ato Concessório de emissão da Secretaria de Comércio Exterior – SECEX.
A controvérsia a respeito do início do prazo extintivo do direito do Fisco, no caso das importações realizadas sob o regime drawback-suspensão, findou por levar à construção de duas posições, absolutamente distanciadas entre si: uma primeira, sustentando que o termo a quo deste prazo conta-se da data do registro da Declaração de Importação – DI; uma segunda, à qual nos filiamos, que entende que o mesmo prazo decadencial deve contar-se do primeiro dia do exercício seguinte ao dia imediatamente posterior ao trigésimo dia da data limite para exportação, nos termos do inciso I do § 3º do art. 752 do Decreto nº 6.759, de 2009 (Regulamento Aduaneiro).
Para os áulicos da primeira posição, a suspensão do pagamento dos tributos aduaneiros não suspenderia a ocorrência do fato gerador, que ocorre, como sabido, na data do registro da DI das mercadorias estrangeiras, momento em que a obrigação tributária se constituiria plena, conforme previsto no § 1º do artigo 113 do CTN. Assim, como esses tributos estão sujeitos a lançamento por homologação, dever-se-ia aplicar o disposto no art. 150, § 4º, do mesmo diploma legal, que o estabelece em cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador.
Os defensores dessa tese fundamentam-se em acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ nos autos do REsp nº 1.006.535/PR, de relatoria da Min. Eliana Calmon, que entendeu que o regime aduaneiro de drawback seria irrelevante na fixação do termo inicial do prazo para a constituição do crédito tributário, uma vez que a decadência não se interrompe nem se suspende. Asseveram, também, que nada obstaria o Fisco de promover o lançamento destinado a prevenir a decadência, o qual poderia ser exigido assim que cessasse o evento responsável pela suspensão da exigibilidade, conforme entenderia o próprio STJ (REsp nº 1.259.346/SE).
Será?
Bom, primeiro, cabe destacar que a alegação de que a decadência não se interrompe nem se suspende não responde de modo algum à questão. Afinal, só se suspende ou só se interrompe algo que já se iniciou. Durante o seu transcurso, sim, poder-se-ia falar em não interrupção ou em não suspensão, mas nunca, nunca mesmo! antes do seu início.
Ademais, afirmar que o fato gerador constitui, sempre e sempre, o momento em que se inicia a contagem do prazo decadencial constitui, a nosso sentir, rematado equívoco. Afinal, o próprio STJ já consolidou o entendimento que, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, não havendo pagamento antecipado, a regra a aplicar é o art. 173, I, do CTN (REsp nº 766.050/PR), ainda que, obviamente, o fato gerador do tributo tenha ocorrido em momento anterior.
Aliás, quanto a este entendimento, para que se determine quando se dá o termo a quo do prazo decadencial no caso em que não há pagamento antecipado, há de se promover o cotejo da regra encartada no art. 173, I, do CTN com a legislação de regência de cada tributo sujeito a lançamento por homologação, a fim de que, com base nas informações a respeito do período de apuração e da data de vencimento, se possa vir a situá-lo no tempo.
Especificamente quanto ao drawback-suspensão, embora o fato gerador do imposto de importação ocorra na data do registro da DI, o termo a quo do prazo decadencial – considerando que, nessa modalidade, não há pagamento antecipado de tributos aduaneiros – só se inicia no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, vale dizer, no primeiro dia do exercício seguinte ao dia imediatamente posterior ao trigésimo dia da data limite para exportação, haja vista que o contribuinte que cumpre o regime tem trinta dias após o seu encerramento para promover o recolhimento, parcial ou integral, dos tributos suspensos.
E o lançamento destinado a previnir a decadência, não seria o caso?
Previsto no art. 63 da Lei nº 9.430, de 1996, tampouco é de se aventá-lo, uma vez que a autorização legal é para que, quando a exigibilidade de um tributo estiver suspensa por força de ordem judicial precária (incisos IV e V do art. 151 do CTN) – não por ato administrativo em que se reconhece determinado benefício fiscal, ainda que sob determinadas condições –, o Fisco pode e, na verdade, deve promover o lançamento, já que, além de a contagem do prazo decadencial não se modificar em face do ajuizamento da ação, o tributo continua sendo devido à luz da lei que o disciplinou no momento da ocorrência do fato gerador, suspendendo-se apenas a sua exigência. Noutras palavras, o fato gerador ocorre, o tributo é devido, a contagem do prazo decadencial se inicia, mas o tributo não pode ser exigido em face da decisão judicial não definitiva.
A hipótese aqui é diversa.
No drawback-suspensão, o fato gerador ocorre, mas o tributo simplesmente não é devido enquanto não findar o prazo de vigência do Ato Concessório. Por isso que se costuma entender que este regime na verdade instituiu uma isenção condicionada a um evento futuro e incerto – a exportação dos insumos após a industrialização.
Por tal razão, entendemos não haver a menor necessidade de se promover o lançamento após a concessão do drawback. Mais: não há mesmo a menor possibilidade de que se venha a fazê-lo, porquanto não se pode conceber possível lançar tributo ainda não devido.
O lançamento, não se pode olvidar, constitui direito potestativo do Fisco, que, obviamente, só pode ser realizado quando recaia sobre direito que já exista. A concessão de uma isenção condicionada importa reconhecer que enquanto não realizada a condição não há o direito do Fisco, donde se torna impossível conceber, por inércia deste, o início da contagem do prazo decadencial.
Não fossem essas razões suficientes, cabe observar que alguns precedentes do STJ tem entendido que o lançamento seria, no drawback-suspensão, atividade desnecessária, porquanto o Termo de Responsabilidade firmado por seu beneficiário já seria título hábil à execução do montante não recolhido, de sorte que, ao menos para alguns integrantes da Corte, o caso seria de prescrição, não de decadência. E, nessa hipótese, somente após o encerramento da vigência do Ato Concessório é que fluiria a contagem do prazo prescricional (STJ, rel. Min. Denise Arruda, RESP nº 658404, DJ em 01/02/2006).
Portanto, seja decadencial ou prescricional o prazo, não há como conceber que a sua contagem inicie-se na data do registro da DI (adotando o nosso entendimento: TRF/3ª Região, JUIZ CONVOCADO RENATO BARTH, REOMS nº 214548, DJU em 30/01/2008; TRF/4ª Região, rel. Des. JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, REO nº 9404139173, DJ em 23/06/1999).
Charles Mayer de Castro Souza é Auditor-Fiscal da Receita Federal, Conselheiro Titular da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.
Revista Consultor Jurídico, 14 de março de 2015, 7h30
http://www.conjur.com.br/2015-mar-14/charles-mayer-prazo-decadencial-nao-inicia-registro-di
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