LEGISLAÇÃO

terça-feira, 1 de julho de 2014

Decisão da China sobre a Aliança P3 deixa uma importante lição ao Brasil



Decisão da China sobre a Aliança P3 deixa uma importante lição ao Brasil


A discussão sobre as outorgas de autorização dos armadores estrangeiros foi trazida ao público pelo UPRJ, pois, pelo interesse público, a União, através da ANTAQ, deve tomar para si e zelar por aquilo que, dentre diversos temas, também faz parte de sua Competência Exclusiva, ou seja, a exploração do transporte aquaviário nacional e internacional e a defesa da concorrência, sob coordenação do CADE, no setor por ela regulado.

Os que possuem uma visão restrita do transporte marítimo internacional (shipping) dirão que as outorgas de autorização servirão apenas para burocratizar o setor. Nós não podemos concordar com isso e defendemos que será a partir das outorgas de autorização que começaremos a ordenar nosso tráfego aquaviário na navegação de longo curso. É papel do Estado, através de ANTAQ, fazer esse ordenamento. Por meio da autorização poderemos indicar quais as rotas e escalas que devem ser observadas, através de um estudo eficiente de demandas para distribuir os fluxos e, com razoabilidade, exigir contrapartidas. O Brasil é um país de dimensões continentais, que possui mais de 8.000 quilômetros de costa marítima e 15.000 de rios navegáveis, com muitas complexidades regionais, que não podem deixar de ser consideradas.

Atualmente está em voga o “renascimento” da Marinha Mercante brasileira e verificamos que grandes profissionais do mercado e instituições tradicionais começam a cobrar do governo programas que venham a fomentar a criação de empresas brasileiras de navegação que possam atuar no longo curso e diminuir a enorme dependência que temos dos armadores transnacionais, cuja maioria dos navios é registrada em países de bandeira de conveniência. Todavia, qualquer tipo de programa governamental para desonerar fiscalmente as empresas brasileiras, deve ser acompanhado de um plano muito bem elaborado de outorgas de autorizações para os estrangeiros, de ordenamento do tráfego e de regulação econômica, especialmente registro e acompanhamento de fretes e preços extra-fretes e defesa da concorrência, porque precisamos saber exatamente onde inseriremos as empresas brasileiras.

É preciso proteger as empresas brasileiras (estatais e não estatais) da concorrência desleal de empresas que aqui operam, tal como o governo Chinês fez em relação à Aliança P3, ao não autorizá-la, com o objetivo de proteger as empresas chinesas de navegação, especialmente Cosco. Há evidências de que por tais motivos a Maestra, que atuou na cabotagem, encerrou as suas atividades recentemente, com prejuízo de mais de R$ 100 milhões.

Na semana passada foi amplamente divulgado pela imprensa mundial o bloqueio que o governo Chinês fez sobre a Aliança P3, envolvendo as 03 principais mega carriers mundiais no segmento de contêineres (Maersk Line, MSC e CMA-CGM). A China deu uma resposta excelente no sentido de que pretende proteger sua armação nacional e seus exportadores. O órgão regulador chinês conhece o nível de letalidade que uma aliança com fatia superior a 45% do mercado global poderia oferecer ao país e as suas empresas.

Mencione-se que desde a entrada da China na OMC, há mais de dez anos, o citado país registra e regula os armadores estrangeiros que lá operam. Nesse quadro, em 2006 o Ministro das Comunicações, depois de mais de três anos de investigação, decidiu proibir a cobrança do THC no país, que era em torno de U$D 40 a 60 por contêiner de 20 ou 40 TEUs, enquanto no Brasil é permitida a cobrança de até R$ 1.100 (cerca de U$ 500 por ctn de 20 ou 40 TEUs), tal como a MSC em Salvador e Suape.

Sabemos que o Brasil está anos luz atrás da China, principalmente em infraestrutura, e que a nossa frota mercante de navios que operam na navegação de longo curso é, praticamente, inexistente. Porém, se um dia pretendemos reconstruir nossa frota mercante e reavivar a nossa Marinha Mercante, precisamos organizar a nossa casa e criar um ambiente concorrencial saudável para tal.

Hoje o panorama da nossa navegação de longo curso, se a compararmos com as dos países mais desenvolvidos, é de uma verdadeira baderna. A começar pelo fato de que quem faz o ordenamento do nosso transporte marítimo internacional de cargas são os próprios armadores estrangeiros.

São eles que definem qual rota explorarão, quais portos escalarão e como farão as suas operações, preocupando-se apenas com os seus resultados financeiros gerados por meio de excedentes econômicos que provocam uma grande acumulação de receitas tal como espanhóis e portugueses faziam há mais de 400 anos na América Latina. Vale mencionar tais receitas decorrem de cobranças de preços abusivos (mais de 20 preços extrafretes) para financiar e expandir as suas frotas de navios, a maioria sem qualquer fiscalização do Estado brasileiro, inclusive com suspeitas de sonegação fiscal e evasão de divisas, tal como o THC.

Como resultado desse verdadeiro escárnio aos interesses dos nossos exportadores e importadores, em apenas um ano, tivemos mais de 300 cancelamentos de escalas, sem justificativas, sem que os armadores estrangeiros tivessem sequer a preocupação de comprovar caso fortuito, ou força maior para as omissões de portos. Por conta disso, os exportadores e importadores amargaram prejuízos e mais prejuízos, terminais elevaram as suas taxas de ocupação de pátio, entraram em colapso e prestaram péssimos serviços aos usuários.

Não bastasse isso, os terminais, verdadeiros reféns de armadores (seus principais clientes) protegeram os estrangeiros e ainda enviaram cobranças aos exportadores por conta de atrasos de embarque, descumprindo a Resolução da ANTAQ.

Por várias e várias vezes já repetimos que não faltam leis ao Brasil. O que falta aqui é vontade política de fazer algo que seja de interesse público e que, não necessariamente, atendam somente aos interesses privados. Temos um marco regulatório de defesa da concorrência excelente; temos normas completas para o perfeito ordenamento do nosso transporte marítimo internacional; temos gente competente para tal, mas, ao mesmo tempo, nada temos, porque no Brasil só se consegue algo se o resultado for político, ou seja, visando votos e o patrocínio de campanhas milionárias.

Corroborando com o comentário acima, vale destacar as afirmativas feitas pelo Ex-Ministro da SEP e Ex-Diretor Geral da ANTAQ Pedro Brito em sua obra MUITO A NAVEGAR, cuja transcrição segue abaixo, atestando a existência do politicamente viável, quando, ao discorrer sobre o modelo portuário brasileiro, declara textualmente, que:

“(...) FREQUENTEMENTE, SE VÊ NO CONGRESSO A AÇÃO DE FORTES LOBBIES TRABALHANDO A FAVOR DOS INTERESSES DE ALGUNS GRANDES ARMADORES” (pg. 44).

“QUALQUER PRESSÃO PARA MUDÁ-LO SE PRENDE UNICAMENTE A INTERESSES ESTRITAMENTE EMPRESARIAIS E PRIVADOS, DESVINCULADOS DOS INTERESSES DO PAÍS” (pg 46).

A grande lição que a China deixa ao Brasil é a importância do transporte marítimo para o país, é o valor que eles dão às empresas de navegação nacionais, pois sabem que, a médio e longo prazo, se permitissem uma aliança dessas no país, a bandeira chinesa de navegação não resistiria, assim como um dia, guardadas as devidas proporções, a nossa não resistiu. A China defendeu o interesse público, defendeu seus exportadores e seus consumidores.

Todavia, lendo a afirmativa do Ex-Ministro da SEP e Ex-Diretor Geral da ANTAQ Pedro Brito em seu livro, é perfeitamente possível prever que, se fosse no Brasil, a Aliança P3 teria sido aprovada com todos os louvores possíveis, selada com uma bela festa de comemoração. O Brasil, independente de Portugal há quase dois séculos e atualmente a 7a. economia do mundo, ainda não deixou de ser colônia em termos de Marinha Mercante. Pior, é colônia de paraísos fiscais como Nassau, Bahamas, Libéria e Panamá.

É preciso, portanto, que a ANTAQ vire esse jogo a favor do interesse nacional, tal como o governo da China fez em relação à Aliança P3, por meio de regulação econômica, outorga de autorização, ordenamento da navegação de longo curso e Política de Marinha Mercante a favor do usuário brasileiro.

André de Seixas é editor do site dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro, com colaboração de Osvaldo Agripino de Castro Junior, advogado, consultor jurídico e pós-doutor em Regulação de Transportes - Harvard University.

Artigo publicado pelo site do Usuários dos Portos do Rio de Janeiro, em 24 de junho de 2014.

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