A incidência do ISS sobre a desconsolidação de cargas
Reproduzimos neste Boletim Informativo interessante artigo escrito em conjunto por Janssen Murayama, Luiz Henrique de Oliveira e Célia Regina Ferreira Arruda (veja mini currículos ao final do texto). De maneira concisa, eles listam razões válidas para o não recolhimento do ISS sobre receitas relacionadas à desconsolidação de cargas.
Confira na íntegra a seguir:
O presente artigo tem por objetivo analisar a incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre a atividade de desconsolidação de cargas exercida pelo agente de carga no momento do desembarque de mercadorias importadas.
Como se sabe, o artigo 730 do Código Civil Brasileiro estabelece o conceito de contrato de transporte, pelo qual “alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”.
Neste sentido, o documento que estabelece o vínculo jurídico entre o transportador e o embarcador e consignatário da carga transportada é o conhecimento de transporte, também conhecido como conhecimento de embarque ou “Bill of Lading” (B/L).
Através dele se registram, dentre outras coisas, as condições do transporte e a descrição completa da carga confiada ao transportador. O conhecimento de transporte representa não somente o contrato de transporte, mas também o recibo de entrega da carga ao transportador e o título de crédito relativo à propriedade da mercadoria (transferível e negociável).
Com a entrada de empresas de menor porte no mercado de importação e exportação e diante do dinamismo em que se desenvolve o comércio exterior no âmbito internacional, surge a figura do “Non Vessel Operating Common Carrier” (“NVOCC”) que no Brasil também é conhecido como Operador de Transporte Não Armador (sem navio próprio ou fechado).
Normalmente, o NVOCC é contratado para consolidar as mercadorias que lhe são confiadas pelos embarcadores e entregá-las em bom estado aos respectivos consignatários no porto ou local de destino. Como não dispõe de navios próprios, o NVOCC afreta espaços em navios de terceiros (geralmente armadores de linhas regulares) para garantir aos seus clientes a perfeita execução do transporte.
Para acobertar a operação, são emitidos dois conhecimentos de embarque distintos: o primeiro, denominado Master B/L ou mãe, no qual o NVOCC figura como embarcador e contratante do transporte perante o armador.
Já no segundo, denominado House B/L ou filhote, o NVOCC figura como transportador perante o embarcador. Assim, o NVOCC é o responsável pelas cargas recebidas para o transporte perante o embarcador e o armador se responsabiliza por elas perante o NVOCC.
Sendo assim, a atividade do NVOCC vem ao encontro da demanda dos pequenos importadores e exportadores, uma vez que de forma isolada as cargas menores não interessam aos armadores, mas sim ao NVOCC que, após consolidá-las em um container, as embarca.
O artigo 20 da Norma Complementar n° 1/2008 acima referida não deixa dúvidas de que o NVOCC é classificado como transportador ao conceituar o consolidador como sendo o “transportador não enquadrado nos itens “a” ou “b”, responsável pela consolidação da carga na origem e pela sua desconsolidação no destino, comumente denominado “Non-Vessel Operating Common Carrier - NVOCC” ou “Freight Forwarder”.
Para realizar o transporte das mercadorias, o NVOCC é obrigado a consolidar as cargas para embarque e desconsolidá-las quando do seu desembarque.
Em regra, o processo de consolidação ocorre para embarques de exportação caracterizando-se pelo acondicionamento de um único ou vários lotes de carga em determinado container. Por sua vez, a desconsolidação acontece quando dos desembarques de importação, caracterizando-se pela retirada de um único ou vários lotes de carga de um container.
No momento da importação, o NVOCC estrangeiro precisa contratar no Brasil o serviço de desconsolidação das cargas por ele transportadas, atividade esta atualmente prestada pelo chamado agente de carga.
Pois bem. Feitos os esclarecimentos necessários sobre a atividade de desconsolidação de cargas, torna-se possível analisar a incidência do ISS sobre ela.
Neste momento, é importante lembrar que, para fins de incidência do ISS, o serviço prestado pelo contribuinte deve estar previsto expressamente na lista anexa à Lei Complementar n° 116/2003, que dispõe sobre o referido imposto.
O artigo 156 da Constituição Federal prevê o princípio da taxatividade nos seguintes termos: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)”
Como analisado acima, a desconsolidação de cargas é uma atividade recentemente criada para atender as necessidades do comércio exterior e a lista de serviços anexa à LC n° 116/03 atualmente não a prevê de forma expressa.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou o entendimento de que o ISS não pode incidir sobre serviços que não estão previstos expressamente na lista anexa à LC n° 116/03, sob pena de violação ao artigo 156, inciso III, da Constituição Federal.
Por estas razões, entendemos que os agentes de carga possuem bons fundamentos para o não recolhimento do ISS sobre as suas receitas relacionadas à desconsolidação de cargas e, caso necessário, podem recorrer ao Poder Judiciário para não se verem obrigados ao pagamento deste imposto.
Janssen Murayama é sócio do escritório Murayama Advogados (janssen@murayama.com.br); Luiz Henrique de Oliveira é Advogado em Santos e São Paulo, Membro das Comissões de Direito Aduaneiro e Acompanhamento do Novo Código Comercial para o Brasil - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, Membro da Associação Brasileira de Direito Marítimo (ABDM) e Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Marítimo (lawadv@uol.com.br); e Célia Regina Ferreira Arruda – Quantum Contabilidade (celia.ferreira@contabilquantum.com.br).
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