Porto X Cidade ou Porto-Cidade?
“Nós somos o que fazemos para deixar o que somos”
(Eduardo Galeano)
Santos-SP sediará, daqui a exatamente 1 ano, o “20º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito”; em paralelo com o “IX INTRANS – Exposição Internacional de Transporte e Trânsito”. Organizado pela Associação Nacional de Transportes Públicos –ANTP é o mais tradicional (desde 1977) e maior evento do setor; principal referência daqueles que pensam, discutem, planejam e gerem a mobilidade urbana no País.
Nessa sua 20º edição os eventos têm uma particularidade: Ocorrem numa cidade não-capital; ainda assim histórica, complexa e conhecida internacionalmente:
Apesar de ser uma cidade de médio porte (cerca de 500 mil habitantes), Santos-SP tem a 6º melhor qualidade de vida entre os municípios brasileiros, medida pelo consagrado IDH.
Além disso, junto com Guarujá e Cubatão, principais municípios da denominada “Região Metropolitana da Baixada Santista - RMBS” (1,6 milhão de habitantes), sedia o maior porto da América Latina (01, 02). Ele tem como zona de influência (“hinterland”) 2/3 do PIB e quase metade da população brasileira; e é responsável por ¼ do nosso comércio exterior;
Situa-se ao sopé da “Muralha” (Serra do Mar, com suas diversas áreas preservadas).
Por conseguinte, local e oportunidade ideal para se identificar, discutir e analisar as interfaces entre desenvolvimento econômico, qualidade de vida e meio ambiente; entre as áreas de atuação do Ministério das Cidades e Secretaria dos Portos (o ministério dos portos); entre a ANTP, a “Associação Brasileira de Entidades Portuárias e Hidroviárias - ABEPH” e a “Associação Brasileira de Municípios Portuários” (cujo presidente, incidentalmente, é o prefeito santista); entre Planos de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ e Planos de Mobilidade e Planos Diretores; entre mobilidade e logística; entre porto e cidade, enfim.
Foto: Portal Terra
Congestionamento de veículos de passageiros e de carga na ligação entre Santos e São Paulo
Essas interfaces não têm sido harmoniosas; nem histórica nem mundialmente. Cidades, de uma forma geral e ao longo dos séculos, nasceram e se desenvolveram em entroncamentos de rotas de comércio; ou seja, de fluxos de cargas. Com o passar do tempo, todavia, a circulação delas passa a ser vista, pela população, pela sociedade e pelos governantes como um transtorno e, superficial e apressadamente, como “um mal a ser extirpado”. Daí porque as políticas públicas, em relação às cargas são, em geral, apenas restritivas: Restrição temporal (não-pode nesse horário); geográfica (não pode nessa região); tecnológica (não pode com esse veículo).
O histórico das cidades portuárias, desde os fenícios, é um caso particular dessa saga: De início a implantação de instalações portuárias é acalentada, reivindicada e saudada. Tudo vai bem enquando o porto “está lá longe”: “Cada um toma conta da sua vida”. Com o passar do tempo, porem, ele vai sendo engolfado pelo tecido urbano; suas funções vão se entrelaçando com as da cidade. E, daí, tratado cada um de per si, para o surgimento e crescimento de tensões e conflitos é um passo curto!
Santos, coincidentemente, está às voltas com uma discussão/definição que merece análise: A polêmica sobre o futuro da Ponta da Praia (região urbana, densa, na entrada do canal) que, inclusive, foi judicializada. Ela é complexa; envolve o logístico, o urbano e o ambiental (01, 02, 03, 04, 05). Portanto, oportuna e candidata a um bom case para esse 20º Congresso.
Esse é o caso de um porto tradicional e consolidado. Mas há também exemplos de portos emergentes, onde as tensões e os conflitos começam a surgir e/ou são muito facilmente previsíveis como Barcarena e Santarém, no Pará ou, mesmo, São Sebastião-SP. Portanto, mais facilmente mitigáveis e desejavelmente evitáveis pois, como nos ensinou Andre Mauraux, “A saúde das cidades e a saúde dos seres vivos dependem essencialmente da saúde de suas artérias“.
Há também muita literatura, cursos, produção acadêmica (02) e entidades (01, 02, 03, 04) tratando do tema. Esse acervo pode servir de subsídio para o Congresso, mesmo porque normalmente partem da constatação da existência de problemas mas, também, da convicção de que convivências mais harmoniosas são possíveis e da necessidade de se buscar/desenvolver novas formas e práticas de planejamento e governança (01, 02, 03 – OBS: Com links para inúmeros materiais de consulta).
É por isso que, em recente e extensa pesquisa (216 portos, 26 países, 116 autoridades portuárias), buscando identificar tendências para o próximo século nesse desenvolvimento, a “European Sea Ports Organisation – ESPO” identificou, entre suas conclusões (“European Port Governance”) que: “É significativo que a maioria das autoridades portuárias, independentemente da sua propriedade ou nível de controle, têm intensa interação com os governo locais”; e “As autoridades portuárias estão gradualmente se distanciando da operação e se aproximando das suas comunidades”.
Qual a tendência brasileira? O que podemos (galeanicamente) fazer para “deixar de ser o que somos”? A pauta do 20º Congresso promete... ou, ao menos, tem potencial!
http://portogente.com.br/colunistas/frederico-bussinger/porto-x-cidade-ou-porto-cidade-82566
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