Contribuintes buscam driblar a lei de repatriação
Fonte: Jornal do Comércio - RS
Brasileiros têm mudado o domicílio fiscal para outros países com objetivo de não declarar valores que estão no exterior
Diante da intensa troca de informações fiscais entre governos e do controle cada vez mais rigoroso da Receita Federal, pessoas físicas que têm dinheiro não declarado no exterior sabem que o melhor caminho é aderir ao novo programa de repatriação, que prevê a legalização dos recursos por meio do pagamento de Imposto de Renda (IR) e multa.
Mesmo assim, há quem trace planos mirabolantes para fugir do Leão. Escritórios de advocacia relatam casos de contribuintes que se preparam até mesmo para sair do Brasil por um período curto, de um a dois anos, apenas para mudar o domicílio fiscal e escapar da repatriação.
A ideia é entregar ao Fisco a declaração de saída de definitiva do Brasil e, assim, não precisar declarar o dinheiro que está fora. Os locais favoritos são Portugal, Inglaterra e República Dominicana.
Mas há quem planeje ficar mais perto. Um contribuinte, por exemplo, contou que pretende sair oficialmente do Brasil de avião em direção ao Uruguai. No entanto, quer deixar a família no Brasil e voltar a cada 15 dias de moto por estradas sem controle da Receita, “até a poeira baixar”.
Advogados contam que, entre os brasileiros que têm recursos no exterior, há muitos contribuintes idosos que remeteram dinheiro para fora do Brasil nos anos 1980 por meio de doleiros, com o objetivo de fazer uma aposentadoria. Esse grupo, em uma faixa etária acima de 70 anos, é o que mais teme a repatriação. O principal problema para eles é a base sobre a qual tributação vai incidir.
A Receita afirma que os contribuintes precisam fazer o acerto de contas sobre todo o dinheiro mantido fora do País, mesmo que parte do valor já tenha sido gasta. Mas os contribuintes querem que o acerto seja feito apenas sobre o saldo registrado em 31 de dezembro de 2014. “Essas pessoas físicas têm um patrimônio de US$ 1 milhão a US$ 2 milhões, que acumularam a vida inteira, e têm medo de que a legalização, especialmente se for feita sobre a movimentação do passado, acabe fazendo com que não fiquem com nada”, conta um advogado sob condição de anonimato.
Além disso, por falta de informação, essas pessoas temem repatriar e depois serem alvo de fiscalizações mais intensas da Receita. Esse tributarista relata que seu escritório virou uma verdadeira clínica de terapia, com clientes que o visitam todas as semanas para saber como anda o processo, tirar dúvidas sobre a lei da repatriação e até pedir conselhos. Esse grupo, diz o advogado, também tem medo de não legalizar os recursos e acabar enfrentando uma fiscalização mais à frente, o que também lhes comeria os ganhos. Por isso, o mais provável é que esse grupo faça a legalização.
Quem ainda não decidiu se o programa vale a pena tem um outro perfil. Os contribuintes mais jovens, de estilo mais ousado e que ganharam dinheiro no mercado financeiro, ainda avaliam se vale a pena aderir. São pessoas que têm US$ 50 milhões ou mais no exterior e que têm cacife para bancar uma briga com a Receita em torno da lei.
A repatriação é uma das principal apostas da equipe econômica para conseguir reforçar os cofres públicos em 2016. O governo espera arrecadar, pelo menos, R$ 25 bilhões até o fim de outubro, quando termina o prazo de adesão. No entanto, o programa vem sendo alvo da pressão de advogados e parlamentares que querem mudanças.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já declarou que isso não vai ocorrer. Mesmo assim, há um forte lobby, que, segundo a Receita, estaria sendo feito para beneficiar envolvidos na Operação Lava Jato e parlamentares.
A lei da repatriação determina que quem repatriar fica perdoado dos crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e falsificação de dados. Mas estabeleceu algumas travas: a lei não se aplica a detentores de cargos públicos de direção ou eletivos, nem aos cônjuges ou parentes consanguíneos até o segundo grau ou por adoção.
Também não podem aderir ao programa pessoas que tenham sofrido alguma condenação penal, mesmo que em primeira instância. Para o tributarista José Andrés Lopes da Costa, do Chediak Advogados, o governo deveria rever alguns aspectos da lei, especialmente em relação à base de incidência do IR.
Segundo ele, os contribuintes estão confusos em relação a esse aspecto, daí a baixa adesão. Um sinal disso, diz Costa, é o fato de o governo ter permitido, na semana passada, que as pessoas físicas tragam primeiro os recursos para o Brasil, para depois pagarem o tributo devido. Esse acerto só precisa ser feito em 31 de outubro. “Foi uma forma de estimular a adesão ao programa”, diz o advogado.
Auditores tentam travar ainda mais a norma
A manifestação da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) como amicus curiae (parte interessada) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5496) pode prejudicar a adesão ao programa de regularização de ativos não declarados no exterior.
O advogado Marcelo Angélico, sócio do Angélico Advogados, comenta que “o simples pedido da Unafisco, independentemente dos resultados dele próprio e da ação, revela o posicionamento dos auditores em relação à lei”.
A entidade sustentará a inconstitucionalidade da lei que dispõe sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País. Para Angélico, o posicionamento da Unafisco “gera ainda mais insegurança a todos aqueles que têm a pretensão de regularizar bens e direitos no exterior”.
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