Analistas aguardam com ceticismo mudanças na política de comércio exterior
Estadão Conteúdo
Redação Folha Vitória
São Paulo - Apesar da guinada da presidente Dilma Rousseff em direção a uma maior ortodoxia no âmbito fiscal no seu segundo mandato, analistas não esperam mudanças profundas - pelo menos no curto prazo - em outra área na qual haveria desequilíbrios a serem corrigidos: a política comercial externa. O novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Externo (MDIC), Armando Monteiro, tem dado alguns sinais de mudanças, mas a questão ideológica na busca de parceiros comerciais ainda é bastante forte.
Na avaliação do economista Otaviano Canuto, consultor-sênior do Banco Mundial, mesmo com alguns indícios dados por Monteiro e também pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sobre a necessidade de abrir a economia brasileira e torná-la mais competitiva, este tem de ser um projeto de todo o governo. "É necessariamente uma agenda complicada, mas que teria chance de reaparecer no curto prazo", comenta.
Para Bruno Lavieri, economista da Tendências Consultoria Integrada, o novo governo tem dado sinais de uma maior inserção do Brasil no comércio global, mas existe uma diferença entre discurso e ação. "A gente ainda não viu nenhuma declaração mais sólida no sentido de retirar barreiras, por exemplo. Neste momento, podemos nos dar por satisfeitos com um ajuste nas contas públicas. Como não existe uma pressão tão forte para ajustar as contas externas, o governo tem poucos estímulos", opina.
Já José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, diz que para inserir o Brasil nas cadeias globais de produção seria necessária uma política industrial robusta, que não existe. "Acho difícil imaginar uma guinada para uma linha mais ortodoxa."
Bruno de Lima Furtado, sócio-líder da consultoria McKinsey, aponta que, mesmo sem uma perspectiva clara de mudanças na política de comércio externo, muitos de seus clientes estão sendo levados pela recente valorização do dólar a se preparar para exportar mais. Como não pode esperar grandes reformas por parte do governo, o empresariado tem focado em aprimoramentos de processos para aumentar suas margens, explica o consultor.
Mesmo que o novo governo mudasse o foco e passasse agora a buscar mais ativamente acordos comerciais com grandes potências globais, como Estados Unidos e União Europeia, o contexto internacional já não é dos melhores. Primeiro porque muitos blocos já têm acordos entre si e segundo porque a desaceleração econômica em alguns países acaba gerando maior pressão protecionista.
Mercosul
Um fator que dificultou bastante a aprovação de um acordo com a UE, por exemplo, é que o Brasil, por fazer parte do Mercosul, não pode negociar um tratado bilateral exclusivo com o bloco. Assim, uma série de exigências da Argentina acabou adiando e talvez até impossibilitando essa aproximação com os europeus. Essa situação levou o ex-ministro do MDIC Luiz Fernando Furlan a afirmar durante um fórum promovido pelo Estadão no fim do ano passado que talvez esteja na hora do Brasil declarar independência do Mercosul.
Lavieri acha difícil um rompimento do acordo com os vizinhos latinos. "A decisão de abandonar o Mercosul é mais que econômica, é política, uma questão ideológica do governo atual, que aposta no papel de liderança de um bloco 'sul-sul'", aponta, referindo-se ao foco dado a países da América Latina e África, principalmente. Já Canuto lembra que existe uma outra dimensão de reforma no setor externo que depende inteiramente do Brasil, que é justamente a retirada de dificuldades burocráticas, restrições aduaneiras e as "políticas ambiciosas" de exigência de conteúdo local. "A agenda doméstica pode caminhar sem precisar de um momentum ou adequação externa", comenta.
O analista da Tendências também expõe alguns elementos que podem ajudar a entender por que, apesar da forte alta recente do dólar, ainda não é possível observar um impacto significativo na balança comercial. Lavieri explica que existe uma defasagem natural, de cerca de três meses, e o empresário considera nas suas contas a expectativa para o câmbio dali a seis meses. Além disso, não é uma desvalorização de pouco mais de 20% do câmbio, observa, que vai salvar indústrias que muitas vezes estão sucateadas há anos.
Mudanças?
O novo ministro do MDIC, Armando Monteiro, ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), assumiu com um discurso forte. Entre suas principais promessas está um plano nacional de exportações, que deve ser divulgado no fim de fevereiro e prevê, entre outras coisas, facilitação nas garantias às vendas externas.
Evitando criticar a falta de empenho no fechamento de acordos comerciais durante o governo do PT, o ministro avaliou que os governos Dilma e Lula deram ênfase na consolidação da construção de toda a arquitetura do Mercosul, que garantiu ao Brasil, nos primeiros anos do bloco, uma ampliação significativa nas vendas brasileiras. "Mas o fato é que os governos têm de responder às demandas de cada momento. Estamos num momento diferente e o quadro mudou rapidamente. Em 2011, tivemos quase US$ 30 bilhões de superávit na balança comercial e hoje, temos um déficit de quase US$ 4 bilhões. Temos de ajustar o foco e a estratégia", disse em sua primeira entrevista coletiva após receber o cargo.
No fim da semanada passada, fontes informaram ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, que o governo Dilma prepara um "pacote de bondades" para compensar os efeitos negativos de cortes de gastos e aumentos de impostos. Entre as medidas estaria o sinal verde para o plano de exportações de Monteiro. A presidente teria sugerido, também, uma atuação mais forte da Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex). Outra iniciativa para fortalecer o comércio exterior é acelerar os acordos comerciais com outros países e "revalorizar" a parceria com parceiros tradicionais, como EUA, Europa e China.
http://www.folhavitoria.com.br/economia/noticia/2015/02/analistas-aguardam-com-ceticismo-mudancas-na-politica-de-comercio-exterior.html
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