LEGISLAÇÃO

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Desajuste fiscal nas importações



Desajuste fiscal nas importações

Fonte: Valor Econômico

Por Leonardo Alfradique Martins 

Tramita a passos largos no Congresso Nacional o Projeto de Emenda Constitucional nº 107/2015, de relatoria da senadora Lúcia Vânia, já aprovado pelo Senado Federal, que tem como objetivo tornar legal a cobrança de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na importação de bens em que não haja mudança na propriedade ou titularidade do bem importado. 

Esse tipo de situação ocorre em contratos de leasing, arrendamento, locação comodato, bem como em importações amparadas por regime aduaneiro especial de admissão temporária, dentre outras modalidades em que o bem importado não é objeto de uma compra e venda. 

Na verdade, há anos a incidência do ICMS sobre a importação de bens tem sido alvo de acirrado debate nos tribunais. 

Há anos a incidência do ICMS sobre a importação de bens tem sido alvo de acirrado debate nos tribunais 

A cobrança começou no início da década de 1980, com a busca pelos Estados em incrementar a arrecadação. Agora, novamente, a escusa da necessidade de novos recursos para o sustento da máquina pública, volta a ser palavra de ordem para justificar o Projeto de Emenda Constitucional em questão. 

Vale lembrar que, nos termos em que atualmente consta da Constituição Federal, no artigo 155, § 2º, IX, a, "o ICMS ­ tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal que onera as operações mercantis ­ incide sobre a importação de bem ou mercadoria, independentemente de sua finalidade". 

O comando constitucional tem essa redação porque, como o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia decidido, o ICMS somente poderia incidir sobre a importação de mercadorias (produtos disponibilizados para venda). Em 2001, uma Emenda Constitucional ­ a EC nº 33/2001 ­ foi editada para autorizar a cobrança do ICMS sobre a importação de bens. 

Contudo, não basta que se inclua uma ou outra palavra ou expressão na Constituição para que algo inconstitucional deixe de sê­-lo. 

O ICMS, por natureza jurídica (e como o próprio nome indica), é um tributo sobre a circulação de mercadorias e serviços. Impõe a presença de uma verdadeira compra e venda do bem ou da mercadoria. 

É bem verdade que a exigência do ICMS sobre a importação de bens já era algo juridicamente criticável, pois altera a natureza do imposto. Contudo, essa questão não mais se discute desde que o STF validou a cobrança do ICMS sobre importação de bens após a promulgação da EC nº 33/2001. 

Agora, o Senado Federal pretende propor nova alteração ao artigo 155, § 2º, IX, a, da Constituição Federal, para que o ICMS passe a incidir sobre a "entrada de bem proveniente do exterior, ainda que a importação seja relativa à operação de arrendamento mercantil com ou sem possibilidade de transferência ulterior de propriedade", tal como consta da Proposta de Emenda Constitucional nº 107/2015. 

Ainda que essa proposta seja aprovada, a exigência do ICMS sobre a importação de bens amparados por contratos que não impliquem na mudança da propriedade ou da titularidade do bem importado continuará sendo inconstitucional. 

Para que haja incidência de ICMS sobre esse tipo de operação não basta a mudança redacional proposta pela citada PEC. Seria necessária uma verdadeira transformação jurídica do próprio ICMS e da repartição de competência tributária prevista na Constituição Federal, pois, além de o ICMS ser imposto sobre a circulação (compra e venda) de bens e mercadorias, a Constituição reserva à União Federal a competência para exigir imposto sobre as importações. 

Pretender impor que o ICMS passe a ser devido em toda e qualquer importação, ainda que amparadas por contrato de arrendamento mercantil, em que não há a mudança de propriedade (compra e venda) do bem importado, em realidade, representa dizer que o ICMS passará a ser um disfarçado imposto de importação estadual. 

Isso aumentará ainda mais a carga dos impostos indiretos sobre o setor produtivo nacional. A propósito, válido lembrar que um recente levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que, na indústria de transformação brasileira, uma empresa gasta cerca de 2,6 mil horas anuais para cumprir suas obrigações fiscais, enquanto que nos demais países latino americanos são necessárias 356 horas e nos integrantes da OCDE, 184 horas. 

O detalhe é que o estudo apurou que o ICMS é o maior dos seis impostos indiretos do Brasil e os litígios que o envolvem são frequentes. Dessa forma, além dos altos custos para cumprimento das obrigações acessórias (trâmites burocráticos exigidos para o pagamento dos tributos e atendimento de eventuais fiscalizações e das correspondentes obrigações instrumentais), as demandas jurídicas envolvendo questões fiscais também oneram substancialmente tanto o Estado quanto às empresas, que perdem muito de sua produtividade nesse contexto. 

Por essa razão, como a Constituição Federal reservou à competência da União Federal a instituição de imposto sobre a importação de produtos estrangeiros, os Estados e o Distrito Federal, ainda que a PEC nº 107/2015 venha a ser aprovada, não poderão exigir o ICMS sobre toda e qualquer importação. Caso contrário, estarão disfarçadamente exigindo um verdadeiro imposto de importação estadual e não mais o ICMS; o que certamente continuará incompatível com a Constituição Federal brasileira. 

Leonardo Alfradique Martins é advogado, sócio de Trench, Rossi e Watanabe Advogados Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. 

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