Inexatidão ou omissão no Siscoserv pode gerar multa de 3% do
total negociado
Em Solução de Consulta, órgão fixou multa sobre o total de
operações com informações incompletas ou omissas
BRASÍLIA
Segundo advogados, teor da Solução de Consulta pode discutir
valores bilionários
(Foto: Guilherme Mendes/JOTA)
A empresa que apresentar informações incompletas ou inexatas
ao Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras
Operações que Produzam Variações no Patrimônio (Siscoserv),
plataforma mantida pela Receita Federal e pelo Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (MDIC), estará sujeita a uma multa de 3% do valor
das operações financeiras próprias da pessoa jurídica ou de terceiros em
relação aos quais seja responsável tributária. Em caso de operações vinculadas,
este percentual será calculado com base no conjunto de operações.
O entendimento, presente na Solução de Consulta nº 67/2018 e publicado no Diário
Oficial da União do dia 10 de julho, chamou a atenção de tributaristas ouvidos
pelo JOTA. Para eles,
a multa pode representar valores bilionários ou mesmo desproporcionais para
algumas das empresas que aderiram ao sistema. Criado em 2011 e colocado em
operação no ano seguinte, o Siscoserv busca ampliar a ação e os poderes de
medição e controle do governo sobre o setor importação de produtos e serviços.
A obrigação das empresas em abastecer o portal com informações serve para que
tanto a Receita quanto o MDIC possam propor estratégias e atuações no setor.
Com uma base legal que tributaristas consideraram frágil, o
tema possui recente jurisprudência no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e deve
influenciar processos que estão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf) –
que ainda não enfrentou o tema.
Na publicação a empresa, que se apresenta como uma
associação, provocou a Receita Federal a responder sobre a base de cálculo
utilizada para a aplicação da multa de 3% pelo cumprimento de obrigação
acessória de forma inexata ou incompleta. A dúvida tem como base na alínea “a”
do inciso III do artigo 8º da Portaria Conjunta RFB/SCS n° 1.908/2012, que regulamenta o
Siscoserv.
A contribuinte expôs sua interpretação. “Nosso entendimento
é que a multa de 3% aplica-se exclusivamente sobre os valores referentes às
informações inexatas, incompletas ou omitidas de uma determinada operação
comercial que der causa ao cumprimento da obrigação acessória”, afirmou.
A fundamentação da Receita veio com base em uma legislação
recente, a Instrução Normativa (IN) nº 1.803, de abril de 2018. Esta
publicação dá nova redação à uma instrução mais antiga, a IN nº 1.277 de 2012, responsável por instituir a obrigação
de prestar informações ao Siscoserv.
Segundo a IN nº 1.803, o valor das transações comerciais ou
operações financeiras corresponde “ao valor da operação sujeita a registro no
Siscoserv à qual estejam especificamente vinculadas as informações inexatas,
incompletas ou omitidas” ou “ao somatório do valor das operações a que as
informações inexatas, incompletas ou omitidas se referem, no caso de
informações comuns a diferentes operações sujeitas a registro no Siscoserv e
que componham um conjunto de dados que caracterizam a prestação de um serviço,
uma transferência ou aquisição de intangível ou a realização de uma operação
que produza variação no patrimônio.”
“A multa incide sobre o valor de cada operação cujas informações
sujeitas a registro no Siscoserv se revelem inexatas ou incompletas ou sejam
omitidas”, conclui a Receita. Com isso, entende, “caso a informação inexata ou
incompleta ou omitida esteja vinculada a mais de uma operação, ainda que tenha
sido fornecida uma única vez, aplica-se a multa sobre o valor do conjunto de
operações a que se refira”.
Impacto
“Ela [a Solução de Consulta] tem impacto principalmente para
empresas que têm sedes no exterior”, avaliou o advogado do De Goeye Advogados
Associados, Rafael Fraga dos Santos.
Ao analisar a conjuntura do serviço, o advogado lembrou que
“o problema no entendimento da Receita é que, prestadas as informações com
alguma inexatidão ou de maneira incompleta, esta base de cálculo abarcaria todo
o contrato e todo o conjunto de operações”. Segundo o tributarista, a
complexidade para separar as operações dentro do contrato pode tornar difícil a
delimitação da multa de 3% apenas nas partes com erro material.
A advogada Rafaela Calçada da Cruz, advogada da área
tributária do Miguel Neto Advogados, pondera que o texto atende às
expectativas, dado seu arcabouço legal. “Do ponto de vista da interpretação do
que está presente nesta Instrução Normativa mais recente, me parece coerente o
posicionamento da Receita nesta Solução de Consulta. Não foi nem além nem
aquém, parecendo bastante equilibrada”, disse.
Para Rafaela, um ponto de natureza formal chama a atenção.
“O contribuinte menciona a portaria conjunta [entre as secretarias da
Receita Federal e do Ministério], mesmo que não exista ainda uma portaria
conjunta para o esclarecimento destas dúvidas. É necessária uma portaria
conjunta para tratar deste tema”, argumentou, lembrando que as definições sobre
a natureza do montante e da base de cálculo são definidos, unilateralmente,
pela Receita Federal. A tributarista afirmou que o reflexo para as empresas
seria “desastroso, por trazer uma base de cálculo gigantesca”.
Santos aponta o que considera outra fragilidade no argumento
construído pela Receita Federal: a multa não teria o correto embasamento legal.
“Qualquer multa a ser exigida do contribuinte deve ser instituída por Lei, pelo
princípio da legalidade. Só que, pela análise da legislação, é possível
perceber que o fundamento de validade da multa não é propriamente tributária,
mas sim administrativa”, afirmou. Segundo Santos, a cobrança teria amparo no
artigo 25 da Lei nº 12.546/2011, que daria a “possibilidade abstrata” de
exigência das informações ao contribuinte.
Jurisprudência sobre o Siscoserv
O JOTA apurou
que, nos últimos dois anos, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf) não registrou processos administrativos que discutam a natureza da
cobrança da multa – segundo Rafaela, as autuações administrativas com base
nesta divergência disputa teriam começado por volta de 2015, data das primeiras
Soluções de Consulta sobre o tema. Rafael afirma que “é uma questão de tempo”
até que o tribunal administrativo comece a enfrentar este assunto.
Mas já há a ocorrência de processos judiciais sobre a
cobrança do Siscoserv, apreciados em Tribunais Regionais Federais.
O processo considerado como leading case do tema foi
analisado pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e teve
seu acórdão publicado em julho de 2017. Nele o relator do caso, desembargador
federal Johnsom di Salvo, analisou a pertinência da multa e seus fundamentos de
legalidade, não se aprofundando na interpretação da Receita Federal sobre a
base de cálculo.
Na decisão, di Salvo entendeu que era necessário reexaminar
a sentença de 1ª Instância, que suspendeu a cobrança de multa da contribuinte.
No mérito, o desembargador manteve a multa: “é plenamente válida a
instituição de multa para o caso da não prestação de informações relativas a
‘transações entre residentes ou domiciliados no Brasil e residentes ou
domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras
operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas
jurídicas ou dos entes despersonalizados’, tal como prevista no artigo 4º da IN
nº 1.277/2012, já que é calçada na Lei
nº 9.779/1999; ademais, tratando-se de obrigação acessória de índole
fiscal, encontra guarida no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001“. A turma concedeu ganho de causa à
União por unanimidade de votos.
“Isso levou o TRF2 a
decidir no mesmo sentido. São duas decisões em sentido negativo ao
contribuinte”, argumentou Santos.
Há também, no TRF4, uma ação
com prognóstico positivo ao setor. Na primeira instância, a 2ª Vara Federal de Florianópolis garantiu a suspensão
da exigibilidade das multas sobre a prestação de informações inexatas ao
Siscoserv, em favor do Sindicato das Empresas de Informática do Estado de Santa
Catarina – motivo pelo qual a Fazenda recorreu ao TRF.
O caso já foi concluído pelo tribunal: em agosto de 2016 a
relatora, desembargadora Maria de Freitas Labarrère negou o último recurso da União.
GUILHERME MENDES – Repórter de Tributário
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