LEGISLAÇÃO

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Hidrovia




Os gargalos da hidrovia Porto Alegre-Rio Grande

Jefferson Klein
MARCO QUINTANA/JC
Embarcação levou 18 horas para percorrer o corredor hidroviário Porto Alegre-Rio Grande
Embarcação levou 18 horas para percorrer o corredor hidroviário Porto Alegre-Rio Grande
O Rio Grande do Sul conta com uma riqueza natural que impressiona tanto por sua beleza como pelo seu potencial econômico. No entanto, se a paisagem hidroviária no Estado, formada por recursos hídricos como a Lagoa dos Patos, Guaíba e rios Jacuí e Taquari, não precisa de ajuda para deslumbrar os navegadores, o mesmo não pode ser dito em relação ao transporte de cargas.

A sinalização insuficiente e a falta de investimentos em terminais estão entre os maiores empecilhos para melhorar a movimentação de mercadorias por esse modal. A situação complica mais quanto maior for o porte da embarcação. Esse é o caso, por exemplo, do Frederico Madörin, da Navegação Aliança, que tem 103,8 metros de comprimento e capacidade para transportar cerca de 4,7 mil toneladas. O único navio da empresa que possui uma capacidade superior é o Germano Becker, com capacidade ao redor de 5,3 mil toneladas.

A primeira viagem daquela embarcação neste ano se iniciou no dia 5 de janeiro, saindo vazia da capital gaúcha para abastecer com trigo no porto do Rio Grande. Se um graneleiro como esse pode deslocar uma quantidade de carga que significa a retirada de centenas de caminhões das estradas, as dificuldades enfrentadas também são maiores do que pneus furados. A partida do Frederico Madörin (no dia 5 de janeiro) atrasou mais de seis horas para que fossem desentortadas as hélices que tinham sido avariadas ao raspar em pedras em outra operação no porto rio-grandino.

Durante a espera pelo conserto, a tripulação, formada por sete pessoas - comandante (ou piloto), imediato, dois marinheiros, dois chefes de máquina e um cozinheiro, aproveitou para conversar, ver televisão e beliscar pastéis – uma iguaria cuidadosamente preparada pelo cozinheiro. O navio, que se encontrava no cais da companhia Serra Morena, era um excelente ponto para observar as embarcações que se aproximavam da ponte do Guaíba. “O pessoal apita quando passa ali embaixo por causa do eco”, revela o imediato José Pedro Lopes Ferreira.

Oriundo de São Lourenço do Sul, Pedro, como é chamado pelos colegas, largou o segmento do comércio para atuar na navegação. Uma característica em comum que ele possui com muitos gaúchos que adotam essa atividade como meio de sustento é justamente ser proveniente de um município com acesso a uma via navegável. O chefe de máquinas Marcos Antônio Ribeiro, por exemplo, era agricultor em Taquari e trabalhava em lavouras, como a de fumo e milho. Há cerca de 12 anos, trocou de profissão e hoje cuida dos equipamentos das embarcações, como os motores, em um ambiente semelhante ao de muitas casas noturnas: quente e barulhento. “Tem que gostar”, diz Marcos.

O piloto do Frederico Madörin em sua primeira viagem em 2013, Antonio Jorge Ferreira, também veio de Taquari, porém, já tinha a navegação presente em suas origens. Seu pai foi funcionário do antigo Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais (Deprc), hoje Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH).

Jorginho, como é conhecido, é quem dá a ordem para o navio iniciar a viagem, às 19h35min, depois de as hélices terem sido arrumadas: “Então, vamos embora”, afirma o comandante.

Dividindo o espaço com os pequenos

Logo que o Frederico Madörin começou a se movimentar em direção ao porto do Rio Grande, o comandante teve de reduzir o ritmo porque uma mulher com uma criança, em um caíque, remava na frente do navio. Vinha da Ilha do Pavão para o cais da Capital. O tamanho da canoa contrastava com o da embarcação, o que gera um grande risco para ambos.

Mesmo que um navio não possa ser considerado um dos meios de transporte mais rápidos da face da Terra, trata-se de algo que não pode interromper a sua movimentação ou alterar a direção em curto espaço de tempo. Esta cena de pequenas canoas, principalmente de pescadores, atravessando as rotas dos navios não é incomum nas hidrovias gaúchas. Mas, superado esse contratempo, o Frederico Madörin segue para cumprir as cerca de 160 milhas náuticas (cada milha corresponde a 1.852 metros) até Rio Grande, atingindo velocidade de até 10 nós (um nó equivale a uma milha náutica por hora).

Após a partida, a embarcação encontra um dos mais novos usuários da hidrovia: o catamarã, que faz a travessia Porto Alegre-Guaíba. A embarcação parece um carro de Fórmula-1 perto do graneleiro da Navegação Aliança. Justamente a velocidade e a facilidade de correção de curso do catamarã são fatores que fazem com que esse transporte de passageiros não provoque impactos relevantes na movimentação de cargas na região. Contudo, o imediato Pedro adverte que uma boia colocada para sinalizar o trajeto para a hidroviária de Guaíba pode confundir os marinheiros inexperientes que seguem para Rio Grande.

Um pouco mais adiante, passando a Ilha das Pedras Brancas (ou do Presídio), encontra-se um dos pontos em que é necessário bastante atenção: o estreito canal do Junco, perto de Itapuã. Quando o Frederico Madörin atingiu essa parte do trajeto já era noite e era possível verificar que alguns faroletes de sinalização da hidrovia estavam apagados. No mesmo local, apesar de o navio contar com GPS e radar, foi o holofote que possibilitou avistar outro caíque que se encontrava próximo à trajetória da embarcação. Novamente, o comandante Jorginho teve que ter um cuidado especial.

Após passar esse trecho e o farol de Itapuã, o Frederico Madörin ingressa na Lagoa dos Patos, onde, à noite, só se consegue observar as luzes dos outros barcos e das cidades ao longe. Na manhã do dia seguinte, o navio já se avizinha de um segundo momento crítico devido ao intenso assoreamento no local: a travessia do canal da Feitoria (situado entre Pelotas e Rio Grande). Também nessa região, são percebidas sinalizações avariadas ou fora do lugar. Além de problemas de desgastes e choques com embarcações, esses equipamentos são alvos de ladrões, que furtam suas peças.

Por coincidência, quando o navio ainda está nas cercanias do canal, uma área que requer maiores cuidados, é quando telefona a mãe do comandante. “Eu com cabelo branco e minha mãe liga preocupada”, brinca Jorginho, que tem 53 anos de idade. A recuperação do sinal do telefone celular demonstra que a viagem está chegando ao seu final. Outra prova é o voo das gaivotas em torno da embarcação.

Chegando ao porto, depois de passar pelas gigantes plataformas de petróleo que estão sendo construídas em Rio Grande, é que os obstáculos reaparecem. O Frederico Madörin atracou às 13h40min de domingo (dia 6) no terminal da Tergasa, quase 18 horas depois de sair da capital gaúcha - se estivesse carregado, levaria mais de 20 horas. E demorou outras 18 horas para ser carregado com aproximadamente 4,6 mil toneladas de trigo argentino. Depois de esperar que outros navios fossem atendidos, o regresso ficou ainda na dependência da liberação da Receita Federal e do Ministério da Agricultura.

As hidrovias absorvem apenas 4% da movimentação de cargas do Estado. Passam por elas, fundamentalmente, itens como celulose, fertilizantes, grãos e derivados de petróleo, entre outros. A solução apontada para o modal superar os obstáculos e crescer é o investimento pesado em novos terminais, dragagens e ampliação de horizontes, como o aproveitamento da Lagoa Mirim, a base principal da chamada hidrovia do Mercosul.

SPH promete melhorar a sinalização

Navios de grande porte não conseguem interromper sua movimentação em curto espaço de tempo. MARCO QUINTANA/JC
“O poder público, tanto o governo estadual como o federal, tem que oferecer as condições para o aproveitamento da hidrovia”, admite o diretor de Hidrovias da SPH, Valmir Rosa Silveira. Nesse sentido, ele afirma que a autarquia adquiriu cerca de 200 boias (de várias características, faroletes, boias cegas etc) que serão instaladas nos próximos três meses.

Segundo o dirigente, a SPH investiu em torno de R$ 1,5 milhão na compra dos equipamentos. A burocracia para a liberação de verbas é outro empecilho que atrapalha o crescimento do transporte de cargas no modal hidroviário. Silveira argumenta que a autarquia depende da Central de Licitações (Celic), além da Secretaria da Fazenda, e isso gera algumas dificuldades.

Também na esfera federal, o repasse de recursos é demorado. Em fevereiro do ano passado, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Secretaria Estadual de Infraestrutura e Logística e SPH convocaram a imprensa para anunciar parceria ao incremento do transporte hidroviário.

A parceria entre os órgãos visa à modernização da hidrovia Uruguai-Brasil, em seus aspectos técnicos de dragagem, sinalização, balizamento e instrumentação. Estas ações deverão ser desenvolvidas conjuntamente entre a Administração de Hidrovias do Sul (AHSul) e a SPH. De acordo com informações divulgadas pela assessoria de imprensa do próprio Dnit, o projeto, que conta com um investimento total de R$ 270 milhões, pretende desenvolver o tráfego hidroviário local, passando de 6 milhões de toneladas ao ano para 17,5 milhões em um prazo de cinco anos, já tendo um aporte inicial de R$ 34 milhões (que ainda não foi liberado). Entre as medidas previstas, estão a recuperação do parque de dragagem da SPH; a dragagem, sinalização e balizamento dos rios Jacuí, Taquari, Gravataí, Sinos, Caí, Guaíba, Lagoa dos Patos, Lagoa Mirim, rio Jaguarão; acessos aos futuros terminais portuários de Guaíba, Tapes, Palmares do Sul e outros portos hidroviários que o estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental apontar como necessários. Além disso, também está prevista a construção de terminais de contêineres em Estrela, Porto Alegre e Rio Grande, dedicados à navegação interior, criando assim mais uma moderna modalidade de transporte de cargas no Rio Grande do Sul.

Apesar dos ousados planos, o diretor de Hidrovias da SPH confirma que os recursos do Dnit ainda não foram liberados. De acordo com a assessoria de imprensa do departamento, o protocolo foi assinado para ser cumprido pela Companhia Docas do Maranhão (Codomar). Essa empresa ainda não tomou as providências necessárias para tal feito, e as tratativas para que o mesmo seja viabilizado pelo Dnit estão em curso, o que deverá ocorrer, conforme a assessoria do departamento, em março deste ano. A Codomar tem como uma de suas vinculadas a AHSul, responsável por hidrovias como o rio Taquari e Lagoa Mirim, entre outras.

Aliança investe em novo navio da série fundadores

Uma prova do potencial do transporte de cargas pela hidrovia gaúcha é o interesse da Navegação Aliança em continuar a “série fundadores” (hoje composta pelos navios Frederico Madörin e Germano Becker). O diretor da companhia, Ático Scherer, revela que a empresa está elaborando projeto de viabilidade econômica para solicitar financiamento à construção do João Mallmann. Assim, os três fundadores estariam homenageados.

Essa embarcação deverá absorver um investimento de aproximadamente R$ 22 milhões e terá capacidade para movimentar 4,7 mil toneladas. Atualmente, compõem a frota da Navegação Aliança 15 embarcações, sendo um empurrador, uma chata e 13 embarcações autopropelidas. A companhia está focada no transporte de granéis sólidos em geral, com destaque para fertilizantes, soja em grãos e farelo, trigo, cavacos de madeira e carvão. A movimentação ocorre principalmente entre o porto do Rio Grande e terminais em Porto Alegre, Canoas, Taquari e Estrela.

Scherer ressalta que a navegação depende de várias atividades complementares para se tornar eficiente, ou seja, precisa de infraestrutura para movimentar grandes volumes em um espaço de tempo curto. “O Rio Grande do Sul não tem um programa de desenvolvimento da navegação interior há décadas, não é prioridade do Estado e de nenhum governo”, lamenta o executivo. Ele acrescenta que os investimentos que são executados se destinam a manter aberta a rota dos navios oceânicos para Porto Alegre, que suprem o Estado de GLP, e manter atividades complementares ao porto do Rio Grande.

De acordo com o executivo, a movimentação das commodities agrícolas não conta com recursos públicos, os rios interiores estão assoreados, não há dragagem e nem sinalização. “Mesmo assim, a navegação interior movimenta mais de 5 milhões de toneladas por ano”, enfatiza Scherer. Ele comenta que a frota hoje em operação na Bacia do Sul opera com ociosidade, por falta de terminais em condições de atender em tempo razoável às operações de carga e descarga.

O dirigente aponta ainda que a infraestrutura existente é da década de 1970, não foi modernizada, e é possível verificar equipamentos mais do que depreciados e sem produtividade. “A navegação opera 24 horas, mas alguns órgãos públicos só trabalham em expediente comercial na liberação das cargas”, diz o executivo. Porém, apesar desse cenário, Scherer afirma que existe a expectativa para, nesta safra de produtos agrícolas, atender a um volume superior ao dos anos anteriores. A meta é ganhar uma produtividade maior e disponibilizar toda frota existente.

Guarita faz aposta em sistema independente de empurradores e barcaças para otimizar transporte

A Intecnial finaliza até janeiro do próximo ano a construção de dois navios empurradores e de duas barcaças, encomendados pela Navegação Guarita. O diretor-executivo da companhia, Werner Barreiro, ressalta que o novo sistema é independente, com o empurrador podendo se acoplar à popa de barcaças distintas. De acordo com o dirigente, esse conceito, futuramente, propiciará uma otimização do transporte de cargas.

“Enquanto uma barcaça fica no terminal carregando ou descarregando, o empurrador estará em viagem com uma outra”, detalha o executivo. Por isso, a Navegação Guarita, se continuar apostando nessa proposta, deverá mirar suas próximas encomendas somente nas barcaças e não nos empurradores.

Cada uma das novas barcaças terá capacidade para movimentar até 5 mil metros cúbicos de derivados de petróleo. O conjunto completo (com empurrador) terá uma boca (largura máxima) de 16 metros e 114 metros de comprimento. O principal cliente das embarcações será a refinaria Alberto Pasqualini (Refap), de Canoas, que as utilizará para transportar diesel. O investimento total, nos dois empurradores e nas duas barcaças, é estimado em torno de R$ 50 milhões.

Barreiro comenta que, apesar desse primeiro momento o foco ser a movimentação de derivados de petróleo, é possível também, mais adiante, trabalhar com outras cargas para diversificar a atividade. Ele admite que poderão ser necessárias algumas adaptações em terminais para a adoção do sistema. Isso porque quando a barcaça ficar no porto e o empurrador partir para buscar outra estrutura, os funcionários do terminal é que terão que proceder qualquer eventual deslocamento.

O dirigente acrescenta que as embarcações são planejadas para operar com um calado de 17 pés. Por isso, ele enfatiza que é importante que a dragagem das hidrovias gaúchas sejam realizadas para evitar o assoreamento.

SPH faz anúncio de R$ 6 milhões para hidrovias gaúchas

Para garantir a segurança da navegação em águas gaúchas, a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) investirá, em 2013, mais de R$ 6 milhões no desassoreamento dos principais rios e lagos que servem de rotas comerciais no Rio Grande do Sul. A informação é do superintendente da SPH, Pedro Obelar.

O dirigente explica que a meta do governo é viabilizar a navegação segura nas 24 horas do dia entre as hidrovias gaúchas. Para isso, R$ 12 milhões foram investidos nos últimos dois anos em sinalização, balizamento e desassoreamento, principalmente entre os rios Guaíba e Jacuí e na Lagoa dos Patos.

Segundo ele, os portos de Porto Alegre e Pelotas, além do polo naval de Charqueadas, possuem áreas disponíveis para instalação de empresas que utilizam as hidrovias ou atuam no setor de navegação.
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=115767

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