LEGISLAÇÃO

quarta-feira, 25 de abril de 2012



O fim da guerra dos portos é constitucional


O Senado Federal deve votar a qualquer momento o projeto de resolução nº 72, de 2010, que promete acabar com a guerra fiscal praticada há décadas por diversos Estados brasileiros. Em sua versão mais recente, denominada guerra dos portos, o que temos verificado é a concessão de benefícios sem a autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) em favor de produtos importados.

O texto em discussão no Senado prevê que a alíquota do ICMS nas operações interestaduais será de 4%, em lugar das alíquotas de 7% e 12% praticadas. Ao estabelecer uma alíquota menor do que as atuais, o projeto de resolução limita significativamente os efeitos que os benefícios fiscais concedidos nas importações por um Estado podem ter sobre a economia e a arrecadação dos demais.

Não se pode negar que a concessão de incentivos e o estímulo ao desenvolvimento regional ou setorial são saudáveis e necessários. Entretanto, na maioria das vezes o que se vê são incentivos sem uma razão de ser.

Benefícios fiscais para produtos importados, criados sem autorização do Confaz, são ilegítimos

Um exemplo é o Espírito Santo, que hoje é refém do Fundo de Desenvolvimento de Atividades Portuárias (Fundap), incentivo fiscal combatido por outros Estados, como São Paulo. O Fundap foi criado em 1972 e desonera as importações desembaraçadas no Espírito Santo. No entanto, se alguém quiser descobrir que benefícios efetivos o Espírito Santo recebeu ao longo de 40 anos, em decorrência do programa, terá dificuldade para descobrir isso. O porto do Estado e seu aeroporto são precários, como declarou recentemente o governador Renato Casagrande na imprensa.

Os argumentos de quem defende a manutenção da guerra fiscal são os seguintes: 1) estaria sendo criada uma distinção tributária ilegítima em favor do produto nacional; e 2) haveria desvio de finalidade, pois o Senado estaria invadindo competência do legislador complementar.

O primeiro argumento não tem a menor sustentação. A resolução não cria uma distinção tributária ilegítima. Na verdade, a distinção tributária ilegítima já existe e foi criada por aqueles Estados que, sem autorização do Confaz, criaram benefícios fiscais que favorecem tão somente os produtos importados. O "setor" da economia que mais se beneficia dos incentivos fiscais unilaterais é a importação de produtos industrializados para simples revenda. Daí a denominação de guerra dos portos.

Fica evidente que, ao invés de estimular o desenvolvimento da indústria nacional, com políticas conscientes de estímulo e desoneração fiscal, alguns Estados incentivam a indústria de outros países, que têm como alvo o mercado doméstico brasileiro.

Os produtos importados competem com ampla vantagem com o produto nacional. Mas não é só. Com o passar dos anos, o produto importado substitui o nacional e a indústria local deixa de produzir. Fica no exterior a geração de emprego e a riqueza gerada pela atividade industrial. Nesse aspecto, a resolução pretende neutralizar os efeitos desses benefícios, estabelecendo condições tributárias idênticas para produtos nacionais e importados.

Também foi invocado o artigo 152 da Constituição Federal, que impede que os Estados, o Distrito Federal e os municípios estabeleçam diferenças tributárias entre bens e serviços em razão de sua procedência ou destino. Sucede que essa norma constitucional se dirige a Estados e municípios, e não ao Senado. Não bastasse isso, o tratamento proposto pelo projeto de Resolução 72/2010 encontra seu fundamento de validade na própria Constituição, nos princípios constitucionais da livre concorrência e da busca do pleno emprego (artigo 170, incisos IV e VIII). O segundo argumento não tem melhor sorte.

A competência para o Senado dispor sobre as alíquotas interestaduais do ICMS é soberana e não lhe pode ser subtraída. É essa competência que o Senado exerce ao fixar a alíquota interestadual de 4% nas operações com produtos provenientes do exterior. A competência do legislador complementar é outra e não se confunde com a do Senado. O legislador complementar, diga-se de passagem, exerceu competência com maestria ao aprovar a Lei Complementar nº 87, de 1996 (Lei Kandir) e a Lei Complementar nº 24, de 1975, que criou o Confaz e estabeleceu os critérios para a concessão de incentivos e benefícios fiscais.

Se houve violação à competência de alguém, é certo dizer que houve violação à competência do Confaz, pois foram criados diversos benefícios fiscais sem a sua autorização, em que pese a clareza da Lei Complementar nº 24/1975.

Com o passar dos anos e diante do silêncio do Judiciário, chegamos a situações extremas. Benefícios fiscais deixaram de ser concedidos para atrair uma indústria ou para desenvolver um setor da economia. Aliás, como alegou a procuradoria do Estado de São Paulo no julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tais benefícios foram criados apenas para retaliar os outros Estados.

O STF tem reiteradamente declarado a inconstitucionalidade da legislação que concedeu tais benefícios sem a autorização do Confaz. Apesar disso, há outras leis e decretos contaminados pelo mesmo vício, que ainda não foram declarados inconstitucionais. Ao mesmo tempo, tem se falado na recriação de benefícios anteriores, sob nova roupagem, contrariando o que decidiu o STF.

Diante desse cenário, o governo federal e a maior parte dos estados deseja a aprovação do projeto de resolução que objetiva acabar com a guerra fiscal.

Já foi dito e repetido inúmeras vezes que a insegurança jurídica é inimiga de novos e duradouros investimentos. O país vive um boom de investimentos estrangeiros, como nunca na história deste país. A última coisa que se deseja é que a insegurança jurídica seja um freio para estes investimentos.

Se for aprovado, o projeto de resolução deve inaugurar uma nova era na relação entre Estados (bilateralmente ou por meio do Confaz) e contribuintes e, principalmente, na racionalização da concessão de benefícios fiscais para o desenvolvimento de regiões e setores da economia.

Que seja bem-vindo.

Fonte: Valor Econômico/João Agripino Maia



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