STF prepara tiro de misericórdia na guerra dos portos
Apesar de a resolução 72/2010 ter limitado poder de fogo dos estados, só a votação de uma súmula vinculante vai colocar fim às rusgas causadas pelos descontos de ICMS
Em consulta pública desde o dia 24 e até 13 de maio, uma súmula vinculante proposta pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes quer impedir a concessão de desconto tributário quando não houver autorização unânime do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os 27 secretários estaduais de Fazenda. Apesar de a aprovação da resolução 72/2010 no Senado ter limitado o poder de fogo dos estados na chamada “guerra dos portos”, é a súmula que realmente porá fim à questão e às rusgas causadas pelos descontos de ICMS – pode chegar a cem o número de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) sobre o tema à espera de decisão no Tribunal, ao menos duas contra o Paraná.
Como funciona
Veja como é feita a cobrança do ICMS sobre importados:
Quem paga
ICMS incide na entrada, no transporte e na venda do produto importado. O desconto dado por estados como Santa Catarina e Espírito Santo funciona como se o produto que entre por portos de um desses estados pagasse uma taxa de câmbio menor.
Alíquota
A alíquota média praticada no país para uma mercadoria importada é de 18%. As taxas interestaduais nominais – do estado de origem para o estado de destino – variam entre 7% e 12%.
Importado
Em uma simulação onde a taxa interestadual seja de 12% e o produto entre por um estado que conceda incentivo fiscal de 75% de crédito presumido, a mercadoria importada paga, na prática, apenas 3% de ICMS na entrada e segue para o estado de destino pagando mais 6%. Ao todo, pagará 9%.
Nacional
Um bem nacional paga os 12% de ICMS no estado de origem e segue para o destino pagando outros 6%. No fim das contas, pagará 18%. É como se a taxa de câmbio estivesse 9% mais baixa para o importado: em vez de R$ 1,80, seria de R$ 1,64.
Paraná ainda não sabe se perde ou ganha
Os departamentos de tributação, fiscalização e arrecadação da Secretaria de Estado da Fazenda vão se reunir pela primeira vez para calcular as consequências do ICMS unificado para o estado na próxima quarta-feira.
Em 2011, o volume arrecado a partir de importadores paranaenses – via Paranaguá ou não – foi de R$ 38 bilhões, montante equivalente a um incremento de 47% no recolhimento do estado em relação ao ano anterior. Cerca 75% desse total – R$ 28,5 bilhões – vem do setor industrial, considerando também as operações feitas via Paranaguá e com o benefício atual de 75% de crédito presumido. “Ainda temos que nos debruçar sobre o tema para estimar o quanto poderemos perder ou ganhar com as novas regras”, explica o inspetor-geral de fiscalização da Receita Estadual, Clovis Rogge.
De antemão, sabe-se que a indústria pagará 1% a mais que hoje – pelas regras atuais, a importação de insumos e componentes para o setor recolhe 3% de ICMS. Por outro lado, comércio, que hoje paga 6%, pagará 2% a menos. “A bem da verdade, o impacto dependerá, em grande medida, do desempenho atividades econômicas do estado no ano que vem”, ressalta Rogge.
Ponto positivo
Além do Porto de Santos, apontado como o terminal que mais ganhará com o ICMS unificado por ser a principal porta de entrada direta de importados para o mercado consumidor do país, o de Paranaguá também pode ser beneficiado. O terminal paranaense tem uma vocação bem definida: cerca de dois terços da sua movimentação são do segmento de granéis. Ainda assim, há investimentos sendo feitos para a ampliação da capacidade de entrada de outros tipos de cargas – só o Terminal de Contêineres prevê investir R$ 250 milhões neste ano.
“É muito difícil quantificar qualquer estimativa agora, até porque todos os portos ficaram em pé de igualdade em termos fiscais. Mas, preliminarmente, acredito que a eficiência logística e a proximidade com os grandes mercados consumidores [como São Paulo e Rio de Janeiro] passam a ter um peso maior. É uma mudança que não ocorrerá de uma hora para outra, levará algum tempo”, avalia o superintendente da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa), Luiz Henrique Dividino.
Vizinho
Santa Catarina prevê perda de arrecadação de R$ 1,7 bilhão ao ano
O Porto de Imbituba, em Santa Catarina – onde a Santos Brasil, a mesma operadora do porto paulista, tem investido –, emitiu uma nota logo após a aprovação do ICMS unificado dizendo que o terminal deverá sofrer uma redução de cerca de 15% em sua movimentação total de mercadorias. Isso porque a medida atinge boa parte dos principais produtos que passam por ali, como fertilizantes e grãos, trigo, cevada e outros.
O governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, marcou para o próximo dia 7 uma reunião com portuários e empresas de logística para discutir maneiras de driblar o impacto da resolução 72. Entre as possíveis formas de abrandar o baque – que significará uma perda de arrecadação da ordem de R$ 1,7 bilhão anual, segundo a Secretaria da Fazenda do estado – está a concessão de outros incentivos, como a redução do Imposto Sobre Serviços (ISS) pelos municípios.
Exceções
O novo ICMS interestadual tem exceções: produtos que não tenham similar nacional, os listados nas leis de Informática e do Padis e os fabricados no Polo Industrial de Manaus.
A proposta de súmula vinculante segue o entendimento do STF em relação a 14 ações sobre o tema julgadas ainda em junho do ano passado. Elas provocaram mudanças na cobrança do ICMS inclusive no Paraná – que por sete anos, até outubro passado, concedeu descontos fiscais para atrair cargas importadas.
Entre as consequências da votação da súmula está a obrigação de um novo acordo pelo Confaz em relação à cobrança de ICMS como um todo no país. Algo de difícil execução, tendo em vista que a própria resolução 72 não seria necessária se o Conselho tivesse chegado a um consenso antes. “No dia seguinte [à aprovação da súmula], o Confaz terá de reescrever o ICMS [a Lei Complementar 87/1996, conhecida como Lei Kandir] e definir uma diretriz única de atuação dali para a frente. Decisões unilaterais estarão banidas”, comenta o secretário estadual da Fazenda, Luiz Carlos Hauly.
O inspetor-geral da Receita Estadual, Clovis Rogge, é ainda mais incisivo: “Se algum governador ou secretário quiser dar desconto à revelia da legislação será punido de acordo com a Lei de Improbidade Administrativa”. Segundo a lei, incorre em ato de improbidade qualquer dirigente que “conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares”. As punições incluem ressarcimento integral do prejuízo, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de cinco anos.
Aplicação
As novas regras reduzem a alíquota interestadual do ICMS para produtos importados das duas faixas atuais (12% e 7%) para 4% a partir de 2013 e valem para produtos que, após o trâmite aduaneiro, não passem por qualquer modificação industrial ou que mantenham conteúdo local inferior a 60% – esse quociente será calculado com base nas normas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ao menos até que o Confaz estabeleça um parâmetro específico.
Estados lutam para pagar juro menor à União
A aprovação da resolução 72 abre espaço para uma intensa negociação entre estados e União para a troca do indexador das dívidas internas das unidades da Federação, que querem um alívio no peso de sua dívidas com a União – segundo o Tesouro Nacional, o estoque desses débitos passa de R$ 400 bilhões.
São contas que foram refinanciadas pela União com os credores dos estados em 1997. Ao Paraná, o Banco Central emprestou R$ 5,7 bilhões entre 1998 e 2000 para o saneamento dos débitos do Banestado. Na época da renegociação, o indexador escolhido para a correção das dívidas estaduais foi o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) – então em pouco mais de 7% – mais 6% a 9%, dependendo do estado.
Quinze anos depois, os estados lutam para trocar o IGP-DI por um indexador menos influenciado por fatores externos. O favorito é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais próximo da realidade do consumidor comum do país. A inclinação do governo federal é pela adoção da taxa básica de juros (Selic), que está longe de agradar a todos.
No ano passado, por exemplo, a taxa anualizada da Selic ficou em 11,62% – abaixo dos 21,32% pagos por quem tem dívida corrigida pelo IGP-DI mais 9%, mas acima dos 11,31% arcados pelos estados que pagam IGP-DI mais 6%. Mesmo ficando no teto da meta, o IPCA de 2011, de 6,5%, seria a opção mais suave.
Quando a lei de refinanciamento das dívidas estaduais foi aprovada, a taxa Selic estava perto de 30% ao ano, por isso não foi nem cogitada. O IGP-DI estava pouco acima de 7%. Entre pagar os juros altíssimos dos bancos e federalizar a dívida, a segunda opção foi bem mais atraente.
A mudança pelo IPCA, como queriam os estados, levaria a uma redução maior nas dívidas, de 38,5%. Enquanto o IGP-DI acumulou 245,7% de 1997 a março deste ano, o IPCA variou menos, 149,7%. No caso do Paraná, uma simulação da Secretaria de Estado da Fazenda com dados até fevereiro último, trocando o IGP-DI pelo IPCA, resulta em uma economia de R$ 1 milhão mensais apenas em juros. A parcela mensal, por sua vez, cairia de R$ 73,08 milhões para R$ 71,5 milhões.
Além da troca do indexador, os estados também pedem a diminuição do comprometimento anual de suas receitas, hoje em cerca de 14%, para 9%; e a ampliação do tempo de amortização das dívidas, de dez para 20 anos.
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