(IN SOLÚVEL: DE COMO SE MATA A EXPORTAÇÃO)
Das exportações de
nossos produtos industrializados talvez nenhum tenha a gloriosa história do café
solúvel. Sua vantagem comparativa foi construída na dura disputa de uma década
com a administração dos EUA, que queriam que impuséssemos um imposto de
"exportação" para proteger seus produtores.
Foi o tempo de "o
que importa é exportar". A exportação garantia alta taxa de crescimento do PIB
sem crises no balanço em conta corrente. Tudo isso hoje parece muito distante,
mas se você ficar parado, a história pode voltar a passar por
aqui.
Mas qual é o
problema? Comecemos pelo começo: 1) o desastrado sistema tributário: com a
instituição da Lei Kandir, que entrou em vigor em setembro de 1996, foi criada
uma grande distorção no sistema tributário. Enquanto as exportações de café
verde ficaram totalmente isentas do recolhimento do ICMS, as indústrias de café
solúvel, que compram o café verde de outros Estados para industrialização, foram
obrigadas a recolher o ICMS. Com isso acumulam créditos de ICMS cobrados sobre
os insumos (café verde) usados na fabricação dos seus
produtos.
Em que mundo
perdido vivem Itamaraty e Indústria e Comércio?
Esses recursos
ficam indisponíveis até que os fiscos estaduais se predisponham a devolvê-los,
sem qualquer atualização monetária. O mais indecente é que quando o Estado
libera os créditos de ICMS, o faz na forma de "certificados de crédito", que as
empresas negociam com um deságio médio de 10%. Isso é prejuízo líquido da
empresa transferido como lucro para outros.
Os exportadores
também acumulam impostos federais, como PIS e Cofins. O motivo do acúmulo dos
créditos é o mesmo do ICMS. Entre ICMS, PIS e Cofins, estima-se que o crédito
acumulado do setor em 31/12 de 2011 era de aproximadamente R$ 130 milhões,
consumindo o capital de giro das empresas. Isso as obriga a tomar empréstimos
bancários a juros extorsivos, que destroem ainda mais a sua competitividade. Em
que mundo vive tal manicômio fiscal?
2) o descuido da
política comercial externa: o Brasil é o único entre os 20 principais
fornecedores de café para a União Europeia (UE) que tem exportações de solúvel
taxadas em 9%. O Vietnã e a Indonésia, respectivamente segundo e terceiro
maiores produtores mundiais de café, mais a Índia, são taxados em apenas 3,1%,
de acordo com o Generalized System of Preferences (GSP). Colômbia, hoje o quarto
maior produtor mundial de café, México e Equador estão isentos de taxa de
importação, beneficiados por acordos bilaterais com a UE.
O Japão, um dos
principais mercados do café brasileiro, ratificou acordo de cooperação econômica
com os países membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) para a
eliminação gradual de taxa de importação para o café solúvel e o extrato de café
exportados do bloco, que inclui, entre outros, Vietnã, Indonésia e
Malásia.
A Indonésia já está
isenta de taxa, a Malásia será isenta em 2013, e hoje apenas é taxada em 1,1%. O
Vietnã será isento em 2016. Hoje, é taxado em 4,4%. O Brasil tem seu café
solúvel taxado em 8,8%, enquanto se enrola em discursos multilaterais! E pior, o
extrato de café é taxado em 15% no Japão, nosso maior mercado. Em que mundo
perdido vivem o Itamaraty e o nosso Ministério de Indústria e
Comércio?
3) Protecionismo
mal disfarçado: Vietnã, Indonésia, Colômbia, Índia, México, Equador e Malásia
são responsáveis por 60% do volume total de exportação de solúvel. Todos
permitem que suas indústrias desfrutem do benefício universal do "drawback" de
matéria-prima, para que se mantenham permanentemente competitivos no mercado
internacional, alcancem os mais diversos mercados consumidores e ofereçam
"blends" diferenciados.
Sob a falsa
alegação de "defesa sanitária", o Brasil não dá essa condição, o que deixa sua
indústria sem condições de operar com competitividade. A produção de conillon é
insuficiente para atender às demandas de consumo interno, exportação in natura e
industrialização para o solúvel, mas o setor é impossibilitado de buscar
matéria-prima em um ambiente regulado pelo mercado internacional onde estão seus
clientes. Com isso, fica refém de preços artificiais e distorcidos do mercado
interno nacional de café verde, não podendo importar matéria-prima para exportar
produto de maior valor agregado.
Todas essas
situações combinadas têm estimulado a expansão da indústria no exterior, que vem
recebendo grandes investimentos em novas fábricas e incremento de capacidade das
já existentes, enquanto as nossas estão sendo destruídas. Ao liberar o
"drawback", sinalizaríamos claramente que temos as condições permanentes para
nos manter competitivos a médio e longo prazo. Isso provavelmente daria
segurança às indústrias de países consumidores para desativarem suas plantas,
transferindo-as para o Brasil. Afinal, onde anda o Ministério da
Agricultura?
Diante desses fatos
não é tão difícil entender por que a Alemanha e a Suíça tornaram-se grandes
exportadores de café torrado e moído, enquanto matamos nossa indústria de
solúvel. Notaram que não se falou nas taxas de câmbio?
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento
Valor Econômico
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