Créditos presumidos de PIS e Cofins nas exportações
Dentre
os instrumentos instituídos no Brasil para garantir a neutralidade tributária
nas exportações, temos a manutenção de créditos dos tributos não-cumulativos,
inclusive o PIS e a Cofins, incidentes nas operações anteriores à exportação.
Esta sistemática consubstancia-se como complementação da técnica fiscal de
garantia de tributação unicamente no “destino”, com o objetivo de não exportar
tributos, para promover competitividade internacional perene e sempre
crescente.
O ordenamento jurídico brasileiro adotou o “princípio do destino”, o que impõe a completa desoneração das exportações. Desse modo, não se faz necessária tão-somente a desoneração relativamente aos tributos incidentes sobre a exportação, mas, sim, de toda a cadeia produtiva, uma vez que a tributação incidente em etapas anteriores inevitavelmente influi no preço praticado quando da exportação. Logo, a não devolução de créditos relativos à tributação incidente na cadeia produtiva de produto exportado enseja, necessariamente, a “exportação de tributos”.
Por conseguinte, o direito à apuração de créditos do PIS e da Cofins acumulados em decorrência da exportação de produtos é medida imprescindível para garantir igualdade de tratamento fiscal para os produtos nacionais exportados para o exterior, mediante desoneração completa da carga tributária incidente, acompanhando os expedientes adotados por todos os países. Nisso não há nada de “incentivo fiscal”, mas de simples cumprimento da garantia de “não-cumulatividade” ao longo das cadeias de produção, de modo possibilitar a efetiva desoneração das exportações.
Estes métodos de devolução do IVA fazem parte do regime típico de tributação com base no destino, em plena compatibilidade com o sistema GATT, que tem a vantagem de permitir o consumo de um mesmo produto, no exterior, com idêntico custo fiscal, seja qual for a procedência, variando o preço segundo outros fatores, inerentes à atividade produtiva, sem interferência do Estado. Com isso, garante-se simplesmente uma eficiência na produção, para obter vantagem competitiva, sem qualquer afetação estatal ou algum privilégio atribuído. O GATT tem como objetivo fundamental reduzir ou remover barreiras ao comércio, o que não se verifica com a simples desoneração dos impostos incidentes na exportação, desde que isso não supere os limites dos seus custos e passe a servir como medida de financiamento.
Assim, para evitar os nocivos e indesejáveis efeitos da cumulatividade e da exportação de tributos faz-se necessário que haja um mecanismo eficaz que permita a recuperação do ônus fiscal incorrido ao longo da cadeia produtiva. E, para esse fim, é que se apresentam as medidas de devolução dos créditos ordinários da não-cumulatividade que se acumulam quando da exportação; bem como daqueles créditos presumidos, pelas mesmas razões, já que estes equivalem à cumulação funcional e que se não permite exclusão ao tempo da entrada do insumo.
Pelo modelo de não-cumulatividade adotado para as contribuições ao PIS/Pasep e Cofins há dois regimes distintos para apuração dos créditos: (i) os descontos apurados a partir dos ingressos de insumos e outros, como prescrito em lei (regime geral) e (ii) a antecipação de crédito presumido, igualmente definido em lei (regime especial). Cabe ao legislador determinar o tratamento a ser empregado em cada caso.
O regime especial de crédito presumido foi, inicialmente, atribuído para as indústrias de produtos alimentícios de origem vegetal e animal por meio dos artigos 3, parágrafos 5º e 6º, da Lei 10.833/2003, dispositivos que foram revogados pela Lei 10.925/2004, a qual dispôs acerca do regime em questão em seu artigo 8º, cujo caput e parágrafo primeiro ostentam a seguinte redação:
“Art. 8º As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classificadas nos capítulos 2, 3, exceto os produtos vivos desse capítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física. (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)(Vigência)(Vide Lei nº 12.058, de 2009)(Vide Lei nº 12.350, de 2010)
§ 1º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às aquisições efetuadas de:
I — cerealista que exerça cumulativamente as atividades de limpar, padronizar, armazenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal, classificados nos códigos 09.01, 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, 12.01 e 18.01, todos da NCM; (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
II — pessoa jurídica que exerça cumulativamente as atividades de transporte, resfriamento e venda a granel de leite in natura; e
III — pessoa jurídica que exerça atividade agropecuária e cooperativa de produção agropecuária.(Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004).”
Evidencia-se que o crédito presumido do PIS e da Cofins previsto no artigo 8º da Lei 10.925/2004 é instrumento complementar ao crédito ordinário do regime geral.
Nesse sentido, o crédito presumido do PIS e da Cofins ora analisado alcança as hipóteses nas quais o contribuinte não poderia aproveitar os créditos ordinários da sistemática não-cumulativa, em virtude da ausência de escrituração ou de qualquer outro impedimento, como é o caso da originação das mercadorias dá-se a partir de pessoas físicas ou cooperativas, com a finalidade de exportação.
A definição desse regime deve ser coerente com a necessidade de tributação única sobre as receitas, acompanhadas necessariamente dos descontos relativos ao montante “acumulado” na cadeia. Como determinadas aquisições de produtos para industrialização ou revenda não geram direito a crédito ordinário passível de dedução, como, por exemplo, as aquisições realizadas de pessoas físicas (produtores agrícolas ou cooperados), justifica-se o crédito presumido.
Como dispõem as Leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, os créditos somente podem ser apropriados a partir das aquisições de pessoas jurídicas, na forma do artigo 3º e seu parágrafo 3º, a saber:
“Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:I — bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)
a) no inciso III do § 3º do art. 1º desta Lei; e (Redação dada pela Lei nº 11.727, de 23 de junho de 2008)
b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei; (Redação dada pela Lei nº 11.787, de 25 de setembro de 2008)II — bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda (...).
§ 3o O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação:
I — aos bens e serviços adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no país.”
De se ver que a aquisição de produtos de pessoas físicas e de cooperativas, ou com suspensão da Contribuição ao PIS e da Cofins, traz ínsito o poder de gerar para os exportadores inequívoca cumulatividade, já que muitos dos insumos adquiridos por aquelas pessoas sujeitam-se à incidência das contribuições.
Os créditos ordinários do PIS e da Cofins são instrumentos para concretizar o princípio da isonomia, o princípio de neutralidade concorrencial, que objetiva evitar “distorções da concorrência”, e, caso se trate de exportações, do “princípio do destino” (neutralidade fiscal nas exportações), mas que não se podem confundir com os incentivos fiscais. São fenômenos jurídicos absolutamente distintos.
Com efeito, numa cadeia produtiva relativamente simples, como a da soja ou do milho, a aquisição a partir de pessoas físicas ou cooperados não lhes vinculam direito ao crédito ordinário da não-cumulatividade. No entanto, diante da reconhecida circunstância de a soja ou o milho suportarem a repercussão da incidência do PIS e da Cofins, na medida em que os produtores agrícolas utilizaram-se de insumos sujeitos à incidência do PIS e da Cofins, para garantir a isonomia de tratamento, legítimo o direito de acesso ao crédito presumido dessas contribuições.
A adoção da sistemática do “crédito presumido” outorgado pela Lei 10.925/2004, como visto, tem como fim evitar distorções ao longo da cadeia produtiva e privilégio aos grandes produtores (pessoas jurídicas) em detrimento de pessoas físicas, que teriam o preço da mercadoria majorado, em virtude da impossibilidade da imputação do direito de crédito ordinário da não-cumulatividade do PIS e da Cofins. Na ausência do crédito presumido as indústrias que adquirem produtos agrícolas certamente dariam preferência aos fornecedores pessoas jurídicas, tendo em vista o incontornável direito à dedução dos créditos ordinários de PIS e Cofins.
Assim, para evitar o agravamento da tributação e a afronta aos princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da neutralidade fiscal concorrencial e, no caso de exportação dos produtos alimentícios, usou-se instituir o referido crédito presumido, na condição de regime especial, para afastar essa cumulatividade sobre produtos alimentícios de origem animal e vegetal.
Perscrutar a finalidade do crédito presumido é parte fundamental da solução do caso em apreço. Pelo exame de finalidade é possível identificar a extensão do crédito. E a finalidade é indissociável da observação do produto beneficiado pelo regime especial. Aqui o produto final que tem seu ônus reduzido pelo crédito presumido do PIS e da Cofins são alimentos de origem animal ou vegetal, indispensáveis à alimentação humana.
Esta é a única interpretação conforme a Constituição e coerente com o sentido do “crédito presumido” na forma de regime especial, que só se justifica para alcançar aquelas operações que não geram créditos ordinários. O crédito presumido deve ser compreendido de acordo com sua finalidade, que é aquela de permitir a não-cumulatividade e a neutralidade fiscal dos produtos relativamente aos quais a apuração de créditos no regime de apuração geral é vedada.
O crédito presumido é modalidade de regime especial, mas não propriamente de incentivo fiscal, cujo exame requer que seja observado o produto final que suportará a incidência do PIS e da Cofins, como também a finalidade que motivou a sua concessão.
Como dito acima, denominamos de regime geral do PIS e da Cofins a sistemática não-cumulativa que se sujeita à apuração dos créditos das contribuições, na forma do artigo 3º da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003; estes créditos ordinários não se confundem com os chamados créditos presumidos, que se consubstanciam em espécie de regime especial, sem que isso se possa definir como modalidade de “incentivo fiscal”, como se verifica com aquele outorgado pelo artigos 8º da Lei 10.925/2004.
Assim, como se depreende, o crédito presumido do PIS e da Cofins outorgado pelo artigo 8º Lei 10.925/2004 não é beneficio fiscal que confere aos beneficiados alguma vantagem; mas típico regime especial que se concebe como exceção ao regime geral, em harmonia com o princípio da isonomia, da capacidade contributiva, da neutralidade fiscal, diferenciando-se apenas pela fixidez da sua base, ademais da sua redução proporcional.
O artigo 8º da Lei 10.925/2004 é, portanto, um regime especial que visa a garantir a continuidade da não-cumulatividade ao longo da cadeia dos produtos de origem animal ou vegetal, preservada a finalidade do regime geral nos casos excepcionais que justificam o seu emprego.
Esse regime especial de “crédito presumido” não se converte, por si só, em “incentivo fiscal”, na medida em que sua função equivale ao mecanismo inerente à sistemática não-cumulativa das contribuições. Toda a sua análise deve ser empreendida, portanto, em conformidade com a finalidade da técnica não-cumulativa, o que permite a realização dos princípios já mencionados, e não com qualquer outro aspecto de caráter extrafiscal ou quejando.
O crédito presumido aqui tratado tem aplicabilidade restrita e alcança determinadas mercadorias produzidas com insumos adquiridos de pessoas físicas, cooperados pessoas físicas, cujas operações não geram créditos ordinários do PIS e da Cofins; e igualmente no caso dos insumos adquiridos com suspensão dessas contribuições (art. 8º, § 1º e art. 9º da Lei nº 10.925/2004).
A literalidade do artigo 8º sugere vincular o crédito presumido unicamente à produção das mercadorias classificadas nos capítulos e códigos listados. Portanto, tem-se, em princípio, como elegível ao crédito presumido toda e qualquer pessoa jurídica que produza as mercadorias ali listadas. Essa compreensão, porém, reduziria sua funcionalidade naqueles casos onde deveriam ser aplicáveis a imunidade à exportação e o princípio da não cumulatividade ao PIS e à Cofins. Por serem regras constitucionais e, tanto mais, porque a adoção desses critérios em situações equiparadas e em tudo semelhantes (insumos adquiridos de pessoas físicas, cooperados pessoas físicas, cujas operações não geram créditos ordinários do PIS e da Cofins) implicaria inequívoca afetação ao princípio de não discriminação (art. 150, II, da CF), haja vista o tratamento diferenciado entre situações equivalentes, não há como afastar sua aplicação naqueles casos de exportação de grãos que atendam aos mesmos requisitos, em respeito aos princípios da neutralidade e da proibição de uso do tributo com efeito de confisco.
Ora, a finalidade do artigo 8º da Lei 10.925/2004 é garantir ao adquirente o direito de exportar produtos com “acúmulo de créditos” de PIS/Cofins cuja funcionalidade do mecanismo de não cumulatividade adotado não tem como autorizar o aproveitamento dos créditos acumulados ao longo da cadeia produtiva, a colidir com os princípios da isonomia e da neutralidade concorrencial. Numa interpretação conforme à Constituição, não tem justificativa lógica e racional que se admitisse manter créditos acumulados de PIS/Cofins unicamente pela diferenciação das pessoas que vendem os produtos agrícolas: (i) impedimento para utilização de créditos ordinários da não-cumulatividade em relação à aquisição de pessoas físicas ou cooperativas de pessoas físicas e; (ii) autorização para aproveitamento de créditos ordinários, na aquisição de produtos agrícolas de pessoas jurídicas. Por conseguinte, a atribuição do crédito presumido de PIS/Cofins, conferida à aquisição de pessoas físicas ou cooperativas de pessoas físicas deve ser abrangente, por não se tratar de benefício fiscal, mas de típico caso de cumprimento do princípio de não cumulatividade e respeito à garantia de isonomia.
A concessão do crédito presumido do artigo 8º Lei 10.925/2004 restaura o equilíbrio, pois permite à pessoa jurídica que não teria direito aos créditos ordinários da não-cumulatividade, que esta possa aproveitar o crédito presumido do PIS/Cofins. Para uma idêntica situação (aquisição de produtos agrícolas de pessoas físicas ou cooperativas de pessoas físicas), deve ser o mesmo tratamento (créditos presumidos).
No caso de regime especial de crédito presumido, entre empresas que se encontram sujeitas ao regime não cumulativo, não pode prevalecer a “atividade” (indústria ou comércio), mas o “produto” adquirido de pessoas físicas ou cooperativas de pessoas físicas (origem dos créditos nas operações não cumulativas), para definir o direito subjetivo à compensação, a partir das operações antecedentes que não permitam gerar créditos.
O artigo 8º da Lei 10.925/2004, ao vincular o crédito aos produtos classificados nos capítulos e códigos ali relacionados estabeleceu discrimen perfeitamente proporcional à sua finalidade, porquanto os produtos listados têm origem animal ou vegetal, o que justifica que seus fornecedores sejam pessoas físicas, uma vez que, como é cediço, no Brasil, a maior parte dos produtores rurais é representada por pessoas físicas. Ademais, são produtos para alimentação humana ou animal e, por isso, sua destinação justifica a necessidade do crédito presumido para desonerá-los integralmente na etapa final da cadeia de exportação.
Em conclusão, a única interpretação do artigo 8º da Lei 10.925/2004 condizente com os princípios do ordenamento jurídico brasileiro é aquela que, preservado o juízo de igualdade, limita-se com base no discrimen produto. Desta forma as empresas que não produzem, mas apenas revendem os produtos referidos no caput do artigo mencionado terão o direito à apuração do crédito presumido previsto nesse dispositivo. Ora, se a finalidade da norma é autorizar a exclusão dos “créditos acumulados”, é necessário, adequado e razoável que tal norma vincule o crédito presumido a produtos em cujas cadeias o acúmulo de créditos seja efetivamente verificado, haja vista, por exemplo, a presença maciça pessoas físicas em tais cadeias.
O ordenamento jurídico brasileiro adotou o “princípio do destino”, o que impõe a completa desoneração das exportações. Desse modo, não se faz necessária tão-somente a desoneração relativamente aos tributos incidentes sobre a exportação, mas, sim, de toda a cadeia produtiva, uma vez que a tributação incidente em etapas anteriores inevitavelmente influi no preço praticado quando da exportação. Logo, a não devolução de créditos relativos à tributação incidente na cadeia produtiva de produto exportado enseja, necessariamente, a “exportação de tributos”.
Por conseguinte, o direito à apuração de créditos do PIS e da Cofins acumulados em decorrência da exportação de produtos é medida imprescindível para garantir igualdade de tratamento fiscal para os produtos nacionais exportados para o exterior, mediante desoneração completa da carga tributária incidente, acompanhando os expedientes adotados por todos os países. Nisso não há nada de “incentivo fiscal”, mas de simples cumprimento da garantia de “não-cumulatividade” ao longo das cadeias de produção, de modo possibilitar a efetiva desoneração das exportações.
Estes métodos de devolução do IVA fazem parte do regime típico de tributação com base no destino, em plena compatibilidade com o sistema GATT, que tem a vantagem de permitir o consumo de um mesmo produto, no exterior, com idêntico custo fiscal, seja qual for a procedência, variando o preço segundo outros fatores, inerentes à atividade produtiva, sem interferência do Estado. Com isso, garante-se simplesmente uma eficiência na produção, para obter vantagem competitiva, sem qualquer afetação estatal ou algum privilégio atribuído. O GATT tem como objetivo fundamental reduzir ou remover barreiras ao comércio, o que não se verifica com a simples desoneração dos impostos incidentes na exportação, desde que isso não supere os limites dos seus custos e passe a servir como medida de financiamento.
Assim, para evitar os nocivos e indesejáveis efeitos da cumulatividade e da exportação de tributos faz-se necessário que haja um mecanismo eficaz que permita a recuperação do ônus fiscal incorrido ao longo da cadeia produtiva. E, para esse fim, é que se apresentam as medidas de devolução dos créditos ordinários da não-cumulatividade que se acumulam quando da exportação; bem como daqueles créditos presumidos, pelas mesmas razões, já que estes equivalem à cumulação funcional e que se não permite exclusão ao tempo da entrada do insumo.
Pelo modelo de não-cumulatividade adotado para as contribuições ao PIS/Pasep e Cofins há dois regimes distintos para apuração dos créditos: (i) os descontos apurados a partir dos ingressos de insumos e outros, como prescrito em lei (regime geral) e (ii) a antecipação de crédito presumido, igualmente definido em lei (regime especial). Cabe ao legislador determinar o tratamento a ser empregado em cada caso.
O regime especial de crédito presumido foi, inicialmente, atribuído para as indústrias de produtos alimentícios de origem vegetal e animal por meio dos artigos 3, parágrafos 5º e 6º, da Lei 10.833/2003, dispositivos que foram revogados pela Lei 10.925/2004, a qual dispôs acerca do regime em questão em seu artigo 8º, cujo caput e parágrafo primeiro ostentam a seguinte redação:
“Art. 8º As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classificadas nos capítulos 2, 3, exceto os produtos vivos desse capítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física. (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)(Vigência)(Vide Lei nº 12.058, de 2009)(Vide Lei nº 12.350, de 2010)
§ 1º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às aquisições efetuadas de:
I — cerealista que exerça cumulativamente as atividades de limpar, padronizar, armazenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal, classificados nos códigos 09.01, 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, 12.01 e 18.01, todos da NCM; (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
II — pessoa jurídica que exerça cumulativamente as atividades de transporte, resfriamento e venda a granel de leite in natura; e
III — pessoa jurídica que exerça atividade agropecuária e cooperativa de produção agropecuária.(Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004).”
Evidencia-se que o crédito presumido do PIS e da Cofins previsto no artigo 8º da Lei 10.925/2004 é instrumento complementar ao crédito ordinário do regime geral.
Nesse sentido, o crédito presumido do PIS e da Cofins ora analisado alcança as hipóteses nas quais o contribuinte não poderia aproveitar os créditos ordinários da sistemática não-cumulativa, em virtude da ausência de escrituração ou de qualquer outro impedimento, como é o caso da originação das mercadorias dá-se a partir de pessoas físicas ou cooperativas, com a finalidade de exportação.
A definição desse regime deve ser coerente com a necessidade de tributação única sobre as receitas, acompanhadas necessariamente dos descontos relativos ao montante “acumulado” na cadeia. Como determinadas aquisições de produtos para industrialização ou revenda não geram direito a crédito ordinário passível de dedução, como, por exemplo, as aquisições realizadas de pessoas físicas (produtores agrícolas ou cooperados), justifica-se o crédito presumido.
Como dispõem as Leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, os créditos somente podem ser apropriados a partir das aquisições de pessoas jurídicas, na forma do artigo 3º e seu parágrafo 3º, a saber:
“Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:I — bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)
a) no inciso III do § 3º do art. 1º desta Lei; e (Redação dada pela Lei nº 11.727, de 23 de junho de 2008)
b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei; (Redação dada pela Lei nº 11.787, de 25 de setembro de 2008)II — bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda (...).
§ 3o O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação:
I — aos bens e serviços adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no país.”
De se ver que a aquisição de produtos de pessoas físicas e de cooperativas, ou com suspensão da Contribuição ao PIS e da Cofins, traz ínsito o poder de gerar para os exportadores inequívoca cumulatividade, já que muitos dos insumos adquiridos por aquelas pessoas sujeitam-se à incidência das contribuições.
Os créditos ordinários do PIS e da Cofins são instrumentos para concretizar o princípio da isonomia, o princípio de neutralidade concorrencial, que objetiva evitar “distorções da concorrência”, e, caso se trate de exportações, do “princípio do destino” (neutralidade fiscal nas exportações), mas que não se podem confundir com os incentivos fiscais. São fenômenos jurídicos absolutamente distintos.
Com efeito, numa cadeia produtiva relativamente simples, como a da soja ou do milho, a aquisição a partir de pessoas físicas ou cooperados não lhes vinculam direito ao crédito ordinário da não-cumulatividade. No entanto, diante da reconhecida circunstância de a soja ou o milho suportarem a repercussão da incidência do PIS e da Cofins, na medida em que os produtores agrícolas utilizaram-se de insumos sujeitos à incidência do PIS e da Cofins, para garantir a isonomia de tratamento, legítimo o direito de acesso ao crédito presumido dessas contribuições.
A adoção da sistemática do “crédito presumido” outorgado pela Lei 10.925/2004, como visto, tem como fim evitar distorções ao longo da cadeia produtiva e privilégio aos grandes produtores (pessoas jurídicas) em detrimento de pessoas físicas, que teriam o preço da mercadoria majorado, em virtude da impossibilidade da imputação do direito de crédito ordinário da não-cumulatividade do PIS e da Cofins. Na ausência do crédito presumido as indústrias que adquirem produtos agrícolas certamente dariam preferência aos fornecedores pessoas jurídicas, tendo em vista o incontornável direito à dedução dos créditos ordinários de PIS e Cofins.
Assim, para evitar o agravamento da tributação e a afronta aos princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da neutralidade fiscal concorrencial e, no caso de exportação dos produtos alimentícios, usou-se instituir o referido crédito presumido, na condição de regime especial, para afastar essa cumulatividade sobre produtos alimentícios de origem animal e vegetal.
Perscrutar a finalidade do crédito presumido é parte fundamental da solução do caso em apreço. Pelo exame de finalidade é possível identificar a extensão do crédito. E a finalidade é indissociável da observação do produto beneficiado pelo regime especial. Aqui o produto final que tem seu ônus reduzido pelo crédito presumido do PIS e da Cofins são alimentos de origem animal ou vegetal, indispensáveis à alimentação humana.
Esta é a única interpretação conforme a Constituição e coerente com o sentido do “crédito presumido” na forma de regime especial, que só se justifica para alcançar aquelas operações que não geram créditos ordinários. O crédito presumido deve ser compreendido de acordo com sua finalidade, que é aquela de permitir a não-cumulatividade e a neutralidade fiscal dos produtos relativamente aos quais a apuração de créditos no regime de apuração geral é vedada.
O crédito presumido é modalidade de regime especial, mas não propriamente de incentivo fiscal, cujo exame requer que seja observado o produto final que suportará a incidência do PIS e da Cofins, como também a finalidade que motivou a sua concessão.
Como dito acima, denominamos de regime geral do PIS e da Cofins a sistemática não-cumulativa que se sujeita à apuração dos créditos das contribuições, na forma do artigo 3º da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003; estes créditos ordinários não se confundem com os chamados créditos presumidos, que se consubstanciam em espécie de regime especial, sem que isso se possa definir como modalidade de “incentivo fiscal”, como se verifica com aquele outorgado pelo artigos 8º da Lei 10.925/2004.
Assim, como se depreende, o crédito presumido do PIS e da Cofins outorgado pelo artigo 8º Lei 10.925/2004 não é beneficio fiscal que confere aos beneficiados alguma vantagem; mas típico regime especial que se concebe como exceção ao regime geral, em harmonia com o princípio da isonomia, da capacidade contributiva, da neutralidade fiscal, diferenciando-se apenas pela fixidez da sua base, ademais da sua redução proporcional.
O artigo 8º da Lei 10.925/2004 é, portanto, um regime especial que visa a garantir a continuidade da não-cumulatividade ao longo da cadeia dos produtos de origem animal ou vegetal, preservada a finalidade do regime geral nos casos excepcionais que justificam o seu emprego.
Esse regime especial de “crédito presumido” não se converte, por si só, em “incentivo fiscal”, na medida em que sua função equivale ao mecanismo inerente à sistemática não-cumulativa das contribuições. Toda a sua análise deve ser empreendida, portanto, em conformidade com a finalidade da técnica não-cumulativa, o que permite a realização dos princípios já mencionados, e não com qualquer outro aspecto de caráter extrafiscal ou quejando.
O crédito presumido aqui tratado tem aplicabilidade restrita e alcança determinadas mercadorias produzidas com insumos adquiridos de pessoas físicas, cooperados pessoas físicas, cujas operações não geram créditos ordinários do PIS e da Cofins; e igualmente no caso dos insumos adquiridos com suspensão dessas contribuições (art. 8º, § 1º e art. 9º da Lei nº 10.925/2004).
A literalidade do artigo 8º sugere vincular o crédito presumido unicamente à produção das mercadorias classificadas nos capítulos e códigos listados. Portanto, tem-se, em princípio, como elegível ao crédito presumido toda e qualquer pessoa jurídica que produza as mercadorias ali listadas. Essa compreensão, porém, reduziria sua funcionalidade naqueles casos onde deveriam ser aplicáveis a imunidade à exportação e o princípio da não cumulatividade ao PIS e à Cofins. Por serem regras constitucionais e, tanto mais, porque a adoção desses critérios em situações equiparadas e em tudo semelhantes (insumos adquiridos de pessoas físicas, cooperados pessoas físicas, cujas operações não geram créditos ordinários do PIS e da Cofins) implicaria inequívoca afetação ao princípio de não discriminação (art. 150, II, da CF), haja vista o tratamento diferenciado entre situações equivalentes, não há como afastar sua aplicação naqueles casos de exportação de grãos que atendam aos mesmos requisitos, em respeito aos princípios da neutralidade e da proibição de uso do tributo com efeito de confisco.
Ora, a finalidade do artigo 8º da Lei 10.925/2004 é garantir ao adquirente o direito de exportar produtos com “acúmulo de créditos” de PIS/Cofins cuja funcionalidade do mecanismo de não cumulatividade adotado não tem como autorizar o aproveitamento dos créditos acumulados ao longo da cadeia produtiva, a colidir com os princípios da isonomia e da neutralidade concorrencial. Numa interpretação conforme à Constituição, não tem justificativa lógica e racional que se admitisse manter créditos acumulados de PIS/Cofins unicamente pela diferenciação das pessoas que vendem os produtos agrícolas: (i) impedimento para utilização de créditos ordinários da não-cumulatividade em relação à aquisição de pessoas físicas ou cooperativas de pessoas físicas e; (ii) autorização para aproveitamento de créditos ordinários, na aquisição de produtos agrícolas de pessoas jurídicas. Por conseguinte, a atribuição do crédito presumido de PIS/Cofins, conferida à aquisição de pessoas físicas ou cooperativas de pessoas físicas deve ser abrangente, por não se tratar de benefício fiscal, mas de típico caso de cumprimento do princípio de não cumulatividade e respeito à garantia de isonomia.
A concessão do crédito presumido do artigo 8º Lei 10.925/2004 restaura o equilíbrio, pois permite à pessoa jurídica que não teria direito aos créditos ordinários da não-cumulatividade, que esta possa aproveitar o crédito presumido do PIS/Cofins. Para uma idêntica situação (aquisição de produtos agrícolas de pessoas físicas ou cooperativas de pessoas físicas), deve ser o mesmo tratamento (créditos presumidos).
No caso de regime especial de crédito presumido, entre empresas que se encontram sujeitas ao regime não cumulativo, não pode prevalecer a “atividade” (indústria ou comércio), mas o “produto” adquirido de pessoas físicas ou cooperativas de pessoas físicas (origem dos créditos nas operações não cumulativas), para definir o direito subjetivo à compensação, a partir das operações antecedentes que não permitam gerar créditos.
O artigo 8º da Lei 10.925/2004, ao vincular o crédito aos produtos classificados nos capítulos e códigos ali relacionados estabeleceu discrimen perfeitamente proporcional à sua finalidade, porquanto os produtos listados têm origem animal ou vegetal, o que justifica que seus fornecedores sejam pessoas físicas, uma vez que, como é cediço, no Brasil, a maior parte dos produtores rurais é representada por pessoas físicas. Ademais, são produtos para alimentação humana ou animal e, por isso, sua destinação justifica a necessidade do crédito presumido para desonerá-los integralmente na etapa final da cadeia de exportação.
Em conclusão, a única interpretação do artigo 8º da Lei 10.925/2004 condizente com os princípios do ordenamento jurídico brasileiro é aquela que, preservado o juízo de igualdade, limita-se com base no discrimen produto. Desta forma as empresas que não produzem, mas apenas revendem os produtos referidos no caput do artigo mencionado terão o direito à apuração do crédito presumido previsto nesse dispositivo. Ora, se a finalidade da norma é autorizar a exclusão dos “créditos acumulados”, é necessário, adequado e razoável que tal norma vincule o crédito presumido a produtos em cujas cadeias o acúmulo de créditos seja efetivamente verificado, haja vista, por exemplo, a presença maciça pessoas físicas em tais cadeias.
Heleno
Taveira Torres é advogado, professor e livre-docente de Direito Tributário
da Faculdade de Direito da USP, e membro do Comitê Executivo da International
Fiscal Association.
Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de
2012
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