LEGISLAÇÃO

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

MP 507/2010

ILEGALIDADE NA EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO PÚBLICA PARA PRÁTICA DE QUAISQUER ATOS PERANTE A RECEITA FEDERAL DO BRASIL
Após os recentes escândalos envolvendo a quebra irregular de sigilo fiscal de familiares de um dos candidatos à Presidência da República, assunto este amplamente divulgado pela imprensa, o governo federal comprometeu-se a tomar providências, objetivando evitar novos acontecimentos da mesma espécie.

Nesse esforço, foi publicada no Diário Oficial da União, de 6 de outubro de 2010, a Medida Provisória nº 507/10, dispondo em seu artigo 5º:
"Art. 5º - Somente por instrumento público específico, o contribuinte poderá conferir poderes a terceiros para, em seu nome, praticar atos perante órgão da administração pública que impliquem fornecimento de dado protegido pelo sigilo fiscal, vedado o substabelecimento por instrumento particular."

Primeiramente, cumpre enfatizar que a utilização do instrumento "Medida Provisória" está excepcionalmente condicionada a situações de justificadas relevância e urgência, condições estas não presentes no caso concreto. Curiosamente, é inquestionável a existência de inúmeras outras questões muito mais relevantes e urgentes em nosso país, questões estas que são completamente rejeitadas por nossos governantes.

Deixando a questão acima suscitada de lado, temos que o Código Civil Brasileiro, por seu artigo 657, reza que "a outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado", razão pela qual é possível concluir que o legislador ordinário possui competência para determinar se há necessidade de utilização de procuração pública, ou não, caso a caso. Em outras palavras, a matéria pode ser tratada por Medida Provisória (desde que presentes os requisitos de relevância e urgência), que possui status de lei.

A análise do dispositivo legal acima destacado revela que a intenção do legislador autor da MP nº 507 é obrigar que somente atos que impliquem o fornecimento de informações protegidas por sigilo fiscal fiquem sujeitos à outorga de procuração pública.

Conforme dispõe o § 3º do artigo 5º da MP nº 507, a Receita Federal do Brasil deveria editar normas com a finalidade de disciplinar o disposto no referido artigo.

E, justamente com essa finalidade (pelo menos em tese), em 13 de outubro de 2010, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria RFB nº 1.860/10.

Desse dispositivo legal, importa destacar o disposto em seu artigo 3º:

"Art. 3º - São protegidas por sigilo fiscal as informações obtidas em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, tais como:

I - as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e movimentação financeira ou patrimonial;

II - as que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes e volumes ou valores de compra e venda, desde que obtidas para fins de arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros;

III - as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, composição e fatores de produção."

Analisando a Portaria RFB, é possível extrair o entendimento de que a exigência de procuração pública continua se restringindo somente aos casos em que há interesse na obtenção de informações protegidas por sigilo fiscal.

No entanto, a fiscalização da RFB, em todo o País, não demonstra ter o mesmo entendimento e, desde a data em que foi publicada a Portaria RFB nº 1.860, tem exigido a apresentação de procuração pública para todo e qualquer ato praticado perante a RFB por contribuintes representados por terceiros, o que é absurdo e impraticável.

Talvez a interpretação restritiva que vem sendo aplicada pela fiscalização da RFB encontre razão de ser na obscura redação da Portaria RFB nº 1.860, a qual poderia, sem sombra de dúvidas, ter sido mais rica, mais clara em relação àquilo que se entende por "sigilo fiscal".

Mesmo assim, é imprescindível observar que a Portaria jamais poderia ter contrariado as disposições contidas na MP nº 507, por duas razões:

1. A Portaria é uma espécie de norma jurídica hierarquicamente inferior a uma Medida Provisória.

2. Nos termos do artigo 657 do Código Civil somente por meio de lei é que se pode determinar quais atos ficam adstritos à outorga de procuração pública.

A situação criada é tão grave que atinge pessoas físicas e jurídicas interessadas em solucionar tanto questões relativamente simples quanto assuntos envolvendo um grau de complexidade maior. Lembrando que o fato que deu origem às alterações legislativas (quebra irregular de sigilo fiscal de familiares de um dos candidatos à Presidência da República) certamente é apenas uma exceção se considerada totalidade dos atos praticados pelos contribuintes perante a RFB.

Isso sem mencionar o fato de que o custo para outorga de procuração pública é significativo, principalmente àqueles menos abastados, que agora ficam obrigados a nele incorrer. Imagine-se, então, um executivo de uma pessoa jurídica, que viaja por vários países em decorrência da natureza de suas atividades profissionais, sendo obrigado a comparecer frequentemente ao tabelião para lavrar sua assinatura em instrumento público de outorga de poderes. Situações extremas, descabidas e que estão acontecendo.

O fato é que os contribuintes estão enfrentando sérias dificuldades (e prejuízos), pois a fiscalização chega ao extremo de exigir 1 (uma) procuração pública para 1 (um) dos atos praticados, como vistoria de carga em canal vermelho, requerimento de regimes especiais, parcelamentos e até mesmo para simples atendimento.

Registre-se que há notícias de que algumas unidades da Receita Federal do Brasil aceitam a apresentação de cópia autenticada da procuração pública, mesmo que contendo poderes gerais.

Assim sendo, não pode ser descartada a possibilidade de impetração de Mandados de Segurança, objetivando a concessão de medida liminar, com a finalidade de evitar danos e prejuízos aos contribuintes.
Autor: GABRIEL PASTORE NETO
Advogado atuante nas áreas Tributária e Aduaneira. Graduado pela Faculdade de Direito da PUC-Campinas e pós-graduado em Direito Tributário e Processual Tributário e em LLM-Direito Corporativo
Aduaneiras









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