LEGISLAÇÃO

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A evolução da defesa comercial brasileira

Nas últimas semanas, multiplicaram-se manifestações sobre a atuação do governo brasileiro em matéria de defesa comercial. Em alguns casos, foram feitas afirmações equivocadas que alegaram inércia ou demora do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) diante do ingresso de produtos estrangeiros no mercado nacional em condições desleais de concorrência.

A partir daí, foi sugerido um aumento nas medidas antidumping para combater problemas que, claramente, não estão relacionados às práticas desse tipo como, por exemplo, subfaturamento, contrabando, contrafação e pirataria.

Diante desse erro, é preciso informar o contribuinte brasileiro sobre a atuação do governo em defesa comercial e também sobre os limites de sua aplicação. Por defesa comercial entendem-se medidas que podem ser impostas pelo país importador, quando verificadas determinadas condições descritas em acordos internacionais: a prática a ser combatida, o dano à indústria doméstica e o nexo de causalidade.

Dados da OMC mostram que o Brasil foi o 3º país que mais aplicou medidas antidumping de 2007 a 2009

Essas práticas podem ser o subsídio do país exportador (contra o qual se aplicam medidas compensatórias), a prática de dumping (contra a qual se aplicam medidas antidumping) ou o surto de importações (que podem gerar medidas de salvaguardas).
Essas medidas não esgotam o arsenal disponível para combater práticas ilegais de comércio. O subfaturamento deve ser combatido com valoração aduaneira (de responsabilidade da Receita Federal), o contrabando é reprimido pela Polícia Federal e os casos de produtos em desconformidade com a legislação nacional são fiscalizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Há, portanto, várias ações possíveis para proteger a indústria nacional das importações desleais.

Sobre os instrumentos de defesa comercial propriamente ditos, sua aplicação deve observar compromissos assumidos pelo Brasil no plano internacional, com requisitos que não podem ser eliminados para abertura de investigações.

Dentro dessas regras, a Secretaria de Comércio Exterior do MDIC, por meio do Departamento de Defesa Comercial (Decom), tem realizado esforços contínuos para acelerar e aperfeiçoar o uso dessas medidas. Como consequência, a utilização de direitos provisórios (enquanto ocorre a investigação) cresceu 300% entre 2005 e 2009, comparativamente ao período entre 1988 e 2004 (de 2000 a 2005, não houve aplicação de qualquer direito provisório no Brasil).

Sobre o prazo das investigações, os Acordos Antidumping e de Subsídios e Medidas Compensatórias preveem um período de até 18 meses para a conclusão das mesmas, contados a partir da data de abertura. No caso do Brasil, nos últimos quatro anos, o prazo médio para conclusão das investigações pelo Decom tem ficado entre dez e doze meses, o que foi alcançado apesar de os processos terem se tornado mais complexos, com maior número de partes envolvidas e com crescente judicialização.

Devido ao trabalho de divulgação do Decom, o número de petições para abertura de investigação também aumentou nos últimos anos. Por isso, a quantidade de medidas aplicadas cresceu. Hoje há 30 investigações em curso, 25 petições em análise e 67 medidas definitivas em vigor. Dessas 67 medidas, 28 delas (ou seja, 42% do total) são contra produtos da China.

Segundo dados da Organização Mundial do Comércio (OMC), em junho de 2009, havia 1.416 medidas de defesa comercial em vigor em todo o mundo, sendo que 1.327 (94%) delas eram medidas antidumping. Esses mesmos dados da OMC mostram ainda que o Brasil, nos dois últimos períodos considerados (2007/2008 e 2008/2009), foi o terceiro país no mundo que mais aplicou medidas antidumping.
Apesar de o Brasil estar entre os principais usuários de medidas antidumping, nossas ações raramente são contestadas na OMC. Entre todas as medidas que o país aplicou desde o início do funcionamento da Organização, o Brasil nunca perdeu qualquer caso envolvendo defesa comercial no sistema de solução de controvérsias.

Ainda no que se refere à eficácia da defesa comercial, cabe destacar a inovação trazida pela Lei nº 11.786, de 2008, que prevê a possibilidade de investigação “anticircumvention” em casos em que sejam observadas modificações no curso do comércio com a finalidade específica de frustrar a cobrança de medidas de defesa comercial. Junto com a aprovação de regras específicas quanto à determinação de origem (já em fase final de análise no Congresso Nacional), aperfeiçoam-se os instrumentos para combater as importações desleais.

Cabe ainda mencionar a criação da Coordenação Geral de Defesa da Indústria, que vem realizando um importante trabalho de monitoramento das medidas aplicadas e, em especial, de orientação da indústria nacional quanto aos problemas relacionados às importações. Dessa forma, o Decom tem sido ativo na defesa de interesses da indústria brasileira e o esforço persistente de seus servidores tem garantido os resultados obtidos nos últimos anos, apesar de significativa redução no quadro de investigadores em contraste com o aumento de tarefas.

Por isso, diante da rápida inserção do Brasil no comércio internacional, um dos desafios do próximo governo será o de reforçar o acompanhamento das operações de comércio exterior, o que implica, sobretudo, melhor aparelhamento dos órgãos de fiscalização. Isso permitirá, inclusive, a melhor divulgação dos instrumentos de defesa comercial, o que talvez ajude a minimizar os equívocos dos analistas de plantão.
Welber Barral é secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)
Valor Econômico

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