LEGISLAÇÃO

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Difícil competir

A divulgação dos resultados das contas externas do país, que ocorreu na segunda-feira, é um oportuno lembrete acerca das dificuldades enfrentadas pelas empresas brasileiras para conquistar novos mercados.

O deficit nas transações correntes atingiu US$ 3,9 bilhões (R$ 6,6 bilhões) em setembro e chegou a US$ 47,4 bilhões (R$ 80,7 bilhões) nos últimos 12 meses. Tal cifra equivale a 2,4% do PIB e representa o pior resultado desde setembro de 2002. As contas de serviços e rendas (remessas de lucros, gastos de turismo e pagamentos de royalties, entre outros itens) ficaram no negativo em US$ 67 bilhões, também nos últimos 12 meses -valor que ultrapassa em muito o superavit comercial de US$ 16,7 bilhões do período.
Olhando as contas externas isoladamente, pode-se dizer que a situação não é alarmante, pois o fluxo de entrada de capitais continua muito forte. Só em setembro houve ingresso de US$ 8,6 bilhões em investimentos em carteira, em razão da oferta de ações da Petrobrás. Em 12 meses já são US$ 66,7 bilhões só nessa rubrica, dos quais US$ 39 bilhões em ações. Considerando ainda a entrada de US$ 30,9 bilhões em investimentos diretos, fica claro o quadro de "folga" de recursos, que deve continuar nos próximos meses.
Esse cenário no entanto não oculta as dificuldades crescentes para o avanço das vendas da indústria brasileira. Da alta de 36% nas exportações, nos últimos 12 meses, 23% decorrem exclusivamente de aumento de preços, em geral no setor de commodities.

Ao mesmo tempo, as vendas de manufaturados para o exterior continuam patinando, praticamente sem aumento dos volumes embarcados desde o inicio do ano. É um quadro bastante diferente do encontrado em outros países emergentes, especialmente asiáticos, que continuam expandindo exportações.
Outro dado preocupante é que a indústria tem acelerado nos últimos meses o processo de substituição de componentes fabricados no país por importados - e esse movimento ocorre em número cada vez maior de cadeias de produção. Isso significa que muitas empresas não apenas perdem mercados fora como encontram dificuldades para expandir seus negócios no Brasil.

É evidente que o real caro não é a única razão para a perda de competitividade. E parece óbvio que a situação cambial desfavorável só deveria compelir o governo a atuar com mais vigor em outras frentes para facilitar a vida das empresas. Os obstáculos são os de sempre: impostos altos, muita burocracia, logística problemática e dificuldade de gerar tecnologia e conhecimento aplicados à produção em larga escala.

Tudo isso deixa o Brasil em desvantagem competitiva. Mais ainda quando se sabe que a concorrência com empresas de países como a China não é isonômica, pois elas contam com subsídios e políticas governamentais que tratam a conquista de mercados externos como objetivo estratégico.

"No Brasil não mudam os problemas, logo não mudam as soluções", disse San Tiago Dantas (1911-1964). A "boutade" se aplica ao caso do estrangulamento da indústria, que vai ocorrendo por razões há muito conhecidas.
Folha de São Paulo


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