A volta à era das carroças
Governo promove aumento brutal de impostos para carros importados e ameaça o País com retrocesso sem precedentes na história da indústria automobilística brasileira Por Guilherme QUEIROZ
Um pacote inicialmente pensado para tornar a indústria automotiva brasileira mais competitiva tornou-se uma peça de protecionismo. Prevista no bojo do Plano Brasil Maior e anunciada pelos ministros Guido Mantega (Fazenda), Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), na quinta-feira 15, a medida de estímulo à produção nacional veio na forma de uma bomba tributária montada para estancar a enxurrada de veículos importados que, embalados pelo dólar barato, aumentaram a competição no País. Em 60 dias, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) será elevado em 30 pontos percentuais. Com isso, as alíquotas que hoje variam de 7% a 25% subirão para 37% a 55%, elevando o preço final dos veículos em até 28% e praticamente inviabilizando a concorrência por preço que existe hoje no mercado. Embora seja direcionada às importadoras de veículos chineses, a medida terá impactos negativos em toda a cadeia produtiva e representa um retrocesso brutal no mercado brasileiro de automóveis, uma volta à era das carroças, que vigorou até a abertura às importações pelo governo Collor, no início dos anos 1990.
Trânsito nos anos 1990: Carros "pelados" e de baixa tecnologia circulam em rodovia em São Paulo. Quem quer isso de volta?
Com efeitos imediatos – quem não se enquadrar nas exigências do governo em 60 dias terá de recolher o IPI maior retroativamente –, a medida protege as montadoras com produção local, como Volkswagen, Fiat, GM e Ford. Faz isso à custa dos consumidores, que já pagam muito mais caro do que nos países desenvolvidos e ainda levam para a garagem produtos inferiores aos comprados lá fora. Os grandes campeões de venda no Brasil são carros populares “pelados” (sem acessórios), como Gol, Uno e Celta. “É uma medida que atinge demais o consumidor, que perde a possibilidade de comprar automóveis melhores a preços mais adequados. Os carros brasileiros têm qualidade sofrível, são tecnologicamente atrasadíssimos, e com preço muitíssimo alto, porque a margem de lucro é alta”, afirmou Ruy Coutinho, ex-presidente do Cade. “Estamos voltando às carroças do tempo do Collor.” Em princípio, o aumento vigora até dezembro de 2012.
Os ministros Pimentel (à esq.), Mantega e Mercadante: o que deveria ser uma política industrial com desoneração tributária virou uma medida protecionista com impacto negativo em todo o setor
Como o Brasil não tem boas histórias para contar quando o assunto é protecionismo (vide a extinta Lei da Informática), as consequências da medida podem ser desastrosas se perdurarem por muito tempo. Só escapam da mordida os carros importados dos parceiros do Mercosul e do México, que têm acordos automotivos específicos e um forte intercâmbio de peças e veículos acabados. É de lá que vêm, por exemplo, o novo Fiat 500 e a Chevrolet Captiva. O governo Dilma pretendia reduzir a carga tributária para as montadoras que garantissem investimentos em inovação, qualidade e redução de poluentes, mas não conseguiu impor as metas desejadas às montadoras aqui estabelecidas. Tirou, no máximo, o compromisso de investimento de 0,5% da receita bruta para inovação e desenvolvimento – e sucumbiu ao protecionismo, alegando a necessidade de preservar os empregos no País em tempos de crise nos Estados Unidos e na Europa. “Há um assédio à indústria nacional e as montadoras estrangeiras estão cada vez mais disputando mercados como o brasileiro”, justificou Mantega durante o anúncio. “O mercado interno deve ser usufruído pela produção interna.” Entre 2005 e 2010, o número de carros importados cresceu 653%, para 601 mil veículos.
Um em cada quatro veículos vendidos aqui vem do Exterior – 25%. A questão é que a maior parte desse mercado é das próprias montadoras instaladas no Brasil, que respondem por 75,5% das importações e não serão atingidas pelo aumento de imposto. Quem perde mais são as importadoras de veículos da Ásia, que vêm ganhando fatias cada vez maiores do mercado com produtos mais completos e mais baratos, que beneficiam o consumidor. É o caso de marcas como a JAC Motors e a Chery, que detêm apenas 0,84% e 0,58% das vendas, respectivamente. A coreana Kia, há mais tempo no País, é a líder entre os importados, com 2,02%. Se a ideia é preservar a produção e os empregos no setor automotivo, que representa 5% do PIB e gera 1,5 milhão de empregos, o governo dá um tiro de canhão apenas em poucas importadoras. É verdade que elas não produzem localmente, mas o fato é que detêm menos de 6% do mercado interno e, por sua vez, também investiram pesado para montar redes de concessionárias e contratar mão de obra local.
Gandini, da Abeiva: "É um absurdo. Nada justifica uma atitude tão radical"
Somente o empresário Sérgio Habib, que trouxe a marca JAC Motors ao País (e também pretende fabricar localmente), diz que já investiu R$ 380 milhões em 35 concessionárias e marketing, dando empregos diretos e indiretos a 1.600 pessoas. “É um absurdo. Nada justifica uma atitude tão radical”, disse à DINHEIRO o presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva), José Luiz Gandini, que representa 27 marcas. Ele compareceu ao anúncio mesmo sem ter participado da reunião entre governo e montadoras. Gandini tentou protestar durante a entrevista coletiva aos jornalistas, mas foi cortado por Mantega. Para escapar da mordida tributária, as montadoras terão que produzir localmente pelo menos seis de 11 etapas de produção, como fabricação de motores, embreagem e freios. A medida pode dar margem a questionamento na Organização Mundial do Comércio (OMC), que não permite alíquotas diferenciadas para produto nacional e importado nos tributos cobrados internamente. “Todos os países adotam política industrial. Existe um espaço para isso na OMC, mas é preciso que não seja de forma discriminatória ao importado, porque depois que pagou o imposto de importação, todos os produtos têm que ter o mesmo tratamento”, disse à DINHEIRO Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior.
Para driblar acusações desse tipo, o texto do decreto considera que a alíquota subiu para todos os veículos, e quem tem conteúdo nacional e investe em tecnologia tem desconto. Depois de quatro meses de uma negociação que só terminou instantes antes do anúncio, os fabricantes locais ficaram, obviamente, animados com a proteção. “Vamos ter um índice de nacionalização da produção como nunca houve”, disse à DINHEIRO Cledorvino Belini, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Para o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, as exigências de nacionalização podem, inclusive, estimular empresas a direcionar investimentos para o Brasil. “Elas poderão consolidar cadeias produtivas”, avalia. Gandini, que tem planos de montar uma fábrica em Salto, no interior de São Paulo, diz que decisões empresariais desse tipo não são tomadas olhando um horizonte tão curto.
Concorrência chinesa: revenda da JAC Motors, que incomodou os fabricantes locais.
O sedã de R$ 39,9 mil pode custar R$ 10 mil a mais. Quem ganha?
O ponto mais sensível da proposta, porém, é justamente o que ela não pode prever. Além de sepultar a ideia inicial de forçar uma redução no preço dos carros mediante a desoneração do setor, a medida acabou por propiciar o pior dos cenários para o consumidor. Diante do inevitável encarecimento dos carros importados, abriu-se uma margem para as montadoras beneficiadas elevarem seus preços e ainda se manterem competitivas diante da concorrência estrangeira. O que seria um evidente motivo de preocupação para o consumidor parece não inquietar o governo. “Vamos fiscalizar eventuais aumentos no preço do carro nacional”, disse Mantega. “A disputa interna não permite aumento de preços”, assegura Belini. A conferir.
http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/66635_A+VOLTA+A+ERA+DAS+CARROCAS
Governo promove aumento brutal de impostos para carros importados e ameaça o País com retrocesso sem precedentes na história da indústria automobilística brasileira Por Guilherme QUEIROZ
Um pacote inicialmente pensado para tornar a indústria automotiva brasileira mais competitiva tornou-se uma peça de protecionismo. Prevista no bojo do Plano Brasil Maior e anunciada pelos ministros Guido Mantega (Fazenda), Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), na quinta-feira 15, a medida de estímulo à produção nacional veio na forma de uma bomba tributária montada para estancar a enxurrada de veículos importados que, embalados pelo dólar barato, aumentaram a competição no País. Em 60 dias, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) será elevado em 30 pontos percentuais. Com isso, as alíquotas que hoje variam de 7% a 25% subirão para 37% a 55%, elevando o preço final dos veículos em até 28% e praticamente inviabilizando a concorrência por preço que existe hoje no mercado. Embora seja direcionada às importadoras de veículos chineses, a medida terá impactos negativos em toda a cadeia produtiva e representa um retrocesso brutal no mercado brasileiro de automóveis, uma volta à era das carroças, que vigorou até a abertura às importações pelo governo Collor, no início dos anos 1990.
Trânsito nos anos 1990: Carros "pelados" e de baixa tecnologia circulam em rodovia em São Paulo. Quem quer isso de volta?
Com efeitos imediatos – quem não se enquadrar nas exigências do governo em 60 dias terá de recolher o IPI maior retroativamente –, a medida protege as montadoras com produção local, como Volkswagen, Fiat, GM e Ford. Faz isso à custa dos consumidores, que já pagam muito mais caro do que nos países desenvolvidos e ainda levam para a garagem produtos inferiores aos comprados lá fora. Os grandes campeões de venda no Brasil são carros populares “pelados” (sem acessórios), como Gol, Uno e Celta. “É uma medida que atinge demais o consumidor, que perde a possibilidade de comprar automóveis melhores a preços mais adequados. Os carros brasileiros têm qualidade sofrível, são tecnologicamente atrasadíssimos, e com preço muitíssimo alto, porque a margem de lucro é alta”, afirmou Ruy Coutinho, ex-presidente do Cade. “Estamos voltando às carroças do tempo do Collor.” Em princípio, o aumento vigora até dezembro de 2012.
Os ministros Pimentel (à esq.), Mantega e Mercadante: o que deveria ser uma política industrial com desoneração tributária virou uma medida protecionista com impacto negativo em todo o setor
Como o Brasil não tem boas histórias para contar quando o assunto é protecionismo (vide a extinta Lei da Informática), as consequências da medida podem ser desastrosas se perdurarem por muito tempo. Só escapam da mordida os carros importados dos parceiros do Mercosul e do México, que têm acordos automotivos específicos e um forte intercâmbio de peças e veículos acabados. É de lá que vêm, por exemplo, o novo Fiat 500 e a Chevrolet Captiva. O governo Dilma pretendia reduzir a carga tributária para as montadoras que garantissem investimentos em inovação, qualidade e redução de poluentes, mas não conseguiu impor as metas desejadas às montadoras aqui estabelecidas. Tirou, no máximo, o compromisso de investimento de 0,5% da receita bruta para inovação e desenvolvimento – e sucumbiu ao protecionismo, alegando a necessidade de preservar os empregos no País em tempos de crise nos Estados Unidos e na Europa. “Há um assédio à indústria nacional e as montadoras estrangeiras estão cada vez mais disputando mercados como o brasileiro”, justificou Mantega durante o anúncio. “O mercado interno deve ser usufruído pela produção interna.” Entre 2005 e 2010, o número de carros importados cresceu 653%, para 601 mil veículos.
Um em cada quatro veículos vendidos aqui vem do Exterior – 25%. A questão é que a maior parte desse mercado é das próprias montadoras instaladas no Brasil, que respondem por 75,5% das importações e não serão atingidas pelo aumento de imposto. Quem perde mais são as importadoras de veículos da Ásia, que vêm ganhando fatias cada vez maiores do mercado com produtos mais completos e mais baratos, que beneficiam o consumidor. É o caso de marcas como a JAC Motors e a Chery, que detêm apenas 0,84% e 0,58% das vendas, respectivamente. A coreana Kia, há mais tempo no País, é a líder entre os importados, com 2,02%. Se a ideia é preservar a produção e os empregos no setor automotivo, que representa 5% do PIB e gera 1,5 milhão de empregos, o governo dá um tiro de canhão apenas em poucas importadoras. É verdade que elas não produzem localmente, mas o fato é que detêm menos de 6% do mercado interno e, por sua vez, também investiram pesado para montar redes de concessionárias e contratar mão de obra local.
Gandini, da Abeiva: "É um absurdo. Nada justifica uma atitude tão radical"
Somente o empresário Sérgio Habib, que trouxe a marca JAC Motors ao País (e também pretende fabricar localmente), diz que já investiu R$ 380 milhões em 35 concessionárias e marketing, dando empregos diretos e indiretos a 1.600 pessoas. “É um absurdo. Nada justifica uma atitude tão radical”, disse à DINHEIRO o presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva), José Luiz Gandini, que representa 27 marcas. Ele compareceu ao anúncio mesmo sem ter participado da reunião entre governo e montadoras. Gandini tentou protestar durante a entrevista coletiva aos jornalistas, mas foi cortado por Mantega. Para escapar da mordida tributária, as montadoras terão que produzir localmente pelo menos seis de 11 etapas de produção, como fabricação de motores, embreagem e freios. A medida pode dar margem a questionamento na Organização Mundial do Comércio (OMC), que não permite alíquotas diferenciadas para produto nacional e importado nos tributos cobrados internamente. “Todos os países adotam política industrial. Existe um espaço para isso na OMC, mas é preciso que não seja de forma discriminatória ao importado, porque depois que pagou o imposto de importação, todos os produtos têm que ter o mesmo tratamento”, disse à DINHEIRO Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior.
Para driblar acusações desse tipo, o texto do decreto considera que a alíquota subiu para todos os veículos, e quem tem conteúdo nacional e investe em tecnologia tem desconto. Depois de quatro meses de uma negociação que só terminou instantes antes do anúncio, os fabricantes locais ficaram, obviamente, animados com a proteção. “Vamos ter um índice de nacionalização da produção como nunca houve”, disse à DINHEIRO Cledorvino Belini, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Para o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, as exigências de nacionalização podem, inclusive, estimular empresas a direcionar investimentos para o Brasil. “Elas poderão consolidar cadeias produtivas”, avalia. Gandini, que tem planos de montar uma fábrica em Salto, no interior de São Paulo, diz que decisões empresariais desse tipo não são tomadas olhando um horizonte tão curto.
Concorrência chinesa: revenda da JAC Motors, que incomodou os fabricantes locais.
O sedã de R$ 39,9 mil pode custar R$ 10 mil a mais. Quem ganha?
O ponto mais sensível da proposta, porém, é justamente o que ela não pode prever. Além de sepultar a ideia inicial de forçar uma redução no preço dos carros mediante a desoneração do setor, a medida acabou por propiciar o pior dos cenários para o consumidor. Diante do inevitável encarecimento dos carros importados, abriu-se uma margem para as montadoras beneficiadas elevarem seus preços e ainda se manterem competitivas diante da concorrência estrangeira. O que seria um evidente motivo de preocupação para o consumidor parece não inquietar o governo. “Vamos fiscalizar eventuais aumentos no preço do carro nacional”, disse Mantega. “A disputa interna não permite aumento de preços”, assegura Belini. A conferir.
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