LEGISLAÇÃO

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Contrabando, descaminho e sonegação estão na mira do fisco
Gilvânia Banker

Cada vez mais, os órgãos tributários fecham o cerco sobre os contraventores, seja na prática de sonegação, contrabando ou descaminho, que consiste na fraude ao pagamento de tributo devido em razão da entrada, saída ou consumo de mercadoria não proibida no País. Recentemente, a Secretaria Estadual da Fazenda apurou uma fraude do ICMS de R$ 5,2 milhões em uma indústria de laticínios no Interior do Estado. O trabalho fiscal foi realizado pela Delegacia Regional de Passo Fundo, que constatou o envolvimento de terceiros, conhecido como laranjas, para encobrir o verdadeiro sócio e gestor da empresa. De acordo com o subsecretário da Secretaria Estadual da Fazenda, Ricardo Neves Pereira, o resultado deste trabalho consiste num forte esquema de combate à sonegação fiscal.

A prova disso está no alto valor de autuações por ano, que giram em torno de R$ 1,5 bilhão. Engana-se quem pensa que somente as grandes instituições estão na mira dos fiscos. De acordo com o subsecretário, todos são fiscalizados, independentemente do porte, e as ações visam a proteger as empresas de práticas concorrenciais desleais que afetam a competitividade do mercado.

A Secretaria Estadual da Fazenda possui um trabalho conjunto com o Ministério Público, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Receita Federal do Brasil. Para aumentar o controle sobre as grandes empresas dos principais setores da economia, a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz/RS) criou a Delegacia Especializada. Hoje, 50 empresas respondem por mais de 50% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, que pertencem aos segmentos de operações de altíssima complexidade, tanto tributárias quanto econômicas, e, de acordo com o subsecretário, qualquer erro pode representar a perda de milhões de reais para o Estado. Segundo ele, o segmento como o de Comunicações resultou numa autuação superior a R$ 77 milhões neste ano.

Já a Receita Federal, com operações no Estado, registrou de janeiro a agosto deste ano 447 apreensões de mercadorias contrabandeadas que somam R$ 48 milhões. Para efeito de comparação, durante todo o ano de 2010, o total de apreensões foi de R$ 40,7 milhões. O chefe da Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho (Direp) da Receita Federal na 10ª Região Fiscal, André Luiz Fonseca, explica que, com base na Lei 10.833 de 2003, 50% do que é apreendido deixa de entrar aos cofres públicos em forma de tributação. Portanto, somente neste ano, até o momento, o governo federal deixou de arrecadar R$ 24 milhões.

O crescimento das apreensões pela Receita Federal se deve pela intensificação nas ações em conjunto com a Polícia Federal, Brigada Militar e Polícia Rodoviária. “As equipes de repressão têm metas a cumprir e contam com a parceria do setor de inteligência da Receita”, comenta. Além disso, um dos canais que tem facilitado tanto a divulgação das apreensões quanto às denúncias é o blog da Receita http://direprs.blogspot.com.

Tecnologia é arma contra as fraudes

O contribuinte, quando cai na malha fiscal, acaba enredado com o fisco. E isso acontece graças ao cruzamento de dados nos programas de controle que faz com que os agentes obtenham as informações necessárias. “É quando as informações de bases de dados mostram uma inconsistência ou erro na declaração do contribuinte, como, por exemplo, quando as compras informadas pela empresa são menores que as vendas declaradas por seus fornecedores, ou o faturamento é menor que o anunciado pelas administradoras de cartões de crédito”, elucida Pereira. Conforme ele, com o gerenciamento matricial da Receita, os indicadores setoriais das empresas são acompanhados e comparados com o comportamento de empresas do mesmo setor ou de uma mesma região. Por exemplo, se o indicador de ICMS e faturamento da empresa é inferior ao das empresas do mesmo segmento ou de uma determinada região, a Receita já fica atenta.

Em conjunto com o Ministério Público, são realizadas diversas ações que ajudam a identificar as fraudes estruturadas, ocultas, não identificadas pelos sistemas de informática, como a criação de “empresas laranjas”. Estas informações, explica o subsecretário, sofrem um processo de avaliação, categorização e classificação, a partir do qual são definidas as operações de fiscalização para um determinado trimestre, semestre ou ano, sendo incluídas no planejamento estratégico da Receita Estadual.

Outra ferramenta importante é a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e). Segundo o subsecretário, 100% das empresas que entregam declarações ou que operam com NF-e sofrem alguma espécie de verificação fiscal. Todas as informações formam um grande banco de dados de onde são feitos vários cruzamentos de informações, e o resultado é levado mensalmente para análise e verificação para inclusão nos processos de auditoria fiscal. No caso da Nota Fiscal Eletrônica, no momento de sua autorização online já são feitas diversas verificações que testam a consistência do documento, evitando erros e inibindo fraudes.

Para o Pereira, a tecnologia da informação e as melhorias na gestão têm proporcionado ganhos de eficiência na produtividade da fiscalização, compensando as constantes diminuições no quadro de pessoal ocorridas com as aposentadorias. Atualmente, o número de servidores da Receita Estadual chega a 830 agentes fiscais do Tesouro do Estado (AFTEs), enquadrados na categoria de nível superior, e 1.100 técnicos do Tesouro do Estado (TTE), do nível médio. Em exercício na Receita Estadual são 496 AFTEs e 693 TTEs.

Investimentos garantem mecanismos eficazes

Para combater a sonegação, as administrações tributárias precisam estar amparadas nas modernas ferramentas que a informática oferece. Para isso, são necessários investimentos. O governador Tarso Genro assinou, no dia 29 de agosto, o Profisco, Projeto de Fortalecimento da Gestão Fiscal, num montante de US$ 66 milhões, financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que serão investidos em cinco anos no Estado. “Estes recursos, com certeza, manterão a Fazenda atualizada e preparada para os desafios futuros”, comemora o subsecretário da Fazenda, Ricardo Neves Pereira. O Profisco irá permitir aplicações em sistemas, equipamentos, treinamento e capacitação de servidores, além de uma série de outros componentes para aumentar a arrecadação.

No Estado, de acordo com Pereira, a Fazenda desenvolve dois tipos de ações, a preventiva e a repressiva. As operações preventivas normalmente caracterizam-se pelo uso intensivo da tecnologia da informação que atingem um grande número de empresas. “São ações que visam à autorregularização numa primeira instância, para que, em segundo momento, possam se tornar punitivas”, explica.

Recentemente, a Receita Estadual notificou 3,7 mil empresas optantes pelo Simples Nacional para regularizarem os débitos pendentes sob pena de serem excluídas do programa. Segundo ele, essas ações somente podem ser realizadas com o apoio da tecnologia para aumentar a efetividade e a amplitude da ação. Já o trabalho da repressão envolve a fiscalização externa, realizadas fora das repartições fazendárias, como, por exemplo, as abordagens realizadas em veículos no trânsito de mercadorias, ou mesmo nas fiscalizações in loco realizadas nos estabelecimentos.

Denúncia pode ser feita de diversas formas

Na Secretaria Estadual da Fazenda, as denúncias contra empresas são recebidas por vários canais, como o Disque-Denúncia (0800-541-2323) ou registro via formulário no site www.sefaz.rs.gov.br. Segundo o subsecretário da Fazenda, Ricardo Neves Pereira, as entidades de classe são importantes fontes de informações e, recentemente, foi lançada a operação Atacado Legal para inibir a entrada de produtos de outros estados por empresas em suas filiais no Rio Grande do Sul, a fim de pagar menos imposto. “Esta denúncia veio de entidade ligada ao setor atacadista do Estado”, destaca o subsecretário, e reforça que a Receita Estadual mantém audiências todas as quartas-feiras para o recebimento de pleitos e denúncias formuladas por empresas e entidades de classe.

Calcular o valor que o Estado e a prefeitura de Porto Alegre deixam de arrecadar com a sonegação é o mesmo que dar tiros no escuro, pois sonegar é omitir a informação e, sem ela, os gestores não conseguem estimar os prejuízos aos cofres públicos. De acordo com o secretário municipal da Fazenda, Roberto Bertoncini, o mais difícil de controlar é o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Porém, a partir de 2012, isso poderá ser resolvido com a implantação da Nota Fiscal Eletrônica, que estima aumentar a arrecadação em 90% em média quando o sistema estiver em pleno desenvolvimento.

Além disso, a prefeitura abrirá concurso público para contratação de novos agentes fiscais. “Essas ações vão nos permitir evoluir muito no combate à sonegação do ISSQN”, anima-se o secretário. A receita do ISSQN atualmente é de R$ 48 milhões, com a NF-e estima-se arrecadar cerca de R$ 90 milhões ao ano. Os outros dois importantes impostos arrecadados pelo município são o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). Segundo Bertoncini, a sonegação sobre o ITBI é muito baixa, mas pode acontecer, e o cerco fiscal recai sobre os cartórios. O município arrecada em média de R$ 15 milhões com este imposto, comportamento que vem aumentando em média de 20% a 25% em razão do aquecimento do mercado imobiliário. Já o IPTU chega a R$ 280 milhões ao ano.

Receita Federal intensifica fiscalização nas fronteiras

A Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho (Direp) da Receita Federal, 10ª Região Fiscal, vem atuando nas questões de inteligência e intercepções de estradas e rodovias. Hoje, as fronteiras no Rio Grande do Sul com Uruguai, Argentina e Santa Cataria são os mais importantes focos de combate. A Direp atua em equipe com a Polícia Federal, Brigada Militar e Polícia Rodoviária Federal. Neste ano, segundo o chefe do departamento, André Luiz Fonseca, foi criado o Núcleo de Repressão ao Contrabando e Descaminho (Nurep), o que ajudou a ampliar o foco nas regiões fronteiriças.

Desde o início de setembro, o blog da Receita Federal vem mostrando as inúmeras apreensões realizadas. A Nurep em Santa Maria, juntamente com policiais dos postos da Polícia Rodoviária Federal de Seberi e Sarandi, na BR-386, apreendeu três ônibus de turismo provenientes de Foz do Iguaçu com mercadorias estrangeiras sem as devidas documentações.

Os produtos eram destinados às cidades de Carazinho e Passo Fundo. O resultado desta ação está estimado em R$ 580 mil. Além desta, outra ação interceptou mercadorias para o comércio em Porto Alegre, resultando em R$ 150 mil. Segundo Fonseca, todos os objetos recolhidos que possuem anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são destinados aos órgãos competentes para leilões ou doações. Mas, segundo ele, grande parte é totalmente destruída.

De acordo com Fonseca, os produtos que estão no ranking do contrabando são o cigarro, seguido de CDs, DVDs, óculos de graus e agrotóxicos. As equipes de repressão têm metas a cumprir e possuem parceria com o setor de inteligência da RF. “No ano passado, na operação vinhedos, apreendemos R$ 1,064 milhão em mercadorias”, comenta Fonseca. Este trabalho foi realizado nos estabelecimentos comerciais do camelódromo de Caxias do Sul. Para ele, todo o esforço realizado é para inibir a contravenção, mas talvez o problema nunca acabe. “Enquanto houver comércio ilegal, o contrabando vai continuar existindo.”

Alta carga tributária do País pode ser a causa da sonegação

A alta carga tributária e a deficitária aplicação dos recursos arrecadados em políticas públicas podem ser uma das razões que levam à sonegação. Via de regra, todo o recolhimento de impostos e tributos deve ser destinado à saúde, educação, segurança, estradas e programas de desenvolvimento social. No entanto, o prejuízo com a sonegação recai sobre a própria sociedade.

Conforme o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos da Administração Tributária do Estado do Rio Grande do Sul (Sindifisco-RS), Luiz Antônio Bins, o grande problema está na contrapartida do Estado com relação aos serviços oferecidos à sociedade. “No Brasil, em que pese à enorme carga tributária, na ordem de 37%, temos péssimos serviços estatais, com enormes déficits de atendimento à sociedade”, alega.
A carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo e ela se resume na maior reclamação dos empresários e contribuintes em geral. O presidente acredita que a diminuição dos tributos traria um efeito positivo aos estados, resultando em aumento das obrigações tributárias e na consequente diminuição da sonegação. Apesar disso, Bins aposta na educação fiscal, desde o Ensino Fundamental até o universitário, além de diversas iniciativas que reforcem a importância do tributo para a sociedade, pois, segundo ele, há um imenso desconhecimento da sociedade sobre a verdadeira importância social do tributo.

A opinião sobre o aumento da sonegação motivada pela alta carga tributária é partilhada pelo próprio subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira, ao revelar que, nos setores em que a arrecadação é mais elevada, há “uma tendência para uma maior atratividade à sonegação”. Porém, segundo ele, o próprio mercado identifica estes casos trazendo-os para o fisco com o objetivo de que sejam implementadas medidas de controle para coibir a sonegação.
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=74157&fonte=nw

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