Alfândega liberal
Receita deixa de tratar viajantes como potenciais contrabandistas e afrouxa as regras para quem traz bens pessoais do Exterior
Diante dos austeros fiscais da Receita Federal, de uniforme preto e cenho fechado, os brasileiros que enfrentam as filas da alfândega temem ser confundidos com muambeiros internacionais. Mesmo quem não tem nada a declarar acaba intimidado, com medo de cair na garra do Fisco. Os limites draconianos praticados pelo Leão até hoje causam desconforto aos que viajam ao Exterior. Mas, a partir de 1º de outubro, o mal-estar vai acabar, desde que o produto não esteja na embalagem e a quantidade não seja absurda. O Ministério da Fazenda decidiu ampliar o conceito de “bens pessoais”, isentar de tributação e retirar da cota de US$ 500 praticamente tudo o que for de consumo pessoal, portátil e usado, independentemente de ter sido adquirido no Exterior. Com os novos limites, será possível estourar o cartão de crédito lá fora. Ao desburocratizar o controle aduaneiro, a Receita autorizou a entrada de máquinas fotográficas, celulares, iPod, iPad, relógios, óculos, bebidas, bicicletas, carrinhos de bebê (desde que a criança esteja junto) e muitos outros itens. “São os primeiros passos para nos igualar às melhores práticas internacionais. Na Europa, ninguém fica vendo que celular que o viajante tem no bolso”, explica à ISTOÉ Fausto Vieira Coutinho, subsecretário de aduana e relações internacionais da Receita Federal.
Só ficaram de fora dessa nova lista as filmadoras e os notebooks. Essa briga os brasileiros perderam para o lobby protecionista do setor produtivo. De acordo com Coutinho, um estudo da Secretaria de Desenvolvimento da Produção, do Ministério do Desenvolvimento, mostrou “sensibilidade da indústria nacional”, que alegou que seria prejudicada se os turistas começassem a comprar filmadoras e computadores fora do Brasil. Por isso, é preciso ficar bem atento. Com as novas regras, acabam as declarações de bens no embarque. Ninguém vai precisar correr de um lado para o outro no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, por exemplo, para declarar bens na saída do País. Mas será necessário andar com a nota fiscal do laptop na bagagem para evitar a dor de cabeça de ter o computador apreendido quando retornar. Portanto, ainda há entraves. Mas a Receita admite que, com o ritmo das transformações tecnológicas, é bem provável que normas mais flexíveis apareçam no próximo ano.
Segundo o coordenador de vigilância de repressão da Receita, Osmar Madeira, a intenção foi liberalizar ao máximo a entrada de produtos dos turistas brasileiros e dar tranquilidade ao definir critérios claros sobre a quantidade de bens pessoais. “Não estamos preocupados se o turista foi aos Estados Unidos, por exemplo, e comprou um relógio um pouquinho mais caro. A nossa maior preocupação é o contrabandista, o narcotraficante”, diz Madeira. Mesmo assim, a Receita está treinando cerca de 400 fiscais que atuam nas fronteiras para aplicar as novas regras.
Apesar das novas regras, as cotas continuam as mesmas: US$ 500 para quem chegar por via aérea ou marítima e US$ 300 por via terrestre ou fluvial. E quem ultrapassar o limite pagará 50% de imposto de importação. Mas esse risco, agora, é bem mais baixo. O subsecretário da Receita explica que, além da máquina fotográfica pessoal, é permitido trazer três outras máquinas idênticas para dar de presente. “Se cada uma delas custar US$ 200, as três custarão US$ 600, e o turista pagará imposto sobre US$ 100. Mas se comprar quatro câmeras iguais, fora a de uso pessoal, a quarta ficará retida pela Receita”, explica Coutinho. E quatro câmeras fotográficas diferentes? “Não tem problema.” A Receita insiste que seu foco não é o turista comum.
Por isso, quem chegar ao Brasil com um relógio Breitling de US$ 15 mil na mala, fora da caixa, passará tranquilamente pela Receita, mas se estiver carregando mais de R$ 10 mil em espécie na mala estará encrencado. Essa regra não mudou. E também continua a ser exigida a declaração sobre animais, vegetais, remédios que não sejam para uso pessoal, armas e munições. Em 1º de outubro, quando as normas estiverem em vigor, a Receita colocará em seu site um link com perguntas e respostas para esclarecer quaisquer dúvidas. Com a definição clara, reduzem-se a autonomia e a margem de interpretação dos fiscais. O que é saudável.
Adriana Nicacio, Revista “IstoÉ”, 06/08/2010
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