Seguradora estatal Segurobrás será votada no CongressoSob pressão da iniciativa privada, governo recua e desiste de criar nova estatal via medida provisória. Iniciativa agora será através de projeto de lei
BRASÍLIA - Para tentar conter a forte resistência das empresas seguradoras, o governo deve encaminhar ao Congresso projeto de lei que cria a Empresa Brasileira de Seguros (EBS), em substituição à ideia original de enviar a proposta por meio de medida provisória (MP). A nova estatal, já chamada de “Segurobrás”, garantirá o seguro para grandes obras de infraestrutura, habitação popular e operações de comércio exterior.
Apesar da pressão que ganhou força nos últimos dias e já é tema de campanha eleitoral, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, avisou que vai manter o projeto de criação da empresa, porque o setor não tem condições de atender à demanda do País. “Não vamos voltar atrás, porque ela (a EBS) é uma necessidade para o País”, disse. Mantega classificou a estrutura do segmento de “pouco eficiente”.
O texto da minuta da MP que seria encaminhada ao Congresso circulou no mercado e desagradou às empresas de seguro e resseguros instaladas no País. Elas fazem forte lóbi com o Planalto e parlamentares da base do governo para barrar a proposta. Mas, segundo informou uma fonte, a versão da minuta da MP que chegou ao mercado, fomentando os protestos, conteria um erro: a informação de que a EBS atuaria em todos os mercados. De fato, essa versão existia numa minuta do projeto, mas supostamente por um erro já corrigido da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
As empresas têm argumentado que a criação da EBS representa uma intervenção estatal no mercado. A pressão aumentou ontem depois que várias lideranças do setor deram declarações públicas atacando a criação da EBS, cujo anúncio de criação foi feito no início de maio com o pacote de estímulo às exportações. As reclamações dos empresários desagradaram ao ministro, que anteontem fez questão de responder às críticas, mesmo sem ser questionado sobre o assunto, numa rápida entrevista na portaria do Ministério da Fazenda.
Mantega procurou dar sinais de que a nova estatal não vai atuar em todos os setores e agirá em parceria com as empresas privadas, formando consórcios. Segundo uma fonte, nas coberturas que a nova estatal do setor de seguros vai participar, o setor privado terá de arcar com pelo menos 20% do risco de inadimplência, podendo chegar a 50%. A fonte informou ainda que o Eximbank, que vai operar na área de comércio exterior, não concederá seguros ou garantias nessas operações.
Havia uma ala do governo que defendia que a instituição concentrasse tudo, mas o entendimento que prevaleceu foi de que o agente financiador não poderia também ser o garantidor da operação, pois se configuraria conflito de interesses. Segundo Mantega, a criação do Eximbank para apoiar o comércio exterior brasileiro não seria viável sem a EBS, garantindo o seguro à exportação. Para o ministro, é preciso identificar quem realmente do setor é contra a proposta. “Não são as grandes seguradoras”, disse. Ele informou que vai se reunir na próxima semana com as empresas do setor para discutir a criação da EBS.
O ministro pondera que entre o espaço de discussão e votação do projeto e a criação da empresa, a proposta poderá ser aperfeiçoada.
Portos e Navios
Vinci põe até R$ 500 mi em seguro. Do zero: Sob o nome Austral, grupo cria seguradora com foco em obras e reseguradora
Enquanto se debate as implicações da criação de uma seguradora estatal e a existência ou não de capacidade no mercado local para absorver os riscos das obras de infraestrutura que o país precisa fazer nos próximos anos, um grupo privado nacional anuncia planos de entrar na área, atraído pelas oportunidades de ganhos. A Vinci Partners, empresa de investimentos de ex-sócios do Banco Pactual, capitaneada por Gilberto Sayão, está disposta a aportar até R$ 500 milhões em dois negócios. O primeiro é uma seguradora voltada unicamente para os seguros de garantia de projetos - garante o cumprimento de um contrato de execução de obra - e de riscos de engenharia. O outro é uma resseguradora que atuará em todos os ramos (multiline, no jargão do setor). O novo grupo foi batizado de Austral e aguarda aprovação final para operar em breve.
A Austral Seguradora terá um capital inicial de R$ 25 milhões, enquanto a Austral Resseguradora contará com R$ 100 milhões. "Em cinco anos podemos investir até R$ 500 milhões, mais a rentabilidade do próprio negócio [que será reinvestida]", diz Alessandro Horta, um dos sócios principais da Vinci. No mesmo prazo, ele espera que as duas empresas atinjam faturamento em prêmios de R$ 900 milhões e 10% de fatia de mercado.
O mercado de seguro garantia e risco de engenharia fatura atualmente cerca de R$ 1,5 bilhão, enquanto o de resseguros tem prêmios de R$ 4 bilhões. O grupo Austral trabalha com projeção de que os dois mercados dobrem de tamanho em cinco anos. Esse é um cenário conservador.
Bruno Zaremba, sócio da Vinci responsável pelo investimento na área de seguros, explica que, no caso específico de seguros de garantia e riscos de engenharia, a Austral RE só vai operar com a seguradora do grupo para evitar conflitos de interesse. Além disso, o grupo quer, assim, ampliar a capacidade de retenção de riscos originados pela seguradora própria.
"O mercado de seguro garantia é bastante concentrado em quatro a cinco companhias e acreditamos que com prestação de serviço diferenciada e qualidade vamos conquistar fatias do mercado", diz Carlos Frederico Leite Ferreira, diretor executivo da Austral Seguradora. Ele tem experiência em projetos startup na área de seguros. Iniciou a carreira no setor em 1997 na montagem da Áurea Seguros, hoje incorporada pela espanhola Cesce. Participou também da criação da seguradora do Banco Fator.
Do mercado segurador veio ainda o diretor executivo da Austral RE, Bruno Freire, com longa passagem pela Aon Benfield, corretora de resseguros do grupo Aon. Freire acredita que a Austral poderá se diferenciar da concorrência com mais agilidade. "Essa é uma reclamação recorrente dos clientes", diz. A Austral RE será a terceira resseguradora no país da categoria "local" (segundo as regras do setor). Além dela, apenas o IRB-Brasil e a J. Malucelli têm capital local.
Para cuidar das finanças do grupo segurador foi destacado Michel Cukierman, vindo do Pactual.
A respeito da dificuldade de se firmar num ramo como o de resseguro, em que a solidez de longo prazo (risco de crédito) é imprescindível, Bruno Zaremba diz que a Austral estará respaldada pela robustez financeira da Vinci, com a vantagem de possuir capital de brasileiros, dentro do país.
Antes de se decidirem por começar do zero, os sócios da Vinci mapearam o mercado em busca de oportunidades de aquisição - fazia dois anos que estudavam o setor segurador. "Concluímos que havia oportunidade de colocar o dinheiro para trabalhar muito rapidamente, porque há demanda no mercado", conclui Horta.
A Vinci enxerga o setor de seguros como complementar ao seu portfólio de investimentos. "É um negócio de alocação de capital, algo que já fazemos", diz Horta. A Vinci administra investimentos de longo, médio e curto prazos.
Valor Econômico OnLine
O governo resolveu criar mais uma estatal, desta vez uma seguradora, e não quer saber de contestações. Não haverá recuo, garantiu o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Segundo ele, o setor privado é incapaz de atender às necessidades de seguros do País. Essa opinião é refutada por empresários e especialistas, mas o ministro não apresenta um só argumento para sustentar sua afirmação.
A decisão foi tomada, e isso basta. Mas a reação do mercado e dos meios de comunicação já produziu pelo menos um efeito. Pelo plano inicial, a empresa seria criada por meio de medida provisória. Essa ideia foi abandonada e o Executivo deverá mandar ao Congresso um projeto de lei.
A empresa só existirá legalmente depois de aprovado e sancionado o projeto. Mas essa mudança, embora positiva, não torna a ideia mais defensável.
Segundo o governo, a nova companhia Empresa Brasileira de Seguros (EBS) é necessária para garantir os grandes projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as obras vinculadas à Copa do Mundo e à Olimpíada e também as exportações de produtos com valor agregado. Mas o texto encaminhado à Casa Civil estabelece um campo muito mais amplo de atuação.
Segundo esse texto, a empresa deverá oferecer todos os tipos de seguros e concorrerá amplamente com o setor privado. Esse detalhe, segundo uma fonte do governo, foi corrigido, mas a extensão da mudança não foi esclarecida. Segundo especialistas em seguros, nem mesmo para as obras do PAC, da Copa e da Olimpíada é necessária uma seguradora estatal.
O mercado, argumentam, tem capacidade financeira mais que suficiente para atender às necessidades. Muito menos justificável, portanto, será a atuação de uma empresa estatal em outras áreas do seguro.
A criação da EBS, afirmou o ministro, será essencial para a operação do Eximbank nacional, o agente financeiro encarregado de financiar exportações. O próprio Eximbank não poderia cuidar do seguro das operações de comércio exterior. Novamente o ministro apresentou uma alegação sem sustentá-la.
De toda forma, sua afirmação vale como um alerta e justifica uma pergunta: quantas novas estatais serão necessárias, segundo os petistas, para apoiar a expansão das exportações brasileiras? A criação de um canal de financiamento especializado em exportações é justificável com base na experiência de grandes potências comerciais e também do Brasil.
Bancos estatais já realizam essa tarefa e um Eximbank, presumivelmente, poderá executá-la com maior eficiência. Mas isso não justifica a existência de uma estatal como a EBS.
O ministro da Fazenda prometeu chamar o setor privado para discutir. Mas o convite será essencialmente uma esperteza. A decisão de enviar a proposta ao Congresso já está tomada, segundo Mantega, e não será alterada.
Logo, a discussão servirá acima de tudo para legitimar a criação da EBS. O governo já ganhará um lance antes de mandar o texto ao Legislativo. Afinal, o grande problema não é a forma de operação da empresa: é a sua existência.
Até agora, o governo foi incapaz de apresentar um único argumento econômico ou técnico para justificar a criação de uma seguradora estatal. A decisão de privatizar o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) foi acertada, embora tardia. A criação da EBS será um retrocesso.
Como não há razão econômica ou técnica para a formação dessa empresa, a decisão do governo só é inteligível se outras motivações forem consideradas. Não se trata, como ficou claro, de ocupar um espaço ainda vazio por incapacidade ou desinteresse do setor privado.
Empregar amigos da corte é o motivo mais óbvio e talvez nem seja o mais prejudicial. O setor de seguros, como já se viu no caso do IRB, pode ser um terreno propício a malandragens, quando a empresa não está sujeita a controles estritos nem à concorrência.
Além disso, uma companhia como a EBS pode ser um instrumento poderoso de pressões, de barganhas e de jogadas tanto financeiras quanto políticas. O cardápio das tentações será amplo e apetitoso.
O Estado de São Paulo
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