Argentina freia importação de eletrodomésticos do Brasil e China
A Argentina impôs impostos especiais à importação de processadores de alimentos fabricados no Brasil e China por "dumping"´ (comércio desleal) que causou "dano à indústria nacional".
O consumo de eletrodomésticos brasileiros e chineses "aumentou de 69% para 81%" nos últimos anos na Argentina, assinalou o ministério argentino.
Também aplicou impostos especiais ao ingresso de tecidos de poliester para cortinas procedentes da China cuja parcela no mercado passou de 0,2% para 31% da indústria argentina, que, além disso, sofreu "uma queda na rentabilidade", apontou.
A resolução, que entrou em vigor ao ser publicado no Diário Oficial argentino, assinala que foram investigados tecidos de poliéster para cortinas originais do Brasil, mas a esses produtos "não se aplicaram medidas por não terem achado dumping nem dano à indústria nacional".
EFE
Governo quer frear China em licitação pública
Medida provisória dá prioridade ao fornecedor nacional em compras governamentais. Produto com inovação tecnológica desenvolvida no país poderá ter margem de preferência maior
Preocupado com a crescente competitividade de produtos da China nas licitações públicas, especialmente nos ministérios da Saúde e da Defesa, o governo vai chamar representantes da indústria, em setores como o têxtil, o farmacêutico e o de calçados, para definir uma "margem de preferência" ao fornecedor nacional. Essas margens serão fixadas na regulamentação da medida provisória editada nesta semana com alterações na legislação de compras governamentais. Segundo a medida, o governo pode optar por preços de fornecedores nacionais até 25% superiores aos dos concorrentes internacionais.
Manufaturas e serviços com inovações e avanços tecnológicos desenvolvidos no país poderão ser beneficiados com margens de preferência ainda maior que os 25% previstos. Além disso, o governo poderá definir como "estratégicos" bens e serviços de tecnologia de informação e comunicação que só poderão ser fornecidos por empresas que desenvolverem no país a tecnologia fornecida, como já se faz em outros países, como nos Estados Unidos, com encomendas do Pentágono.
Outra novidade da medida, a ser regulamentada nos próximos meses, é a permissão a instituições de ensino superior federal e centros tecnológicos para contratarem obras e comprarem sem licitação, por meio de fundações de apoio à pesquisa, equipamentos, materiais e outros insumos. As compras terão de se destinar a laboratórios para atividades de inovação e pesquisa científica e tecnológica.
A medida provisória, anunciada em maio dentro do pacote de medidas de apoio à indústria, foi justificada pelo governo como uma forma de reproduzir, no Brasil, o tipo de preferência aos fornecedores nacionais adotado por Estados Unidos, China e Colômbia, entre outros países, usando o poder de compra governamental para incentivar investimentos e geração de empregos. Os empresários nacionais em setores como o têxtil se queixam de que não conseguem competir com fornecedores asiáticos, que têm apoio oficial e condições de produção mais favoráveis que as do mercado brasileiro, submetido a alta carga tributária, juros elevados e câmbio valorizado.
Os ministérios da Defesa e da Saúde já vinham trabalhando em propostas próprias de mudança na lei de licitações para dar competitividade aos fornecedores nacionais. No Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Ministério da Educação conseguiu explorar os limites da lei para dar preferência a fornecedores nacionais de uniformes, móveis e outros materiais de uso.
No FNDE, entre outras medidas, as compras passaram a ser feitas em lotes menores, com exigências de padrões técnicos específicos, de acordo com os órgãos nacionais de metrologia, o que reduziu o interesse dos concorrentes estrangeiros. Mas os responsáveis pelas compras do governo se queixavam da falta de amparo legal para dar preferência a fornecedores nacionais, especialmente pequenas e médias empresas, como explicitado na política industrial do governo.
O Exército chega a prever compras superiores a R$ 105 milhões anuais em uniformes, segundo argumentou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao determinar aos assessores a elaboração de uma proposta para compras do setor, que ele pretendia ver concluída ainda no ano passado. Jobim foi alertado para o problema há cerca de um ano, quando uma licitação de cerca de R$ 10 milhões foi vencida pela empresa que optou por usar o tecido chinês, muito mais barato que o similar nacional. Essa tem sido a norma na compra de uniformes para as Forças Armadas, segundo os responsáveis pela medida provisória publicada terça.
O limite de 25% de preferência para os fornecedores nacionais foi fixado por insistência do Ministério da Fazenda, e o decreto de regulamentação da medida provisória fixará limites de acordo com estudos setoriais ainda em preparação. O governo prevê também a cobrança de "compensações" comerciais, industriais ou tecnológicas por parte dos fornecedores beneficiados, sob a forma de facilidades de financiamento, por exemplo. Segundo um técnico que participa das discussões, não há interesse em adotar, sem sérios ajustes, os estudos preparados pela própria iniciativa privada, que reivindica margens muito maiores que a de 25% - em têxteis, por exemplo, os empresários alegam que necessitam margens superiores a 30% para competir com os chineses.
Indústria festeja, mas especialista acha que medida pode ser contestada
Quando instituída, a Medida Provisória (MP) que dá prioridade ao produto nacional nas licitações de compras públicas será a "Buy Brazilian Act", diz Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), em referência ao "Buy American Act", lei aprovada pelos Estados Unidos em 1933, durante a recuperação do pós-crash de 1929. "Em economia, especialmente no campo industrial, temos sempre de olhar com atenção para o que vem dos EUA, porque eles se industrializaram com estratégias desse tipo", diz Almeida, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O apoio da indústria, contudo, não é partilhado por outros segmentos. Além do risco de aumento de preços, a medida poderia ser contestada nos organismos multilaterais de comércio.
Para Almeida, a medida é acertada porque desarticula as "desigualdades de competição" entre o produto nacional e o importado. "A principal diferença é que o governo não paga Imposto sobre Produto Importado (IPI), o que deixa o competidor estrangeiro com um produto mais barato", diz ele. A ideia de colocar um teto de preço de até 25%, portanto, fica "no meio do caminho" entre "a diminuição de desigualdades e o incentivo à ineficiência". Segundo o Valor apurou, a medida divide analistas industriais, especialistas em comércio exterior e políticos.
Segundo José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a MP será contestada "tão logo receba o decreto presidencial". O país é signatário da Organização Mundial do Comércio (OMC), cujo regimento interno incentiva a participação de todos os países em licitações públicas. Além disso, por fazer parte do Mercosul, o Brasil também não pode inibir que empresas argentinas, uruguaias ou paraguaias disputem licitações do governo. "A OMC e o Mercosul vão criticar a medida brasileira, que, pior de tudo, vai atrapalhar futuras negociações bilaterais ou mesmo acordos com os países da União Europeia, que poderão usar essa medida como subterfúgio", diz Gonçalves, que foi ministro da Indústria e Comércio em 1998.
Para o especialista em relações exteriores, o país precisa "se habituar com uma economia aberta e competitiva, onde estrangeiros podem ter produtos mais baratos, reduzindo inclusive os gastos públicos, que serão mais elevados com um equivalente nacional mais caro", diz Gonçalves.
Segundo Luiz Paulo Vellozo Lucas, presidente do Instituto Teotônio Vilela, órgão de discussões políticas do PSDB, a medida vai encarecer os produtos nacionais, além de desestimular a competição. "O instrumento é muito bom, pois compras públicas de fato estimulam o desenvolvimento econômico, mas não nas mãos de gente sem preparo para tanto. Do jeito como as coisas foram levadas na compra dos jatos franceses, que não transferem tecnologia nem geram empregos, e na alteração da Lei do Petróleo, temo que essa MP incorra no erro de sempre, isto é, de direcionar as compras públicas", diz.
Para Paulo Francini, diretor de Pesquisas Econômicas da Fiesp, a ideia de países privilegiarem sua produção industrial doméstica por meio de contas públicas "é mais antiga que andar a pé". Para Francini, trata-se de expediente "usado incansavelmente por todos os países que se industrializaram", não constituindo, portanto, medida antiquada ou heterodoxa. "A China têm os melhores equipamentos e os mais baratos. Mas alguém acha que ela supre as compras do governo americano? Claro que não. A Embraer só existe porque as Forças Armadas compravam seus jatos e aviões", diz ele.
Valor Econômico - 22/07/2010
A indústria brasileira e a ameaça chinesa
A desproporção entre os modelos de mercado dos dois países é tanta que o custo da matéria-prima no Brasil pode superar o valor final de comercialização de produtos chineses
A entrada de investimentos vultosos da China na América Latina e particularmente no Brasil exige uma reflexão aprofundada e crítica, sobretudo quando olhares do mundo se voltam para o setor de petróleo e gás brasileiro. O imponente pacote de encomendas de equipamentos a ser demandado pelo pré-sal e por demais projetos na área são atraentes o suficiente para aguçar o gigante chinês.
A ameaça da China surge em um momento em que a indústria brasileira fornecedora de bens e serviços para o setor de petróleo vislumbra um cenário claramente propício à sua definitiva consolidação, com investimentos de curto, médio e longo prazos. A expectativa é de aportes da Petrobras de cerca de US$ 120 bilhões somente para os projetos do pré-sal até 2020, não incluído o montante relativo aos parceiros, que deverá representar 50% desse valor. Nos próximos cinco anos, toda a cadeia de petróleo receberá investimentos de US$ 250 bilhões. Em questão está não apenas o mercado doméstico, como também o processo de internacionalização da indústria fornecedora nacional ainda em curso.
Com a roda da fortuna do setor petróleo girando no Brasil, é inquestionável que a China direcionará munição pesada para assegurar uma fatia expressiva de nosso mercado, repetindo aqui práticas adotadas em outras regiões. Gradualmente, o poderio chinês avança, já tendo conquistado contratos relevantes na prestação de serviço para os segmentos de refino e transporte de petróleo e gás, além de fornecimentos diversos de bens para o restante da cadeia e de participações acionárias na exploração de blocos marítimos e na produção.
Depois da África, o Brasil será, sem dúvida, o principal alvo na busca de recursos minerais. Com demanda crescente por óleo e seus derivados, a China parece ver o Brasil como um agente facilitador de seus problemas. A demonstração mais agressiva foi dada em maio, quando a petroleira estatal Sinochem desembolsou US$ 3 bilhões pela compra de 40% de participação no campo de óleo pesado de Peregrino, na Bacia de Campos.
O investimento chinês no Brasil cresce a passos largos. Em 2007, o aporte de recursos somava US$ 24,3 milhões, saltando para US$ 360 milhões, apenas nos três primeiros meses deste ano. Hoje, a China ocupa o quinto lugar no ranking dos países com maiores investimentos no país.
Trata-se de um concorrente de característica ímpar. A China é um dos maiores exportadores de produtos do planeta, possui milhares de bilhões de dólares em caixa. A associação de uma moeda depreciada a um investimento pesado no setor produtivo, voltado, sobretudo, à demanda externa, garante ao país robustez suficiente para deslocar qualquer indústria promissora de qualquer nação.
No Brasil, os chineses já ocupam hoje o posto de terceiro maior fornecedor externo de máquinas e equipamentos, respondendo por um percentual de 12,2% e devendo desbancar a segunda posição da Alemanha, em breve. De acordo com dados da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), há apenas seis anos, o país asiático detinha a módica fatia de 2,1% do mercado.
O capital (estatal) chinês costuma despertar o fascínio de mercados mundiais promissores com a oferta não só de acesso a crédito, como de bens, serviços e, em alguns casos, mão de obra, subsidiados por um modelo econômico que ignora as melhores práticas de mercado e de regras consolidadas de convivência com o ambiente e com o homem. Diante da concorrência desigual, setores sucumbem, outros veem desmoronar a expectativa de avanço no mercado interno e de internacionalização.
A desproporção entre os modelos de mercado dos dois países é tanta que o custo da matéria-prima no Brasil, em alguns casos, chega a superar o valor final de comercialização no Brasil de certos equipamentos produzidos na China. Com diferenças tão extremas na composição de custo, a justa concorrência só se faz viável se houver um esforço coordenado, envolvendo os mais diversos agentes de governo do Brasil e representantes da indústria.
É necessário musculatura para suportar a pressão. Dar um passo de cada vez. Para garantir o emprego e o crescimento econômico de gerações futuras, é imprescindível à indústria fornecedora nacional ultrapassar a curva de aprendizagem e conquistar sua definitiva consolidação. Não se trata de proteção descabida, mas de cautela para a construção de um futuro mais promissor.
Com o advento do pré-sal, a indústria brasileira terá a chance de fortalecer-se, já que serão asseguradas a ela duas condições fundamentais à sua expansão: escala e continuidade das encomendas. No entanto, o aproveitamento dessa oportunidade requer a elaboração de uma política industrial de horizonte multissetorial e de uma legislação antidumping mais rigorosa. Longe de qualquer reserva de mercado ou protecionismo exagerado, o país depende da adoção de regras justas e transparentes.
A experiência de países como Noruega e Coreia demonstra que o êxito está atrelado ao acesso ao crédito, a uma tributação equilibrada, à utilização de tecnologia de ponta, além de investimentos maciços em educação de qualidade, voltados para a formação de mão de obra qualificada. Dessa forma é possível construir uma política industrial que se utilize das melhores estratégias de indução do desenvolvimento industrial local e, ao mesmo tempo, estimule os investidores a desenvolver políticas de compra local e se fortalecerem como alavancadores de investimentos consistentes e saudáveis.
O Brasil depara-se com o privilégio de garantir as suas próximas gerações a oportunidade da oferta de milhões de postos de trabalho, bem como a capacidade de alavancar um aumento da geração de renda, a formação de novas empresas, fortalecer o capital local e consolidar a ótica do desenvolvimento sustentado, associado e integrado ao processo de desenvolvimento mundial.
Eloi Fernández y Fernández é diretor geral da Organização Nacional da Industria do Petróleo (ONIP) e professor da PUC/Rio e Alfredo Renault é superintendente da ONIP
Valor Econômico - 22/07/2010
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