LEGISLAÇÃO

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Lentidão das aduanas reduz a competitividade brasileira

Lentidão das aduanas reduz a competitividade brasileira


Para o Brasil assumir uma posição de destaque no cenário mundial do comércio internacional é preciso melhorar muito as operações de liberação de cargas nos portos aéreos, marítimos e rodoviários. O País está crescendo, mas o processo operacional nas aduanas anda no sentido inverso. Esta situação não se restringe ao Rio Grande do Sul - acontece em todo o Brasil. “Os governos querem vender, querem avançar, mas na hora de exportar as mercadorias, falta agilidade, gerando prejuízos enormes. Perdemos em competitividade”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI), José Carlos Becker.

O tempo médio de permanência dos caminhões parados nas fronteiras até que sejam concluídos os trâmites de liberação da carga é de 72 horas - o que representa um forte entrave para a agilidade no comércio internacional. Esta situação acontece por uma série de deficiências: falta de estrutura, de material, de recursos humanos e de clareza nos procedimentos e critérios seguidos pelos órgãos intervenientes. “O País quer crescer, mas ao mesmo tempo não tem infraestrutura alfandegária para isso”, destaca Becker. De cada 30 dias de trabalho, o caminhão permanece parado nas aduanas, em média, por 12 dias. O custo-Brasil decorrente deste desperdício de tempo é de 12% sobre o valor do produto. E quem paga esta conta é o consumidor final, pois o transportador acaba repassando a diferença para o valor do frete. “Hoje nas aduanas das fronteiras do Rio Grande do Sul cruzam em média 80 mil caminhões por mês”, revela Becker.

Para ele, o processo de liberação não evolui por falta de vontade política. “É preciso que sejam tomadas medidas pontuais e enérgicas para que o Brasil avance”, afirma, defendendo que o exemplo a ser seguido é o da Europa. Mas enquanto este momento não chega, ele quer que o tempo máximo que um caminhão fique parado no Brasil seja de 4 a 5 horas. “Esse é nosso objetivo”, pondera Becker. “Nossa intenção é levar para o governo federal uma proposta completa, com um alerta de que essa situação pode gerar um colapso no comércio exterior e no transporte internacional”, afirma.

Na opinião do vice-presidente da ABTI e diretor do Setcergs, Francisco Cardoso, além de existir muitos órgãos intervenientes no processo de liberação de cargas - Receita Federal, Ministério da Agricultura, Anvisa -, cada um tem estrutura e forma de operar diferenciadas. O ideal é que os processos fossem integrados. “Todos estes órgãos têm seus problemas, suas queixas de infraestrutura, de falta de pessoal. Mas, o que o governo, que é chefe de tudo isso, está fazendo para que esta questão seja tratada com uma visão macro? Não adianta termos boas estradas se em paralelo não houver agilidade na liberação das cargas”, alerta Cardoso. Ele afirma que as operações teriam mais transparência se fossem adotados indicadores de desempenho para o tempo de cada processo que envolve a liberação das cargas. “Como o governo vai saber se tem falta de pessoal se ele não determina em quanto tempo precisa ser liberado um processo?”, questiona Cardoso.

Para o presidente da CTIL Logística, Frank Woodhead, o maior problema nos portos secos e marítimos é a falta de gestão da integração e de bom senso. “No porto do Rio Grande nós temos 38 autoridades e órgãos intervenientes. Basta acontecer um problema em algum deles para parar tudo. Em média, para fazer um despacho a carga passa por 12 órgãos”, conta Woodhead.

ABTI e Sdaergs reclamam da burocracia e da falta de unidade dos procedimentos

A falta de sintonia, encadeamento e uniformidade entre os órgãos são as principais reclamações do presidente do Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado do Rio Grande do Sul (Sdaergs), Lauri Kotz. Ele reclama dos funcionamentos em horários diferentes e do isolamento entre eles. “Eu sou partidário de um protocolo único para todos os órgãos e que eles se comuniquem entre si. E não que o despachante tenha que passar em cada órgão para fazer o requerimento de despacho”, diz Kotz.

A falta de uniformidade da fiscalização entre as fronteiras é outro inconveniente, destaca Kotz. “Quando o legislador faz a lei, faz pensando no todo. Mas algumas autoridades aplicam esta lei de acordo com seu entendimento”, explica. “Grande parte da regulação do processo de despacho vem de 1966, e baliza praticamente todo o comércio exterior brasileiro. O tempo foi avançando e temos que ficar acompanhando qual lei mudou, qual normativa avançou”, afirma. Kotz já se preocupa com a nova regulamentação do Operador Econômico Autorizado (OEA). “Gostaríamos que a Receita Federal fizesse palestras antes da implantação para que os despachantes conhecessem as exigências antes da entrada delas em vigor”, diz.

Apesar de o tratado que deu origem ao Mercosul estar completando 19 anos, a burocracia entre os países membros - Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Chile e Venezuela - continua emperrada. “Os integrantes do Mercosul deveriam ter um tratamento preferencial”, defende o ex-presidente e consultor da ABTI, Luiz Alberto Mincarone. “Não basta apenas retirar o imposto de importação para viabilizar a comercialização dos produtos. Tem também que facilitar operacionalmente.”

Na Europa, com a União Européia, as fronteiras entre os 27 países foram abertas. “Com a união econômica e monetária, os países membros convivem como fossem um único país. Os transportadores estão liberados de controle aduaneiro e não pagam taxas alfandegárias. É tudo mais simplificado, muito diferente do que acontece na América do Sul”, diz o diretor geral da empresa TAS Portugal, António Mousinho. Mas, para o Brasil chegar ao modelo ideal, explica Mincarone, primeiro seria preciso eliminar os papéis. “Não adianta esperar uma fatura de um exportador chinês que diz que o produto oriundo da China custou tantos dólares por quilo. Papel não é comprovante de autenticidade. Estas informações devem ser enviadas eletronicamente e assim valerá o que está sendo declarado”, afirma.

A antecipação dos dados por meio eletrônico também é fundamental para a agilidade. Desta forma, quando a mercadoria chegasse à aduana a análise documental já estaria pronta e o despacho seria mais ágil. Com isso, 30 minutos seriam suficientes para liberação de 90% dos produtos. “O tempo maior seria dispensado apenas com as mercadorias que caem no canal vermelho e que exigem inspeção física”, explica Mincarone. Para ele, os problemas ainda persistem nas aduanas por falta de vontade política e entendimento da situação. Alguns importadores e exportadores também não enxergam que parte do preço pago pelo frete é resultado da falta de agilidade nas aduanas. “Se eles conseguissem enxergar que os gastos com frete equivalem a apenas 70% e que o restante é gasto com a morosidade nas fronteiras, iriam exigir mais dos governos”, ressalta.

Receita Federal revisa normas e investe em melhoria de sistemas

O sofrimento com os problemas do dia a dia das aduanas não atinge apenas os importadores e exportadores. Os representantes dos órgãos intervenientes também enfrentam dificuldades que precisam ser solucionadas o mais breve possível, sob pena de o sistema continuar moroso. Na aduana de Uruguaiana, na fronteira com a Argentina, tanto a Receita Federal quanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) convivem com a falta de pessoal. Segundo o auditor fiscal da Receita e delegado-adjunto e supervisor do porto de Uruguaiana, Carlos Frederico S. de Miranda, já é histórico o fato de o órgão trabalhar com menos servidores do que efetivamente precisaria. “Em Uruguaiana, o déficit é de 50%. A lotação é de 58 auditores e nós estamos operando com 26”, revela Miranda. Somado à falta de recursos humanos, há ainda um problema de infraestrutura que afeta o andamento das operações. “Estamos aguardando a conclusão da obra equivalente ao nosso Porto Seco, no lado argentino, para que se efetive a integração. Pelo acordo, toda a exportação teria que ir para o lado argentino, mas ela não vai por falta de estrutura. Isso gera um volume muito maior de trabalho e uma extrapolação da capacidade do porto”, afirma Miranda.

A falta de integração efetiva e de uniformização da legislação são entraves para a agilidade operacional na liberação de cargas. “A aduana de Uruguaiana é um área de controle integrado. Os órgãos brasileiros e argentinos trabalham no mesmo local físico. No entanto, a legislação nunca foi unificada e, na prática, se tem duas aduanas trabalhando uma ao lado da outra. Os sistemas são completamente diferentes, a legislação é totalmente diferente”, conta Miranda. A diferença nas leis não se restringe à Receita Federal. Acontece também com as regras que normatizam os transportes. “Até hoje os dois países não chegaram a uma definição quanto a uma altura padrão dos caminhões. Não houve integração no que diz respeito à legislação”, revela Miranda. “Além disso, a documentação exigida nas operações de comércio exterior é a mesma de décadas atrás”, completa.

Nos aspectos em que tem ingerência operacional, a Receita Federal vem investindo em melhorias. A partir do plano de modernização da aduana brasileira o órgão identificou algumas necessidades. Entre elas, a revisão das normas, tanto do próprio regulamento aduaneiro, quanto das instruções normativas da Receita para adequação à realidade atual. Outra alteração indicada pelo plano é a necessidade de mudança na forma de habilitação da profissão de despachante aduaneiro. A ideia da Receita é uma cobrança maior na habilitação dos despachantes - fundamentais no fluxo do comércio internacional - para que sejam mais bem preparados.

O plano de modernização também indicou a importância da implantação do Operador Econômico Autorizado (OEA) - programa sugerido pela Organização Mundial das Aduanas. Poderá ser habilitado como OEA qualquer interveniente do comércio exterior cadastrado e que atenda aos critérios estabelecidos, principalmente de segurança. Sendo um OEA, o interveniente, que pode ser um empresário, importador, exportador, despachante aduaneiro ou transportador, terá um tratamento especial no trâmite aduaneiro, com prioridade perante os outros operadores. A previsão da Receita é de que a implantação do OEA aconteça ainda neste semestre.

Na área de sistemas, a Receita Federal desenvolveu para a área de portos marítimos o Siscomex carga. Miranda explica que já foram implantados alguns módulos do software, mas ele continua em desenvolvimento. Para controlar o trânsito aduaneiro internacional no modal rodoviário, está em desenvolvimento o Síntia. A ideia é que, assim que este programa for implantado, a Receita consiga receber informações da carga antes de ela chegar ao ponto de controle. “A intenção é de que no início de 2011 alguns módulos já estejam implantados. Neste ano, a orientação da Receita é de priorizar a modernização do Siscomex importação e exportação”, revela Miranda.
Jornal do Comércio/RS

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